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‘Um filme de horror’: advogada flagra refugiados sangrando pela vagina e com HIV presos no Aeroporto de Guarulhos

Por Tião Maia, ContilNet

A reportagem “Aeroporto de Guarulhos é como ‘portão do inferno’ para refugiados, diz advogada”, postada no ContilNet no último domingo (10), teve um efeito prática já na madrugada desta segunda-feira (11): a advogada Yara Ramtor, que denunciou a intransigência da Polícia Federal em não permitir seu acesso aos refugiados de várias nacionalidades que são confinados numa área do aeroporto, teve sua entrada liberada ao local e contato com os clientes.

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Mulher estuprada pelo Talibã, após fugir para o Irã consegui o visto dela, acabou grávida e tendo o filho no Brasil, viveu um mês na casa da advogada/Foto: Cedida

Lá dentro, segundo ela, a imagem é de um horror jamais visto no maior aeroporto do país, no coração financeiro do Estado mais rico do Brasil: homens e mulheres dormindo pelo chão, sem nenhum tipo de proteção ou abrigo, mesmo em meio ao frio de São Paulo nesta época do ano; pessoas famintas, há dias sem comer, sem poder tomar banho, sem roupas para vestir. “Além disso, há pessoas doentes, uns com tosse, sarna, gripe, outros com HIV e doenças mais graves, com hemorragias e sangrando, como é o caso de uma mulher que perde sangue há dias pela vagina, e ainda sofre com a brutalidade dos agentes federais”, denunciou a advogada.

Nesta madrugada de segunda-feira, a advogada teve acesso, por exemplo, a um dos clientes, um refugiado do Nepal, cuja família foi literalmente exterminada, com a morte de pais, irmãos e outros parentes por ordem do Governo do Nepal. O Nepal é um país localizado entre a Índia e o Tibete, conhecido por seus templos e pela Cordilheira do Himalaia, onde fica o Monte Everest. Katmandu é a capital do país, onde o cliente da advogada Yara Ramtor vivia, cujo nome é preservado para evitar uma possível deportação.

Advogada na Embaixada do Brasil em Bangladesh/Foto: Cedida

O Nepal é uma democracia representativa com sete províncias federais, um dos mais pobres do mundo, classificado entre os chamados países em desenvolvimento, ocupando a 145ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em 2014. O país está em transição da monarquia para uma república, sofrendo de altos níveis de fome e pobreza.

O regime não permite ações que possam ser confundidas como fora da administração pública. No caso, o cliente de Yara é dirigente de uma ONG em seu país, a qual se prestaria à ajuda humanitária a nepaleses e estrangeiros e, por isso, passou a ser considerado um inimigo do Governo. Depois de apanhar seguidas vezes por parte das forças de segurança e de ver sua família dizimada, ele decidiu fugir e o Brasil foi seu destino. Só não imaginava viver outro inferno, agora no maior aeroporto do brasileiro.

Sem documentos e roupas (sua mala e passaporte foram retidos pela Polícia Federal no aeroporto), o cliente de Yara Ramthor virou apenas mais um número em meio à centena numa pequena sala na área de desembarque. A advogada conseguiu ter acesso ao cliente nesta madrugada após a concessão de liminar em mandado de segurança cível aceito pela Justiça paulista.

Após o encontro com o cliente, a advogada assim o descreveu: “ele está em depressão porque viu os pais serem mortos pelo partido comunista e sofreu vários ataques tanto que sofre de dores na coluna”. 

Segundo a advogada, a Policial Federal, através da Delegacia no aeroporto, “desobedece à ordem judicial em questões de saúde do refugiado nepalese, assim como de refugiados de outras nacionalidades”. “A PF restringiu o acesso à uma única visita da advogada, onde ele passou mal e deram clonazepan sem avaliar os riscos, já que não possuem o histórico de saúde. Este vídeo ele me mandou clamando por médicos porque não aguenta mais de dor e a Latam nega atendimento”, denunciou a advogada.

A Latam é a empresa que traz os imigrantes para São Paulo e estaria sendo contratada pela administração privada do aeroporto de Guarulhos, com a aquiescência do governo brasileiro, para levar os imigrantes de volta, numa deportação ilegal em massa”, disse a advogada.

No mandado de segurança cível impetrado pela advogada e concedido, em parte, por um dos juízes plantonistas do Tribunal de Justiça de São Paulo no último final de semana, Roberto Lima Campelo, o demandado é o delegado de Polícia Federal no aeroporto como a autoridade coatora.

O magistrado decidiu a favor do pedido da advogada para permitir o acesso aos clientes nos seguintes termos: “primeiramente, relevante registrar que é fato notório que a área de inadmitidos do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP, vem concentrando, nos últimos dias, pessoas estrangeiras que, por razões diversas, não obtiveram permissão para ingressar no território nacional. Esses indivíduos aguardam, nesse espaço, por prazos que variam conforme a disponibilidade de voos para repatriação, permanecendo sob custódia até o efetivo embarque de retorno ao país de origem. Tal situação é amplamente reconhecida, dada a frequente ocorrência de inadmissões por motivos relacionados à documentação, segurança, ou políticas migratórias.

Nesse sentido, verifico a verossimilhança das alegações da impetrante, que busca, como advogada, acesso a seus clientes na área de inadmitidos, onde, de forma contínua, há pessoas prestes a serem repatriadas. A constância desse fluxo, além da documentação anexada aos autos, bem como às disposições legais que asseguram o direito de defesa e o acesso à assistência jurídica tornam plausível o relato da impetrante quanto às dificuldades enfrentadas para exercer suas prerrogativas profissionais nesse contexto, justificando, assim, a concessão da medida liminar pleiteada, ainda que parcialmente”, escreveu o magistrado paulista.

“Considerando que o direito de acesso de advogados a seus clientes configura prerrogativa essencial à ampla defesa e ao contraditório, nos termos do artigo 7º, inciso VI, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), é evidente que o impedimento injustificado de acesso aos representados pela impetrante poderá configurar violação de direitos e prerrogativas profissionais. Ressalte-se que a responsabilidade de disciplinar o acesso à área de inadmitidos no aeroporto envolve tanto medidas de segurança pública, sob competência da POLÍCIA FEDERAL, como questões logísticas da empresa aérea responsável pela custódia dos passageiros inadmitidos. Relevante pontuar que, ainda que se alegue que o acesso à área onde estão os estrangeiros inadmitidos no aeroporto seja de responsabilidade da empresa transportadora, trata-se, na verdade, de região de segurança, cuja competência é da POLÍCIA FEDERAL.

Por outro lado, é necessário considerar que o aumento do número de pessoas inadmitidas, nos últimos dias, e as limitações de infraestrutura do aeroporto, impõem desafios práticos à disponibilização de um espaço reservado para todos os advogados. Assim, tendo em vista que a área de inadmitidos, no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, não constitui uma unidade prisional, mas sim uma área destinada a pessoas que não obtiveram permissão de entrada no território nacional, a comunicação reservada do advogado com o cliente, ainda que garantida, requer adaptações para respeitar as características e limitações operacionais do local. Desse modo, o acesso da impetrante aos seus clientes, para fins de comunicação reservada, deverá ser assegurado na medida do possível, ou seja, na medida em que a estrutura física da área permita, garantindo-se o mínimo de privacidade, porém sem comprometer a segurança e a operação do aeroporto.

Por seu turno, a Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal estabelece que o uso de algemas deve ser justificado em cada caso concreto, sendo lícito apenas em situações de evidente necessidade, como riscos de fuga ou ameaça à segurança de terceiros. Considerando que a área de inadmitidos concentra um grande fluxo de estrangeiros em situação irregular e que o ambiente do aeroporto possui segurança reforçada, o uso de algemas deve ser interpretado com razoabilidade, não sendo razoável impor uma regra geral que proíba o uso de algemas em todos os casos, visto que situações específicas podem requerer o emprego dessa medida por questões de segurança, razão pela qual o uso de algemas deve permanecer autorizado em casos em que as autoridades policiais identificarem risco concreto e justificado, observando a devida fundamentação de cada caso”, acrescentou ao acatar os pedidos da advogada.

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