Neste sábado (15), completam-se 40 anos da posse do político maranhense José Sarney, que prestes a completar 95 anos em abril deste ano, como presidente da República. Mais do que a posse de um presidente civil após a ditadura militar, a data é celebrada como o dia em que o Brasil se reconciliou com a democracia, encerrando um período de 21 anos de um regime autoritário que baniu eleições livres e diretas, fechou o Congresso Nacional, aboliu partidos de oposição, cassou mandatos de parlamentares e governadores e suprimiu garantias institucionais por meio de decretos conhecidos como Atos Institucionais (AI).
Assim, completam-se hoje os primeiros 40 anos do mais longo período democrático ininterrupto da história do Brasil desde a Proclamação da República, em 1889. Essa conquista foi resultado de um longo processo para pôr fim à ditadura civil-militar de 1964, que derrubou o então presidente constitucional João Goulart e manteve-se no poder por meio de quatro mandatos consecutivos de generais, eleitos indiretamente pelo colégio eleitoral do Congresso Nacional.

José Sarney, hoje com 95 anos, tomando posse como presidente da República depois de 21 anos de ditadura militar/Foto: Reprodução
Até aquela sexta-feira, 15 de março de 1985, José Sarney era o vice-presidente eleito de Tancredo Neves, que, no entanto, faleceu antes de tomar posse. Os dois haviam sido eleitos dois meses antes, pelo voto indireto no Congresso Nacional. Contudo, o estado de saúde de Neves, já debilitado, agravou-se, e ele precisou ser internado na véspera da cerimônia de posse, em 14 de março. Sarney, então, assumiu interinamente a presidência.
“Ele [Neves] não queria ser operado sem ter certeza de que a transição democrática seria concluída, pois sabia que poderíamos sofrer um retrocesso político caso houvesse divisão entre nós”, relembrou Sarney ao participar, na manhã deste sábado, em Brasília, de um evento alusivo à data.
Diante do cenário de incertezas quanto ao futuro político do Brasil e do temor de que os militares não aceitassem devolver o poder à sociedade civil, restabelecendo o voto direto, Sarney relatou que Tancredo só aceitou submeter-se a uma cirurgia no intestino quando lhe asseguraram que Sarney tomaria posse, que a Constituição seria respeitada e que “a lei governaria a transição democrática”.
Tancredo Neves faleceu no dia 21 de abril, após 39 dias internado. Oficialmente, a causa foi uma infecção generalizada. Ele tinha 75 anos. Com sua morte, o Congresso Nacional efetivou José Sarney na presidência.
“Foram anos de muita luta. Posso guardar as batalhas íntimas que enfrentei para garantir uma transição democrática tranquila. Enfrentamos muitas possibilidades de retrocesso, mas conseguimos superá-las”, ponderou Sarney.
O ex-presidente também relembrou que, como chefe supremo das Forças Armadas, instruiu o então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, a “recolocar as Forças Armadas nos quartéis”.
“Sendo comandante-chefe, transmiti [aos militares] minhas diretrizes. Eram duas. Primeiro, que o dever de todo comandante é zelar pelos seus subordinados. Segundo, que a transição seria feita com as Forças Armadas, e não contra elas, pois esse havia sido um pacto construído por todos os líderes políticos”, explicou o ex-presidente, classificando a transição democrática como uma conquista do povo.
Manifestações sobre a data
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou as redes sociais para celebrar a data. Em seu perfil no X, Lula escreveu que, mais do que a mera posse de um novo presidente da República, o dia 15 de março de 1985 entrou para a história como “o dia em que o Brasil marcou o reencontro com a democracia”.
“O presidente José Sarney governou sob a constante ameaça dos saudosos da ditadura, mas, com extraordinária habilidade e compromisso político, criou as condições para que escrevêssemos a Constituição Cidadã de 1988 e mudássemos a história do Brasil”, destacou Lula.
“Nestes 40 anos de democracia, apesar de momentos muito difíceis, demos passos importantes para a construção do país que sonhamos: um país democrático, livre e soberano. Temos enormes desafios pela frente, mas o Brasil é hoje uma nação que cresce com inclusão social”, acrescentou o presidente, ressaltando que a democracia deve ser celebrada e defendida diariamente.
“É preciso protegê-la todos os dias contra aqueles que, ainda hoje, planejam a volta do autoritarismo. Precisamos mostrar às novas gerações o que foi e o que significaria viver novamente sob uma ditadura, com todos os direitos negados, inclusive o direito à vida”, concluiu Lula.
Em uma mensagem por vídeo, a presidenta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, afirmou que a democracia está em permanente construção.
“Quarenta anos se passaram desde aquele 15 de março. Depois de mais de 20 anos de regime autoritário, minha geração pôde testemunhar a chegada a uma das margens que buscávamos: um Estado Democrático de Direito, no qual tomasse posse, como nosso representante na Presidência da República, um grupo que havia emergido das lutas populares e da legitimação nas ruas do Brasil”, relembrou a ministra.
“Não foram tempos fáceis, nem os que antecederam [imediatamente à escolha indireta de Tancredo e Sarney], extremamente tumultuados pela carência de direitos e pela ausência de respeito à dignidade, principalmente à liberdade de pensar e de participar ativamente da vida política do país”, acrescentou Cármen Lúcia, elogiando a gestão de Sarney por garantir a realização de uma Assembleia Constituinte que contou com a participação não apenas de mulheres, mas também de outros grupos sociais historicamente marginalizados.
“Tivemos, nestes 40 anos de redemocratização, uma presença feminina muito maior do que em outros momentos da história brasileira. Ainda estamos aquém do necessário para garantir igualdade não apenas nos textos normativos, mas também na dinâmica da vida. Para termos democracia plena, é fundamental que haja liberdade e igualdade”, finalizou a ministra.