Em tempos de mudança climática, é sempre arriscado prever o tempo. Mas parece seguro afirmar que, nos próximos 16 meses, choverão críticas ao governo por aumentar os gastos públicos em busca da reeleição.
Na verdade, a temporada de acusações já começou. Os principais economistas de linha mais ortodoxa têm se revezado nas páginas dos maiores jornais do país em artigos onde procuram demonstrar que as contas públicas estão cada vez mais longe do equilíbrio.
A segunda etapa do raciocínio é a de que, com persistentes déficits, a dívida continuará a subir. E, com a dívida fora de controle, não haverá investimentos que levem o país a crescer.
Eles estão certos? Parcialmente, talvez. Tanto que a ministra do Planejamento, Simone Tebet, já admitiu que o governo deveria aproveitar uma janela de oportunidade, entre as eleições de 2026 e o possível início de novo mandato, para reduzir os gastos públicos.
Ou seja, garante-se a vitória em outubro do ano que vem. E, antes que Luiz Inácio Lula da Silva suba a rampa do Palácio do Planalto para um quarto mandato, aprova-se um pacote de austeridade capaz de colocar as contas públicas nos trilhos.
Mas há dois problemas nesse argumento. O primeiro é de que, apesar de ainda não haver sido alcançado o superávit primário (sem contar os juros), o país tem crescido mais do que antes. O segundo é de que, para serem honestas, as críticas deveriam ser equilibradas.
É difícil lembrar acusações dos mesmos economistas ao grande aumento de gastos públicos promovido pelo então presidente Jair Bolsonaro em busca da própria reeleição. Seu ministro da Economia, Paulo Guedes, dizia-se contra a reeleição em tese, mas defendia um segundo mandato para o próprio chefe.
Segundo levantamento da BBC Brasil, o impacto financeiro para a União do pacote eleitoral de Bolsonaro, em 2022, foi de R$ 68,4 bilhões. Aí incluídos R$ 26 bilhões do Auxílio Brasil de R$ 600 e R$ 16,5 bilhões de corte de impostos sobre gasolina e álcool.
Não deu certo. Bolsonaro não se reelegeu. Também não há certezas sobre o vencedor das eleições de 2026. Lula ainda tem um longo caminho pela frente para recuperar sua popularidade.
É fato, porém, que a reeleição é uma tentação. O atual presidente disse, no começo do governo, que não buscaria novo mandato. Tudo indica que mudou de ideia. Se a reeleição é uma tentação, também o é o aumento de gastos às vésperas do pleito.
O que coloca em questão a própria reeleição. Pode até ocorrer de algum governante promover mais despesas para eleger um aliado após seu mandato. Mas o ímpeto gastador tende a ser menor do que o da busca da própria reeleição.
O tema já está em debate. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou proposta de acabar paulatinamente com a reeleição e de promover eleições conjuntas para todos os cargos municipais, estaduais e federais.
Seriam mandatos de cinco anos para todos – vereadores, prefeitos, deputados estaduais e distritais, deputados federais, governadores e presidente da República. Todos eleitos na mesma data, após um período de transição.
Quais seriam as vantagens? Pode-se mencionar, inicialmente, a redução da tentação de gastar mais do que se arrecada, às vésperas do pleito. Também se pode recordar a redução de gastos com a promoção de eleições.
Talvez, porém, a previsibilidade política seja o melhor resultado do fim da reeleição. Uma vez eleito o presidente da República, por exemplo, ele terá tempo suficiente para colocar a casa em ordem e governar por meia década. Sem se preocupar com eleições no meio do mandato.
Em cinco anos dá para fazer bastante coisa. Basta lembrar do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que construiu Brasília e deu grande impulso à indústria nacional. Deixou o país endividado. Agora, no entanto, há leis mais rígidas em vigor.
Aqui ao lado, no Uruguai, todos já têm mandatos de cinco anos. As eleições também ocorrem a cada meia década (embora com diferença de alguns meses entre as presidenciais e as locais). Tem funcionado bem.
Quando um presidente uruguaio se elege, ele já sabe o que terá pela frente nos cinco anos seguintes. Sabe a composição do Parlamento, sabe com quem contar e pode planejar seu governo.
Pode ser que venha a funcionar por aqui também. A proposta que acaba com a reeleição ainda tem um longo caminho pela frente. Tem que passar pelo Plenário do Senado e ser encaminhada à Câmara, onde também passará pela CCJ e pelo Plenário.
Até aqui, os políticos estão fazendo suas contas. Os senadores e os candidatos a uma vaga no Senado não gostaram da redução do mandato, de oito para cinco anos. A proposta original previa 10 anos de mandato – o que pode voltar no Plenário.
Prefeitos e vereadores também se queixam de que as atenções dos eleitores vão se voltar principalmente às eleições estaduais e federais. Tudo isso vai ser levado em conta ao longo da tramitação nas duas Casas do Congresso Nacional.
De qualquer forma, Lula poderá buscar seu quarto mandato em paz. As regras de transição da proposta assim permitem. Da mesma forma, se um candidato da oposição vencer as eleições de 2026, ele também poderá buscar novo mandato em 2030.
Ou seja, a proposta não atrapalha quase ninguém. Por isso, tem chances razoáveis de ser colocada em votação até o final deste ano, em que não haverá eleições. Isso porque as votações importantes no Congresso quase só acontecem em anos ímpares.
Pode valer a pena tentar. Mandatos de cinco anos garantiriam tempo suficiente para presidentes, governadores e prefeitos colocarem em prática suas propostas. E o fim da reeleição permitiria mais renovação no poder.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.