Comida que Abraça: a ascensão dos restaurantes afetivos e o “charlatanismo gourmet”

Veja na coluna 'Circuito Gastronômico', do ContilNet

Sabe aquele gosto que parece que vem com um colo junto? Aquela comida que não é só boa, ela é familiar, confortável, quase um reencontro com a gente mesmo? Pois é, esse movimento tem nome (e cada vez mais endereço fixo no mapa da gastronomia urbana): restaurante afetivo.

Nos últimos anos, uma onda silenciosa e deliciosa tem ganhado espaço entre as tendências frias de minimalismo e as experiências gourmet ultra sofisticadas.

Estamos falando de lugares que não estão preocupados só com a apresentação, mas sim com a sensação. Mais do que servir pratos, eles servem lembranças.

São espaços onde a decoração remete à casa da avó, o cardápio parece uma colcha de retalhos de receitas herdadas e a música de fundo é quase sempre um bolero ou uma MPB suave que a gente já ouviu no rádio da infância. E não se engane: isso não é nostalgia barata. É estratégia emocional… e muito bem executada.

Esses lugares têm sido o ponto de encontro de uma geração cansada do artificial. A comida afetiva, feita com ingredientes simples e preparo lento, ganha o coração de quem busca uma pausa no tempo. É arroz com feijão com história. É pudim com lembrança de domingo. É bodó (bolinho de chuva) servido com olhar gentil.

É interessante ver como alguns chefs Brasil a fora têm resgatado essas receitas familiares com respeito e reinvenção. Infelizmente alguns usam de má-fé e não imprimem a real função de um restaurante afetivo. É preciso ter uma atenção especial à essa experiência, nem tudo é abraço quentinho nesse universo da cozinha afetiva.

Com o boom da tendência, também apareceu o charlatanismo gourmet: lugares que vendem “arroz com memória” por valores que fariam até a avó que criou a receita se assustar. Tem muito restaurante por aí servindo pão amanhecido com “narrativa afetiva” e cobrando como se fosse trufa branca ou caviar.

A coisa virou meme, e com razão. Porque uma coisa é resgatar a simplicidade com técnica e respeito, outra é empurrar comida de baixa qualidade com uma história forçada e uma etiqueta de preço abusiva. A memória afetiva pode ser rica, mas não precisa ser elitista.

Não se trata de copiar o caderno da bisavó, mas de traduzir sua alma para os dias de hoje. Já vi bolinho de chuva (nosso famoso bodó) servido em louça esmaltada com espuma de doce de leite. E, acredite, funcionou. Porque o gosto não estava só na boca, estava no afeto. Isso agrega valor!

O que bons restaurantes de comida afetiva nos ensinam é simples e poderoso: comer é mais do que nutrir. É se conectar. Com o passado, com os outros, com a gente mesmo. É como dizem por aí: tem comida que alimenta o corpo, e tem comida que alimenta a memória.

E no fim das contas, talvez seja isso que a gente anda buscando tanto, uma mesa posta, uma cadeira vazia esperando, e um prato que nos lembre de quem somos.

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