O Brasil está em uma torcida intensa para que Ainda Estou Aqui conquiste a tão sonhada vaga no Oscar 2025, quebrando um jejum que já dura 25 anos. Foi em 2000, afinal, que o País esteve pela última vez na disputa pelo prêmio de Melhor Filme Internacional (na época, Estrangeiro), com Central do Brasil – que, assim como o novo filme, é dirigido por Walter Salles.
O sonho não parece tão distante assim. O longa estrelado por Fernanda Torres acaba de figurar entre os indicados ao Globo de Ouro, ainda uma importante vitrine para a temporada de premiações norte-americanas, e ao Critics Choice Awards. E não poderia ser em melhor hora: as indicações foram reveladas na mesma semana em que ocorrem as votações preliminares do Oscar, que vão até esta sexta, 13. É delas que sairão, no próximo dia 17, os dez filmes pré-indicados à categoria de Filme Internacional, em uma espécie de “semifinal” da premiação.
Se vencer essa primeira barreira – o último filme brasileiro a rompê-la foi O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, que também retratava o período da ditatura militar no Brasil, em 2008 –, Ainda Estou Aqui estará um pouquinho mais perto da tão cobiçada indicação, fruto de um trabalho intenso de campanha feito nos bastidores.
A trajetória internacional de Ainda Estou Aqui teve início em maio deste ano, quando a Sony Pictures Classics adquiriu os direitos de distribuição do filme durante negociações em Cannes. A distribuidora foi responsável por levar Central do Brasil ao mercado americano e tem uma longa tradição com produções no circuito de premiações, como Tudo Sobre Minha Mãe, de Pedro Almodóvar, e O Tigre e o Dragão – ou, para pegar um exemplo mais recente, Meu Pai, estrelado por Anthony Hopkins e Olivia Colman.
Aos olhos do público, Ainda Estou Aqui despontaria meses depois, no Festival de Veneza. Recebido com pompa no festival italiano, o filme de Walter Salles foi aplaudido de pé em sua sessão de gala e emocionou os presentes. Fernanda Torres e Selton Mello, por sua vez, ficaram comovidos com a reação do público à história de Eunice Paiva, cujo marido, o deputado Rubens Paiva, foi levado por agentes da ditadura para nunca mais ser visto.
No Brasil, as imagens dos atores com olhos marejados furaram a bolha cinéfila e correram as redes sociais. O longa recebeu críticas elogiosas de veículos internacionais, como as revistas Variety e The Hollywood Reporter, e saiu fortalecido ao receber o prêmio de melhor roteiro, para Murilo Hauser e Heitor Lorega, que adaptaram o livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva.
Salles, Torres e Mello praticamente emendaram a viagem a Veneza com a participação no Festival de Toronto, no Canadá, “onde eles participaram de debates com o público, muitas entrevistas para a imprensa norte-americana e internacional”, lembram os produtores Maria Carlota Bruno e Rodrigo Teixeira em entrevista ao Estadão, por e-mail.
A campanha, no entanto, só começou oficialmente em 23 de setembro, quando a Academia Brasileira de Cinema, por unanimidade, elegeu Ainda Estou Aqui como o representante brasileiro ao Oscar de Filme Internacional – requisito obrigatório pelas regras da premiação.
A essa altura, o longa já estava escalado para exibições nos prestigiosos festivais de Nova York e Londres, e emendou muitos outros. Na entrevista, em novembro, os produtores calcularam que Ainda Estou Aqui tenha passado por mais de 50 festivais internacionais, entre eles os de San Sebastián (Espanha), Pingyao (China), Chicago, Austin e Marrocos.
Estar presente em tantos eventos diferentes é estratégico, explicam. “É fundamental fazer com que o filme seja visto por públicos de diferentes latitudes, e nesse sentido participar dos festivais é o melhor caminho, assim como também é fundamental fazer com que ele seja visto pela imprensa, público e formadores de opinião nos Estados Unidos e na Europa.”
Bruno e Teixeira justificam citando a maior diversidade da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que nos últimos anos vem fazendo um esforço para incluir votantes de novos países entre seus membros e reconhecer produções de fora do eixo EUA-Reino Unido: “O Oscar também é muito internacional hoje, principalmente depois da vitória de Parasita em 2020, fazendo com que filmes internacionais tenham espaço de consideração.”
Ajuda de Penn e Cuarón
Os esforços para uma campanha para o Oscar são intensos. Fernanda Torres e Selton Mello passaram quase um mês em Los Angeles, onde participaram de entrevistas, exibições seguidas de debate e eventos importantes, como o festival do American Film Institute (AFI) e, no caso da protagonista, do Governors Ball, realizado pela Academia de Hollywood.
Torres mal voltou ao Brasil e já está na Europa ao lado do diretor Walter Salles. Os dois levaram o filme a Londres, onde participaram de uma conversa com Alfonso Cuarón, vencedor de dois Oscars de Melhor Diretor – por Gravidade e Roma. O cineasta se soma a outros dois grandes nomes do cinema já recrutados nos trabalhos de divulgação do filme: o diretor francês Olivier Assayas (Acima das Nuvens) e o astro Sean Penn – que fez, nas palavras dos produtores, “uma linda introdução do filme” em uma exibição com Selton Mello.
Tais sessões, eles contam, “são feitas para que o filme seja visto por pessoas do meio audiovisual, atores, atrizes, formadores de opinião que podem ajudar a divulgar o filme”. Um passo necessário, visto que o Oscar é, ao fim, um prêmio feito pela e para a indústria cinematográfica americana. “É muito trabalho e esforço, com muitas viagens e fusos horários diferentes, para fazer a divulgação de um filme, principalmente em um mercado tão competitivo como os Estados Unidos.”
A Sony, inclusive, tenta emplacar o longa em outras categorias além da de Filme Internacional, o que torna ainda mais necessário que ele seja visto. “Com as sessões e o boca a boca, o filme vai ganhando espaço em outras categorias. O que ajuda nas demais categorias são críticas e prêmios técnicos. Isso alavanca as possibilidades do filme”, dizem os produtores.
Para cumprir as regras da Academia e poder ser considerado a outros prêmios, o filme chegou a ficar em cartaz por uma semana nos cinemas americanos em novembro. Ele estreia em Los Angeles e Nova York em 17 de janeiro, mesmo dia em que o Oscar revela a lista final de indicados.
Repercussão de ‘Ainda Estou Aqui’
Os esforços da campanha já estão rendendo frutos. Fernanda Torres foi citada pela Vanity Fair, uma das principais publicações norte-americanas, como “ícone global”, e também foi lembrada no Globo de Ouro, disputando o prêmio de Melhor Atriz em Filme Dramático ao lado de nomes de peso como Angelina Jolie e Nicole Kidman. Veja aqui outras atrizes que podem disputar com Fernanda Torres.
O filme também já é dado como certo na categoria de Filme Internacional do Oscar por veículos especializados, e entrou na lista do National Board of Review, importante organização de críticos norte-americanos.
Os brasileiros, por sua vez, se engajaram intensamente na campanha do filme nas redes sociais. A foto de Fernanda Torres no Governors Awards, compartilhada no perfil da Academia, ganhou 2,8 milhões de curtidas e 823 mil comentários. No perfil do Globo de Ouro, o post mais curtido referente aos indicados deste ano é o carrossel que conta com as concorrentes a Melhor Atriz (entre elas, Torres). Até a publicação deste texto, eram 113 mil curtidas – o segundo post mais curtido da leva, em comparação, tinha 38,8 mil likes.
Questionados sobre se a repercussão pode ajudar na campanha, Teixeira e Bruno dizem acreditar que ela possa ser benéfica, embora não tenham uma resposta definitiva. “O fato de a Fernanda Torres transitar bem nesses meios também ajuda muito, ela não se intimida e sabe trabalhar bem a linguagem da internet, e isso tem sido muito positivo para o filme.”
A atriz, assim como Walter Salles e Selton Mello, deve voltar a Los Angeles muito em breve: os três devem participar da cerimônia do Globo de Ouro, em 5 de janeiro.
Quando será o Oscar 2025?
A cerimônia de entrega do Oscar será no dia 2 de março, em Los Angeles. No dia 17 de dezembro, serão divulgados os pré-indicados em algumas categorias, entre elas a de Filme Internacional. Em janeiro, é divulgada a lista completa de indicados.