A ”força tarefa” pela aprovação da Reforma da Previdência – que envolve governo federal e sua base aliada no Congresso Nacional, mas também membros do Poder Judiciário e parte do grande empresariado nacional – elencou como objetivo fazer a população acreditar que as mudanças servirão para salvar o futuro dos mais pobres. O problema é que a proposta fará exatamente o contrário: acabará com um dos maiores programas de distribuição de renda do país.
Neste sábado (13), por exemplo, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso afirmou, em evento em Londres, que o atual sistema previdenciário ”envolve uma imensa transferência de renda dos setores mais pobres para os mais abastados”.
Claro que certos servidores públicos aposentados, como ministros do STF ou mesmo Michel Temer (que se aposentou aos 55 anos), têm direito a R$ 30 mil mensais ou mais de pensão. E poderíamos rediscutir isso. Mas a Previdência Social também possui um dos maiores programas de distribuição de renda do mundo. E muito antes do Bolsa Família.
Hoje, famílias que comprovarem que trabalharam no campo por, pelo menos 15 anos, conseguem o direito à aposentadoria rural. São milhões de pessoas pobres beneficiadas com um salário mínimo por mês após 60 anos (homens) e 55 (mulheres), impedindo o aumento do êxodo rural, fomentando a economia de pequenas cidades e garantindo soberania alimentar (uma vez que a agricultura familiar fornece boa parte dos alimentos que consumimos).
Pequenos produtores familiares, coletoras de babaçu, pescadores artesanais, entre outros, conforme previsto na Reforma da Previdência, terão que pagar individualmente 180 parcelas mensais de um carnê com uma contribuição que, por enquanto, estima-se ser igual ao do microempresarial individual (5% do salário mínimo). Hoje, eles recolhem 2,1% de imposto no momento da venda de sua produção – que pode ser anual, por conta da safra.
Considerando que essas famílias não ganham dinheiro todos os meses e que muitas delas se mantém com recursos do Bolsa, elas não conseguirão se aposentar.
Terão que esperar até os 68 anos para pleitear uma pensão para idosos pobres do Benefício de Prestação Continuada (BPC) – ou seja, oito anos a mais para os homens e 11 anos a mais para as mulheres (o Congresso Nacional quer aumentar a idade mínima das mulheres do campo para 57 anos).
A aposentadoria especial rural é deficitária de acordo com a metodologia utilizada pelo governo federal, que desconsidera o valor que o próprio governo deveria aportar e também recursos do sistema de Seguridade Social. Mas consideremos que esse é a situação. Então, isso representaria, de acordo com dados do Ministério da Fazenda, cerca de R$ 103,39 bilhões, em 2016.
Ou seja, uma grande transferência de renda dos que têm mais para os que têm menos. Ao contrário do que disse Barroso. É um preço pequeno a pagar para manter um mínimo de dignidade no interior do país.
Se o ministro Barroso está preocupado com a ”imensa transferência de renda dos setores mais pobres para os mais abastados”, deveria defender em palestras a taxação dos dividendos recebidos de empresas por pessoas físicas. Ou uma mudança no imposto de renda, isentando os pobres e a maior parte da classe média e cobrando mais dos que mais têm, com alíquotas de até 40%. Ou ainda aumentar as alíquotas de nossos impostos sobre heranças e taxar realmente grandes fortunas.
Repito o que já escrevi aqui: muita gente está querendo ganhar a disputa no grito, falando em nome dos mais pobres. Quando eles, na verdade, seguem bestializados com a percepção de um país que explora seu trabalho na juventude e os abandona na velhice.
Sugestão: Que tal combatermos as aposentadorias privilegiadas que certas categorias de servidores públicos, o que inclui o Judiciário, têm direito e, ao mesmo tempo, manter a mínima dignidade conquistada pelos poucos mecanismos de distribuição de renda que funcionam no país?
Por: Leonardo Sakamoto
Fonte: Repórter Brasil