Ameaças de boicote, palavrões e ofensas chegaram ao tipo dos assuntos mais discutidos nas redes sociais nesta semana depois que o ator e empresário Thammy Miranda, de 37 anos, virou garoto propaganda de uma campanha de Dia dos Pais.
Figuras como o pastor Silas Malafaia e o deputado federal Eduardo Bolsonaro disseram que Miranda não poderia ser pai do pequeno Bento, de 6 meses, pelo fato de ele ser um homem transexual. Influencers conservadores convocaram seguidores a nunca mais comprarem produtos da Natura, responsável pela ação.
Os ataques foram um sucesso… para a Natura, cujas ações se valorizaram em R$ 1,5 bilhão até a última quinta-feira, segundo reportagem da revista Forbes.
“É engraçado que os haters acabaram fazendo tudo isso. As pessoas que são contra é que deram essa visibilidade toda”, avalia o filho da cantora Gretchen em entrevista à BBC News Brasil.
Em meio aos ataques religiosos, ele diz que “tudo o que toca é próspero”.
“Sou muito temente a Deus e acredito que ele não faz nada em vão. Se vim como vim ao mundo, com certeza eu tenho uma missão.”
Enquanto aproveita a repercussão e mensagens públicas de apoio de personalidades como o ator Bruno Gagliasso e o youtuber Whindersson, Thammy vê crescimento recorde em sua redes sociais – só no Instagram, ele tem quase 3 milhões de seguidores.
Mas a visibilidade também se reflete na pré-candidatura a vereador em São Paulo pelo Partido Liberal. Ele tentou em 2016 pelo PP, de Paulo Maluf, mas não se elegeu com 12,4 mil votos.
“Inclusive dentro desse partido eu fundei o núcleo de diversidade. Na esquerda já se fala sobre isso, já entendem sobre isso. Na direita não e é lá que a gente tem que conquistar o nosso espaço”, diz, afirmando que não é “comunista, nem conservador, nem nada”.
“Sou progressista.”
Em 2014, já conhecido em todo o país, Thammy anunciou ser um homem transexual e começou um processo de transição sob os holofotes da imprensa e das páginas de fofocas.
“Minha militância é desde a hora que eu acordo. As pessoas me conhecem. Quando vou a um restaurante e as pessoas ficam vendo em que banheiro vou entrar eu já estou militando”, diz.
A palavra mais repetida por Thammy em toda a entrevista é “representatividade”. A reportagem pergunta se, para além da campanha externa de Dia dos Pais, a Natura tem funcionários e políticas para transexuais “da porta para dentro”.
“Não sei.”
Veja os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil – O que esse episódio diz sobre o Brasil, sobre a nossa sociedade em 2020?
Thammy Miranda – A gente ainda tem uma educação muito retrógrada e precisa investir na educação das nossas crianças para termos seres humanos melhores daqui para frente. Eu não estou lá só para representar um nicho e pronto. A Natura não quis dizer que eu sou a imagem de um pai perfeito e que tem que ser aquele pai. Estou representando os homens trans, as mais de 12 milhões de mulheres que são mães solteiras no Brasil, as mais de 5 milhões de crianças que não tem o nome do pai na certidão de nascimento.
Agora, se eu não represento um certo nicho, não tem problema algum. Outros homens foram contratados pela marca para representar os que não se sentem representados por mim. Mas existe uma grande massa que se sente representada por mim não só pela questão da imagem de homem, mas da imagem de pai presente, carinhoso, atencioso, que zela pela educação do filho, cuidadoso com a esposa. O pai que eu acredito que todos deviam ser.
BBC News Brasil – O Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo, esse é um dos cartões de visitas negativos do país no exterior.
Thammy Miranda – Segundo as ONGs dizem, é praticamente um transexual por dia.
BBC News Brasil – Você é um caso fora da curva nesse universo de transexuais. Muita gente tem muita dificuldade para entrar no mercado de trabalho, sofre estigma a ponto de precisar sair de casa, ir para a rua. Você é casado, tem um cachorro, agora tem um bebê, sua mãe está sempre em casa. Não é a realidade da maioria.
Thammy Miranda – Não é a maioria. Sim. Eu tenho consciência disso e por isso minha responsabilidade de levar voz para essas pessoas é cada vez maior.
Na questão da educação, a gente precisa dar atenção para isso porque muitos transexuais não chegam a ser educados porque saem da escola, porque o nome social não é respeitado. Eles passam bullying e aí deixam de estudar. Não estudando, não se formam, não têm uma profissão, e acaba como uma bola de neve. Eles ficam à margem da sociedade.