A partir de 1º de janeiro de 2023, a primeira-dama do Brasil será uma paranaense de 56 anos e sorriso aberto. Pela primeira vez, ela recebe uma equipe de TV para contar a sua história. O Fantástico conversa com a mulher que é presença forte e constante ao lado de Lula. Rosângela da Silva, que prefere ser chamada de Janja.
Poliana Abritta: Janja, primeira-dama do Brasil. Já caiu a ficha?
Janja: Ainda não. Eu acordo e, tipo, tem que pensar uns 30 segundos para dizer: ‘Nossa, vamos virar essa chave que agora a vida vai mudar um pouco’.
Maju Coutinho: Janja, o presidente Lula disse que não gostava muito de falar sobre você, porque você pode falar sobre si mesma. Já que essa é a sua primeira entrevista oficial, a gente te pergunta: quem é Janja?
Janja: Eu sou uma sonhadora muito pé no chão. Eu sou uma sonhadora que penso coisas importantes para o mundo e agora eu estou tendo uma possibilidade de talvez contribuir para algumas dessas mudanças para o Brasil e para o mundo.
Poliana Abritta: Aos 17 anos, em 1983, em pleno início do movimento pelas Diretas Já, você se filiou ao PT. Como é que aconteceu isso?
Janja: No cursinho, eu conheci algumas pessoas do movimento estudantil e me filei ao PT. Aquela efervescência política pelas Diretas Já, que já acontecia em 83, isso tudo foi mexendo com a minha cabeça.
Maju: Em 2003, o presidente Lula assumia a presidência, o primeiro mandato, você ingressa na Usina Hidrelétrica de Itaipu. Como foi essa transição e o que você fazia lá?
Janja: Como eu já tava trabalhando no setor elétrico e Itaipu tava dando também uma virada de chave no que a Itaipu significava pra aquele território. No discurso do presidente Lula, ele fala quando ele assume, que Itaipu deveria olhar para o território onde ela está, para as pessoas onde ela está. O diretor-geral de Itaipu me chama, porque a gente já tinha trabalhado junto, para trabalhar no programa de sustentabilidade com as comunidades indígenas da região.
Janja ainda trabalhou quatro anos na Eletrobras, no Rio de Janeiro, voltou a Curitiba e se aposentou aos 53 anos.
Poliana Abritta: E quando foi a primeira vez que você esteve com o presidente Lula?
Janja: Eu acho que foi talvez em algum evento no Paraná. Não sei te dizer precisamente, assim, a data. Depois, na Itaipu eu estive mais vezes com ele porque ele era muito convidado pra Itaipu para os eventos.
Poliana Abritta: Agora, a gente quer saber como foi e quando foi que você se apaixonou?
Janja: Final de 2017, o MST fez um jogo. E o Chico Buarque ia jogar. Todas nós sabemos, Chico Buarque. E eu falei assim: ‘Eu preciso ir nesse jogo’. Acabei indo no jogo. E eu conheci, quer dizer, já conhecia o meu marido de outros momentos. Óbvio que eu não sei se ele lembrava muito de mim. Mas enfim, a gente se sentou pra almoçar, todo mundo almoçou, os convidados e tal. Depois, ele pediu o meu telefone para alguém, eu recebi ali e foi indo. A gente foi se aproximando.
Maju: Janja, falando de rede social, você pessoalmente foi associada de forma pejorativa a religiões de matriz africana, como se isso fosse um problema, e eu gostaria de entender a sua visão sobre esse episódio e sobre a intolerância religiosa.
Janja: Ter sido atacada por conta disso não me diminui. Pelo contrário, eu acho que ser ligada a uma religião de matriz africana só me dá orgulho. Talvez isso represente um pouco do que é os brasileiros e as brasileiras, sabe? Eu sou aquela pessoa que me emociono na missa, com a fala do padre, e também me emociono com o tambor. Também me emociono com um hino de louvor a Deus. E muitas pessoas disseram pra mim: você precisa apagar aquela foto. Tem uma foto minha no Instagram com algumas imagens de orixás. Eu não vou apagar. Aquilo também me representa.
Maju: Esse seu jeito atuante, espontâneo também despertou algumas críticas. Críticas internas. Como você lidou com a resistência de parte da campanha?
Janja: Sinceramente, Maju, eu não me incomodei com isso, porque a opinião que importava pra mim nesse momento da campanha era do meu marido. Se era importante para ele eu estar fazendo algumas coisas e estar do lado dele. E eu trouxe para mim esse papel de cuidar mesmo dele, de preservá-lo.
Poliana Abritta: Falando sobre as críticas que a Maju levantou: quem saiu em sua defesa, disse que houve machismo e talvez um pouco de ciúmes. Você acha que houve machismo? Houve ciúmes? Ou as duas coisas?
Janja: Acho que um pouquinho de cada um. Houve machismo porque talvez a figura do Lula por si só se bastasse. E agora tem uma mulher do lado dele, não que complemente, mas que soma com ele em algumas coisas. Isso não acontecia antes. Só olhava para ele. E hoje ele tem um complemento, uma soma, que sou eu. E não é porque eu estou do lado dele. É porque eu sou essa pessoa. Eu sou uma pessoa que é propositiva. Que não fica sentada. Que vai e faz.
Poliana Abritta: Janja, você mesmo falou e a gente viu ao longo da campanha o quanto você é cuidadosa. Leva um boné, dá água ao Lula, protege, faz ali a segurança dele. Como é que vai ser isso na presidência?
Janja: Eu vou continuar do lado dele. Eu não vou. Pelo menos, eu acho que eu não vou ficar… ele vai sair para trabalhar e eu vou ficar em casa. Isso vai ser difícil acontecer, porque não é da minha personalidade. Então, a gente vai estar junto. Eu vou estar do lado dele, eu acho que praticamente boa parte do tempo. Contribuindo no que eu puder contribuir.
Maju: Você já chegou a dizer que gostaria de ressignificar o papel de primeira-dama. Como você pretende atuar?
Janja: Eu queria ressignificar o conteúdo do que é ser uma primeira-dama. Talvez trazendo algumas coisas importantes de algumas pautas importantes para as mulheres, para as pessoas, para as famílias de modo geral. Talvez seja esse. Um papel mais de articulação com a sociedade civil.
Maju: Você poderia citar para gente três compromissos com o Brasil nos próximos anos?
Janja: Eu acho que compromisso meu, com certeza, é trazer à luz alguns temas que eu carrego na minha história. Que é a questão de violência contra mulheres, sim. Nós vamos trabalhar isso com muita força. Eu quero atuar bastante nisso. Fazer essa discussão com a sociedade. Não é com medida provisória que você resolve essa questão. Alimentação, sim, é outro compromisso importante. Que não é só a alimentação saudável, mas garantir a alimentação. E, com certeza, a questão do racismo. Que é uma coisa que a gente não consegue mais admitir na sociedade. E, talvez, eu acho que não é uma coisa, mas discutir um pouco mais com a sociedade de que forma que a gente transforma esse ódio que a gente vive hoje em relações mais afetuosas? Em relações mais saudáveis? E aí a sociedade civil, as instituições da sociedade civil tem um papel importante. Da gente poder fazer esse diálogo com as pessoas que não votaram na gente.
Janja também disse o que pensa sobre a necessidade de reconciliar um país dividido: “Despertar um pouco de solidariedade e de compaixão numa parcela da população brasileira, que parece que deixou isso perdido em algum lugar”.