Caso Renato Russo ‘vai muito além de fãs divulgando material na internet’; entenda

Fã da Legião Urbana e pivô da Operação Será, que resultou em buscas da Polícia Civil do Rio na casa do produtor musical Marcelo Froes atrás de material supostamente inédito da banda, Josivaldo Bezerra da Cruz Junior é investigado desde 2016 por “tentativa de estelionato, violação de direito autoral e, possivelmente, receptação”. Essas são as acusações relatadas em notícia-crime de 2016 por Giuliano Manfredini, filho e único herdeiro de Renato Russo (1960-1996), na época referentes a Ana Paula Ulrich Tavares, pseudônimo que Josivaldo usava para ser um dos administradores da página Arquivo Legião no Facebook.

No documento, a que o GLOBO teve acesso, há reprodução de mensagens em que Ana Paula finge ser uma jornalista da agência Reuters para abordar a Legião Urbana Produções Artistas Ltda., empresa de Giuliano, sobre suposto material inédito do músico. A reportagem entrou em contato com o investigado, com seu advogado, e com a advogada de Giuliano, Fernanda Tórtima, já que o herdeiro optou por não dar entrevista.

— Não posso falar sobre o processo, mas a investigação vai muito além de fãs divulgando material utilizado na internet — disse Fernanda.

Advogado de Josivaldo, Antonio Cabral diz que seu cliente prestou longos depoimentos por dois dias:

— Além de responder a todas as acusações, Josivaldo anexou prints comprovando tudo que falou. Essas informações que estão sendo apresentadas na imprensa são apenas o conteúdo da notícia-crime feita pelo herdeiro, não representa o conteúdo da investigação em curso há mais de quatro anos — afirma Cabral.

Procurado, o delegado Maurício Demétrio, da Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM), não quis dar entrevista. Marcelo Froes, que teve material apreendido por ter trocado mensagens com “Ana Paula” por meio de redes sociais, dará depoimento na manhã desta quinta-feira.

As acusações e a defesa

De acordo com a notícia-crime apresentada pelo herdeiro em 2016, em janeiro daquele ano, Josivaldo/Ana Paula entrou em contato com um funcionário da empresa de Giuliano, para tentar negociar material do músico que estaria em poder da Reuters. “Achamos recentemente gravações totalmente inéditas do Renato Russo através de um trabalho da agência em parceria com a (TV) Globo (…) Este é um assunto sério e valioso, por isso não dá para usar meios de comunicação normais. Me indique alguém com quem possa falar sobre isso”, teria escrito, em mensagem reproduzida. “Ana Paula” estaria pedindo “exclusividade para a realização de reportagens sobre o conteúdo histórico encontrado”, de acordo com a acusação.

O investigado assume que sua personagem, Ana Paula, se dizia jornalista da agência de notícias, e fez um post público em 2019 para pedir desculpas aos seguidores.

— E sim, eu falei o nome da Globo algumas vezes, mas não no intuito de vender nada. Eu usava como desculpa para sair de uma conversa ou fazer a Ana Paula parecer mais importante. Nunca vendi nem comprei em nome de TV Globo ou Reuters. Para ser bem honesto, eu não me lembro de ter feito isso que você está dizendo que eu fiz.

Giuliano no apartamento em Ipanema, onde Renato Russo viveu por seis anos até morrer [Foto: Camilla Maia/Agência O Globo]

O material a que ele se referia na mensagem à empresa de Giuliano eram gravações de Renato com o músico sul-africano André Pretorius, morto em 1988. O mesmo material, porém, já havia sido prometido a Giuliano pelo jornalista Carlos Marcelo Carvalho, autor da biografia “Renato Russo: o filho da revolução” (2009). Com isso, o herdeiro acreditou que estava sofrendo uma tentativa de golpe. No dia 28 de março de 2016, Carlos Marcelo entregou a fita ao filho de Renato, que por sua vez foi encaminhada para tratamento e catalogação no acervo do músico no Museu da Imagem do Som de São Paulo.

Alguns dias depois, em 3 de abril, o conteúdo da fita foi divulgado pela página Arquivo Legião, uma das queixas da notícia-crime. Na segunda-feira, em entrevista ao GLOBO, Josivaldo afirmou que não fez nada ilegal.

— A viúva do Pretorius soube e não autorizou o uso comercial do material. E então ela liberou o áudio para os fãs. Fui um dos últimos a receber, mas por causa da fama da Ana Paula, fui acusado de jogar isso na internet.

O documento traz ainda uma reprodução de um post do Arquivo Legião de 2016 que celebra o recebimento de um lote com “cerca de 35 fitas” de gravações inéditas de Renato Russo: “O objetivo [da notícia-crime] é apurar a origem de todo o material inédito obtido por Ana Paula Ulrich e, ainda, visa a que seja investigada (sic) as condutas criminosas praticadas pela noticiada”.

— Expliquei em depoimento ao delegado que essa postagem foi feita por outro legionário que era administrador da página na época  — disse Josivaldo. — Depois ele viu que já estava tudo na internet.  Ele não está mais com a gente, mas prefiro não citar o nome, pois a investigação segue em curso.

A notícia-crime também critica as intervenções em arquivos de áudio para “isolar” a voz de Renato Russo, que foram publicadas na internet. E levanta suspeita de que “Ana Paula” tenha entrado no apartamento de Renato Russo em Ipanema para pegar material. Na segunda-feira, Josivaldo disse ao GLOBO que “só foi a Ipanema uma vez na vida, no ano passado”.

Policiais fizeram busca e apreensão de HDs e cartuchos de gravação [Foto: Gabriel Monteiro/O Globo]

Advogada fala sobre Marcelo Froes

Apesar de não se manifestar sobre o caso de Josivaldo, Fernanda Tórtima, a advogada de Giuliano, comentou a busca na casa do produtor Marcelo Froes. Ela afirmou que nem ela, nem seu cliente, sabiam da existência da Operação Será até esta segunda-feira.

— A defesa pediu que ele [Marcelo Froes] fosse ouvido, mas só tomou conhecimento sobre a busca e apreensão pela imprensa — afirmou.

Fernanda comentou a versão que o pesquisador musical e produtor Marcelo Froes deu ao GLOBO e outros veículos após a Operação Será. Ele negou ter qualquer material indevido em seu poder e se queixou por não ter sido procurado por Giuliano na última década antes de acordar com a polícia em sua porta. Durante anos, após a morte de Renato, Froes representou a família do cantor junto à gravadora EMI, situação que mudou depois que o herdeiro do músico assumir a gestão da Legião Urbana Produções Artísticas Ltda.

O pesquisador musical e produtor Marcelo Froes [Foto: Monica Imbuzeiro/Agência O Globo]

— Ele nunca me procurou, nunca demonstrou interesse em saber o que eu sabia. Infelizmente, ele virou as costas para todo mundo — disse Froes em entrevista ao GLOBO na última segunda-feira.

— Nunca houve nenhuma relação entre os dois para justificar que Giuliano o procurasse por qualquer razão após assumir a empresa, em 2013 — diz Fernanda.

Carlos Trilha, produtor dos discos solo que Renato lançou em vida,  “The Stonewall celebration concert” (1994) e “Equilíbrio distante” (1995), afirma que não existem músicas inéditas de Renato Russo a descobrir. Em sua página no Facebook, o músico deu sua versão dos fatos nesta terça-feira: “O que existia de material inédito [do Renato] já foi totalmente espremido. É realmente lamentável que a morte de um artista possa conduzir sua obra à um universo de critério artístico duvidoso dirigido por pessoas que nunca estiveram realmente próximas a ele.” [Capa: Ricardo Belliel/Agência O Globo]

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