Uma reflexão jurídica sobre o complexo conflito entre trabalhadores rurais e pecuaristas na Amazônia

No confuso labirinto de questões jurídicas que envolvem o conflito na fronteira entre o Acre e o Amazonas, nos deparamos com desafios que transcendem a mera aplicação de leis, demandando uma análise minuciosa à luz da complexidade ambiental e dos direitos fundamentais, um verdadeiro novelo que precisa ser desvendado.

Na região fronteiriça, a tensão entre fazendeiros e trabalhadores rurais teve mais um capítulo recente e requer uma interpretação cuidadosa das normativas vigentes. São casos em que posseiros e/ou beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária, reivindicam direitos sobre terras públicas, enquanto pecuaristas afirmam seu legítimo uso, concedido pelo governo federal ou a aquisição feita supostamente há décadas. Nesse embate, as leis de posse e propriedade se chocam com considerações ambientais e de regularização fundiária, tecendo uma trama desafiadora e multifacetada.

Garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku, municipio de Jacareacanga, no Pará/Foto: Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Agência O Globo

É fundamental considerar, no âmbito deste embate, a perspectiva constitucional da propriedade privada. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, assegura o direito à propriedade como um dos alicerces fundamentais da sociedade, resguardando a função social da propriedade. Dessa forma, qualquer intervenção estatal ou reivindicação de terras deve ser entrelaçada pela harmonização entre o direito de propriedade e as demandas socioambientais.

A dimensão legal desse conflito vai além das disputas territoriais, abrangendo potenciais riscos que ultrapassam as fronteiras físicas, como questões de violência, direitos humanos e impactos ambientais. A análise das normativas existentes, como a própria Constituição, o Estatuto da Terra, o Código Florestal e o Zoneamento Ecológico e Econômico, torna-se imprescindível para uma compreensão profunda dos direitos e restrições envolvidos, revelando os nós complexos inerentes a este embate.

A intervenção do Governo Federal surge como imperativa nesse contexto. A mediação eficaz desses conflitos agrários, aliada à implementação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável, é essencial para evitar tragédias iminentes. A convergência de esforços entre os poderes executivo, legislativo e judiciário se torna premente para assegurar a ordem e a justiça diante dessas circunstâncias delicadas, que entrelaçam não apenas a propriedade, mas a preservação ambiental e os direitos humanos.

O governador Gladson Cameli, ao destacar na COP-28 a importância estratégica do agronegócio para o Acre, evidencia uma verdade inescapável: o desenvolvimento econômico deve ser entrelaçado à sustentabilidade. O investimento no setor agrícola deve ser orientado por práticas que preservem a biodiversidade e respeitem os direitos dos trabalhadores rurais, uma população vulnerável nesse complicado tabuleiro.

Em última análise, resolver o conflito na fronteira Acre-Amazonas demanda uma abordagem que ultrapasse o senso comum. O estilo de intervenção do Governo Federal será determinante para evitar tragédias e estabelecer um paradigma de coexistência entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental, honrando, assim, os direitos e a dignidade de todos os envolvidos. Que essa leitura sirva como um convite à reflexão sobre os desafios que permeiam não apenas esta fronteira, mas a interseção entre desenvolvimento e preservação em contextos similares, deixando a dúvida pairando sobre quem detém a razão neste estratégico xadrez socioambiental, uma partida em que todos somos peças em movimento.

*Roraima Rocha é advogado, membro da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/AC.

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