Há 95 anos, comerciante sírio era barbarizado e torturado em Tarauacá; Ele virou santo popular

Amir Kontar teria sido torturado e morto a mando do então prefeito Cunha Vasconcelos

Num dia como hoje, 25 de fevereiro de 1918, morria, após quase um mês de torturas na cadeia pública da então Vila Seabra, onde hoje é o município de Tarauacá, interior do Acre, o comerciante sírio Amir Kontar. Naquele dia, uma segunda-feira, o comandante da guarda da cadeia pública, Luiz Claudino Vieira de Lima, mandou assassinar Amir Kontar, sendo os executores desta ordem Francisco Guilherme Alexandre, a quem foi entregue por Felipe Nery Monteiro o revólver com que foi perpetrado o homicídio, segundo consta dos autos do processo sob a responsabilidade de Mathias Olympio de Mello, divulgado pelo jornal “A Reforma”, em 20 de outubro de 1918.

Foto: Jornal da época

As torturas ao comerciante sírio foram tão extremas que, nos dias atuais, 95 anos após o crime, a crendice popular local transformou o homem martirizado em santo e sua sepultura, no cemitério municipal de Tarauacá, é anualmente, por ocasião do Dia de Finados, uma das mais visitadas. Vem gente de todos os lugares, dos seringais e até de outros estados, fazer orações e pedir milagres ao santo popular. Entre os que acreditam, há quem diga ter recebido milagres pedidos em orações a Amir Kontar.

A história começa na madrugada de 15 de janeiro de 1918, quando a casa do então prefeito do Departamento do Tarauacá, José Thomaz da Cunha Vasconcellos, sofreu um atentado à bomba. O inquérito policial da época revela que o prefeito costumava trabalhar até tarde, à luz de lamparina, num escritório contíguo à residência e às vezes dormia ali. Por isso, naquela madrugada do atentado, a bomba de dinamite jogada no quarto do casal só encontrou no leito conjugal a então primeira-dama Evangelina Valverde de Miranda Vasconcellos, esposa do prefeito, que saiu ferida.

Vila Seabra então jamais seria a mesma, e o estampido da bomba e suas consequências foram ouvidos além das margens do rio Tarauacá, superaram as cercanias do então território do Acre e chegaram a ser objeto de debates em Manaus (AM) e até no Rio de Janeiro, então capital da República. Após o atentado, iniciou-se uma verdadeira caçada na pequena Vila, a qual, na época, contava com pouco mais de mil almas. Entre elas, muitos estrangeiros, principalmente sírios, que atuavam no comércio do lugar, entre eles Amir Kontar. Entre a população, o então prefeito Cunha Vasconcelos tinha admiradores, mas também uma coleção de inimigos.

Caso virou uma das mais famosas histórias de Tarauacá/Foto: Arquivo

Consta que Cunha Vasconcelos, que era pai do humorista José Vasconcelos, falecido em 11 de outubro de 2011, foi ator, diretor, produtor, dublador, radialista e compositor brasileiro, considerado pelos seus colegas de profissão como o pioneiro brasileiro masculino no gênero humorístico atualmente chamado de stand-up, era um homem de mau humor e nenhum tipo de humor. Tanto que, à boca pequena, seu apelido na pequena Vila Seabra era “Surucucu”, alusão a uma cobra das mais perigosas e venenosas existentes nas florestas tropicais como a Amazônia.

Local onde foi enterrado é um dos mais visitados em Tarauacá/Foto: ContilNet

As lendas contadas sobre os maus humores do então prefeito, que tinha a pretensão de vir a se tornar governador de todo o território acreano, consta que ele gostava de fazer justiça com as próprias mãos, revela o historiador local José Higino. Num desses casos, o então prefeito ficara sabendo que um dos muitos seringalistas da região, homem de muitos seringueiros a explorar suas terras, tinha o costume de castigar empregados faltosos levando-os ao mourão, para açoites, como na época do Brasil escravagista. Num desses ocorridos, ficara sabendo o prefeito, o seringalista castigara um de seus seringueiros fazendo-o correr nu, em volta do barracão do seringal, com um chocalho no pescoço como se fosse um burro.

“Surucu”, embora fizesse jus ao apelido, também tinha lá seus pendores de justiça e teria prometido que o seringalista, assim que viesse à cidade, fosse levado à presença do prefeito. Aos mais íntimos “Surucucu” – melhor, o prefeito Cunha Vasconcelos, que odiava o apelido – deixara escapar que o tal seringalista malvado iria receber o mesmo castigo dado a seus seringueiros, incluindo correr nu com o chocalho no pescoço pelas poucas ruas de Vila Seabra. Informado a tempo, numa chegada à sede da Vila, ainda subindo às escadarias do porto de acesso à cidadela, deu meia-volta, pegou sua canoa de volta e só voltou à Seabra ao ter certeza de que o prefeito “Surucucu” já não mais estava no cargo e havia ido embora do lugar.

Foi nesse clima de inimizades com seringalistas que a dinamite fora jogada no quarto do prefeito. Na manhã seguinte, começou a caçada aos suspeitos do crime. O nome de Amir Kontar, que havia tido desavenças com o prefeito, encabeçava a lista e ele foi logo preso. Começava aí o martírio de torturas que, de acordo com a crendice popular, santificaram o sírio. A cadeia pública era comandada pelo tenente-coronel Claudino Vieira de Lima, também comandante da Companhia Regional e das torturas aos presos.

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