Roraima Rocha: “Caçada do Ouro”, uma brincadeira (sem graça) que se transformou em caos

A necessidade de responsabilização do dentista nesse espetáculo do absurdo é inquestionável

Em um domingo que prometia a tranquilidade costumeira de Rio Branco, o palco foi montado para um espetáculo que transcenderia o mero insólito, adentrando as esferas do tragicômico e do pateticamente perigoso. A mente por trás desse cenário inusitado foi o dentista Júnior Nascimento, que, possuído por uma inspiração que transborda a fronteira do inconvencional, decidiu esconder R$ 2.000 numa rotatória do bairro do Calafate, transformando a pacata área verde em uma arena de caça ao tesouro digna de uma moderna corrida do ouro.

Ah, caros leitores, não é difícil imaginar o caos que se seguiu. Centenas de pessoas, armadas com a esperança de um enriquecimento fácil e rápido, desceram sobre o local como uma tempestade. As plantas, testemunhas silenciosas do sossego outrora presente, foram devastadas; a terra, revolvida sem qualquer piedade. Uma cena que, não fosse tão real, poderia facilmente ser confundida com um daqueles episódios bizarros de programas de televisão sobre o comportamento humano. E, como se não bastasse, o perigo espreitava em cada cabo elétrico desencapado e na proximidade da rotatória, onde veículos passavam a velocidades imprudentes, ignorando a súbita febre do ouro que tomava conta do local.

O senhor Júnior Nascimento, em sua defesa, proclama sua inocência quanto à devastação causada, afirmando que não houve da sua parte incentivo ao vandalismo ou à destruição do patrimônio público. Uma declaração que soa tão convincente quanto um político prometendo honestidade após ser flagrado em um escândalo de corrupção. Ele sustenta que sua intenção era benéfica, um argumento que, em meio ao caos gerado, se dissolve mais rapidamente do que açúcar em água quente.

Enquanto isso, a Prefeitura de Rio Branco e o Ministério Público do Estado do Acre arregaçam as mangas para avaliar os danos e considerar as medidas cabíveis contra o dentista. Nesse ínterim, um questionamento permeia o ar, mais denso do que a fumaça de nossos incêndios florestais: quem deverá arcar com os custos da reconstrução daquela que foi, até então, uma pacata rotatória, e que ostentava uma simples, porém colorida ornamentação de arranjos florais?

Caros leitores, eis aqui um exemplo cristalino de que a linha entre um gesto de generosidade (midiático e de péssimo gosto) e a instigação ao caos é tão tênue quanto a paciência de um motorista preso no trânsito. A atitude do dentista Júnior Nascimento, embora revestida com a capa (do Formigão) da benevolência, revela-se um verdadeiro cavalo de Troia, liberando na cidade uma horda de ganância e destruição.

A necessidade de responsabilização do dentista nesse espetáculo do absurdo é inquestionável. Uma brincadeira que poderia ser inocente em sua concepção transformou-se em um episódio que expôs as fragilidades de nossa sociedade: a sede por dinheiro fácil, o descaso com o bem comum e a facilidade com que podemos ser arrastados para o caos. No fim das contas, o preço a pagar vai muito além dos R$ 2.000 escondidos – envolve a reconstrução de um espaço público e, quem sabe, a reconstrução de um pouco de senso comum e responsabilidade coletiva. A fina ironia dessa situação é que, na tentativa de criar um momento de alegria e excitação, o que se viu foi a materialização de uma triste comédia humana.

*Advogado; sócio fundador do escritório MGR – Maia, Gouveia & Rocha Advogados, Especialista em Advocacia Cível pela Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP); Membro da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/AC.

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