Kamala vs Trump: como as eleições nos EUA impactam o Acre e a Amazônia

Em uma análise de narrativas, os dois pontos de vista irão interferir em quem vive na maior floresta tropical do mundo

Kamala Harris entrou na disputa eleitoral como candidata à presidência dos Estados Unidos no último domingo (21) após a desistência de Joe Biden. Já Donald Trump busca voltar para a Casa Branca e cresce na corrida, principalmente depois de um atentado que sofreu no dia 13 de julho. Pode parecer que eles estão longe, mas os dois falam de projetos que podem atingir diretamente a Amazônia e quem vive nela.

Kamala Harris e Donald Trump são candidatos a presidência dos Estados Unidos/Foto: Montagem/Reprodução

Harris, em diversos momentos falou sobre o Brasil e, principalmente, a floresta amazônica. Em 2019, ela falou que o então presidente Jair Bolsonaro, deveria “responder pela devastação” – por meio de um vídeo com imagens do Acre -, que ele causou na Amazônia, responsável por 20% do oxigênio do planeta e casa de 1 milhão de indígenas. Em 2020, ela condenou a aliança Trump-Bolsonaro.

Já Trump sempre foi uma espécie de ídolo para Bolsonaro, enquanto estava na cadeira do Planalto. Dois anos após a eleição de Lula, a polarização continua firme tanto na oposição ao governo do PT, no Brasil, e agora na corrida eleitoral para comandar os 50 estados da terra do Tio Sam.

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Democratas vs Republicanos

Em um contexto geral, as eleições dos Estados Unidos de 2024 seguem a mesma narrativa concretizada nas eleições de 2016 e 2020. Na primeira citada, Trump – que vem do universo das empresas e da TV – levou a melhor contra Hillary Clinton, em um cenário de polarização de “um lado contra o outro” que se repetiria em outros países, como o Brasil.

Kamala falou que o então presidente Jair Bolsonaro, deveria “responder pela devastação” que ele causou na Amazônia/Foto: Reprodução/Twitter

Em 2020, depois de muita campanha, Joe Biden foi eleito. É importante frisar que, em seu governo, ele foi o líder, que mais investiu em políticas ambientais interna e externamente. Contudo, Biden nunca foi carismático – como Trump. O que se refletiu na sua tentativa de reeleição este ano. Ainda mais com um estado de saúde sem ser dos melhores. Ele saiu e Kamala entrou nos holofotes.

“No momento histórico em que vivemos, cada vez mais integrado, que na visão técnica chamamos de globalizado ou mundializado, é impossível não refletir de forma igualmente global e as consequências locais e regionais da política internacional, ainda mais quando falamos dos Estados Unidos, um dos países centrais da política e economia capitalista”, comenta a professora de Jornalismo e presidente da ADufac, Letícia Mamed.

A professora destaca que, não importa quem vença nas eleições, a relação dos Estados Unidos com o mundo e com o Brasil/Amazônia será marcada pelo imperialismo e intervencionismo – sistemas onde, para resumir, os EUA gastam e os outros países que pagam.

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Nos últimos quatro anos, Trump se preocupou em voltar à campanha presidencial e voltar para a Casa Branca. Porém, Kamala, que era procuradora-geral da república, depois vice-presidente de Biden, é a sua mais forte antagonista neste jogo de xadrez da política americana. Mas afinal, o que isso tem a ver com o Acre?

Acre e as emergências climáticas

Em um espaço de mais ou menos um ano, o Acre bateu recordes. “A maior cheia”, “a maior temperatura”, “o menor nível do rio”, “a menor umidade do ar” fizeram parte do vocabulário da sociedade neste período recente. Na capital, o Rio Acre está com 1,52 metros, segundo a Defesa Civil no sábado (27). Próximo de ultrapassar a menor cota da história – de 1,25 metros, em setembro de 2022.

Acre enfrenta seca severa com prolongamento dos efeitos do El Niño/Foto: Alexandre Cruz-Noronha/Sema

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É a primeira vez desde dezembro de 2023 e janeiro de 2024 que o estado registra seca em 100% de seu território por dois meses consecutivos. Sete municípios já decretaram emergência ambiental. Segundo o Relatório Hidrometeorológico do Governo, toda a bacia do Rio Acre está em alerta, com sete pontos de monitoramento em alerta máximo e dois em alerta.

Além disso, não chove desde 7 de julho, quando foram registrados 58,6 mm em 24 horas, segundo a Defesa Civil de Rio Branco. Na última semana, a umidade do ar atingiu níveis recorde, chegando a 27%, o menor já registrado, superando o recorde anterior de 31% em 17 de julho. A OMS recomenda que a umidade ideal para o corpo humano esteja entre 40% e 70%.

Dados são do monitoramento hidrometeorológico da Sema/Foto: Governo do Acre

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O quadro fica mais alarmante quando se lembra que, em 4 de março de 2024 – pouco mais de quatro meses antes -, se registrava a 2ª maior enchente da história de Rio Branco, quando o Rio Acre atingiu 17,75 metros. Os órgãos de proteção e a Defesa Civil consideram este, o maior desastre ambiental do Estado, por conta do número de cidades e pessoas atingidas.

Rio Acre registrpu segunda maior enchente na capital/Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

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A maior cota registrada foi de 18,40 metros em 4 de março de 2015, durante uma cheia histórica que afetou mais de 102 mil pessoas. Antes disso, o recorde era de 14,30 m, em 14 de março de 1997, que levou 18 anos para ser superado. Em 3 de abril de 2023, o Rio Acre atingiu 17,72 m, demorando oito anos para se aproximar da marca de 2015. Já em 2024, a nova marca foi atingida em apenas 11 meses depois.

Impactos

A falta de chuvas aumenta o risco de desabastecimento de água potável na zona urbana e nas comunidades rurais de Rio Branco, prejudicando a saúde humana, os animais e as atividades agrícolas. Com o Rio Acre abaixo de dois metros, ele fica intrafegável. A seca também afeta o escoamento da produção ribeirinha, a água nas comunidades rurais e a captação na zona urbana.

Seca atinge diretamente ribeirinhos/Foto: Juan Diaz/ContilNet

O médico Drauzio Varella destaca que a baixa umidade resseca as mucosas das vias aéreas, aumentando a vulnerabilidade a crises de asma e infecções. Também causa desidratação, tornando o sangue mais denso, e favorece problemas oculares e alergias. Além de que, o processo de desertificação da floresta e dos rios é acelerado. Ou seja, a Amazônia pode virar deserto e savana.

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Na cheia dos rios, milhares de pessoas ficam desabrigadas ou desalojadas, além do aumento das doenças infecciosas em regiões urbanas. E também afeta os prédios na cidade, como o Calçadão do Novo Mercado Velho, no Centro de Rio Branco, que foi interditado depois da cheia. A movimentação de terra fez com que parte do local afundasse. A Estação de Tratamento de Água II (ETA II) também foi afetada.

De olho na Amazônia

Segundo a BBC, países mais ricos – como os EUA -são responsáveis por 86% das emissões mundiais. Enquanto, os mais pobres – como o Brasil – emitem apenas 14% dos gases poluentes. O maior investidor do Fundo Amazônia (maior programa de conservação da floresta) é, justamente, os Estados Unidos. Porém, segundo o WRI, ele é o que tem a maior taxa de emissão de poluentes por habitante do mundo.

Gases poluentes dos Estados Unidos/Portal da Indústria/Reprodução

Kamala, desde quando era procuradora-geral, desenvolveu projetos com a pauta ambiental em foco. Harris investigou a ExxonMobil por desinformação sobre mudanças climáticas e processou a Plains All-American Pipeline por um vazamento de petróleo em 2015. Ela criou a primeira unidade de justiça ambiental dos EUA para combater crimes como despejo de resíduos perigosos em comunidades vulneráveis.

Em seu primeiro ano de mandato, Trump tirou os EUA do Acordo de Paris/Foto REUTERS/Brendan McDermid

Trump é cético sobre o impacto humano no aquecimento global, contrariando o consenso científico. Logo após ser eleito em 2016, ele abandonou o Acordo de Paris, que busca reduzir as emissões com meta de emissão zero até 2050. Ele também defende a exploração ilimitada de combustíveis fósseis, conhecida como “drill, baby, drill”, sem considerar os impactos no clima global.

“No entanto, o que avalio como mais importante é atentar para aquilo que é o pano de fundo marcante desse processo: o questionamento da própria democracia liberal. Isso esteve presente nas recentes eleições na ocorridas no Itália (2022, 2024), Brasil (2022) e França (2024), marca a eleição que acontece na Venezuela neste domingo (28/7), e vem sendo a tônica da eleição nos Estados Unidos deste ano”, declara a professora.

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A emissão de gases poluentes aumenta exponencialmente as temperaturas e acelera o processo de seca. O desmatamento e o investimento, sem ações para mitigar e proteger o clima, retiram árvores essenciais para manter o escoamento dos rios, o que causa enchentes e diversos outros tipos de desastres naturais. Todos esses cenários já são sentidos no Acre.

Kamala Harris coloca a pauta ambiental como ponto principal em sua campanha/Foto: Reprodução/Twitter

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Por conta disso, além de olhar para a política externa, a professora Mamed alerta para a importância de prestar atenção nas pautas dos políticos locais, principalmente em ano de eleição:

“Desse modo, a eleição americana se conecta com as nossas eleições municipais de 2024 e a futura eleição presidencial de 2026, na medida em que servem de palco para expressões do projeto do fascismo mundial”, conta a professora.

Ela reflete como, para quem não está acompanhando de perto, essa situação pode influenciar as eleições municipais deste semestre. Mamed afirma que a extrema-direita está ganhando força no Brasil e seus representantes estão conquistando mais espaço, ou seja, “normalizando o fascismo, tratando-o como alternativa política aceitável”:

“Para nós, brasileiros e amazônidas, acompanhar a eleição americana, por mais diferente e complexa que ela seja, se comparada à praticada no Brasil, é um exercício necessário […] Nesse sentido, essa importante eleição requer atenção mundial, vez que seus resultados terão desdobramentos reais muito além das fronteiras ou muros do território norte-americano.”, deixa claro a professora Letícia Mamed.

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