Das 22 cidades do Acre, incluindo a capital Rio Branco, 21 vivenciaram, a partir de 2023, o exponencial aumento da ação de facções criminosas. Até aldeias indígenas e populações ribeirinhas, que vivem na zona rural, são atacadas.
O fenômeno não é isolado ao Acre, estado que faz fronteira com os países apontados como os maiores produtores de cocaína do mudo, a Bolívia e o Peru. Trata-se de um fenômeno que atinge toda a Amazônia, região em que os estados estão conflagrados e que registraram aumento no número de cidades com atuação de facções da ordem de 46% em um ano.
Os números foram divulgados em Brasília, nesta quarta-feira (11/12), por estudos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), organização integrada por policiais, gestores públicos, pesquisadores, ativistas e operadores do sistema de justiça do país cuja missão é contribuir para a transparência de informações sobre violência e na prospecção de políticas de segurança.
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De acordo com a organização, o número de cidades da Amazônia com registro de presença de facções criminosas aumentou 46% entre 2023 e 2024, segundo dados do estudo Cartografias da Violência na Amazônia.
Dos 772 municípios da Amazônia Legal no território brasileiro, 260 têm registros da presença de integrantes de, pelo menos, uma facção – o Comando Vermelho (CV), Primeiro Comando da Capital (PCC) e outros grupos locais. Em 2023, o mesmo estudo havia mapeado 178 cidades da região com esse tipo de presença criminosa.
“Esse aumento não significa necessariamente que esses grupos criminosos passaram a estar presentes nesses novos municípios a partir deste ano. Isso pode ter ocorrido, sobretudo, devido ao aumento das operações policiais de combate ao crime organizado na região, que acabam revelando a existência dos grupos em localidades não mapeadas anteriormente”, explica o texto da pesquisa.
A distribuição da presença criminosa por estado, em ordem decrescente, ficou da seguinte forma: 73 cidades no Pará; 48, no Maranhão; 42, em Mato Grosso; 26, em Rondônia; 22, no Acre; 21, no Amazonas; 14, em Roraima; nove, no Tocantins; e cinco no Amapá. Isso significou um aumento de 46% entre 2023 e 2024.
O levantamento mostra que está havendo, além do aumento, tendência de interiorização do avanço das facções, em busca de cidades consideradas estratégicas para o narcotráfico, independentemente do tamanho, como é o caso das cidades fronteiriças do Acre com a Bolívia e o Peru, como Epitaciolândia e Brasiléia, vizinhas a cidade de Cobija, na Bolívia, e Assis Brasil, ao lado de Iñapari, no Peru, e, no outro extremo do Estado, no Vale do Juruá, em Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, Porto Walter e Marechal Deodoro, na fronteira com o Peru.
Além de fronteiriças, essas cidades estão perto de fronteiras, de pistas de pouso no meio da floresta, de rodovias importantes, de portos fluviais e de locais de garimpo ilegal. Por isso, houve um aumento, entre 2023 e 2024, de municípios na Amazônia com monopólio e presença de um único grupo criminoso, o que sugere um cenário de estabilização da guerra entre facções.
No ano passado, eram 98 cidades nessa situação e agora são 176. Isso refletiu, inclusive, na redução da quantidade de grupos catalogados – passaram de 22 para 19. No caso do Acre, o grupo criminoso que mais cresce é o CV. São 130 municípios sob monopólio de integrantes do grupo carioca, enquanto o PCC comanda 28 locais e o restante (18) está distribuído entre outras organizações criminosas.
Territórios do crime
Nos territórios que busca dominar, segundo os dados dos organismos que estudam o aumento da violência no país, o Comando Vermelho foca, especialmente, nas cidades de fronteira. Vários dos municípios monopolizados pelo grupo nos estados de Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá fazem fronteira com Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Suriname e Guiana Francesa.
Das 130 cidades dominadas pelo CV, 57 ficam no Pará e 23 em Mato Grosso. Já a hegemonia do PCC é mais perceptível em Rondônia, com 11 locais, e Roraima, com seis. A facção paulista tem ainda o domínio de cinco municípios no Pará, três no Maranhão, dois no Tocantins e um em Mato Grosso.
Entre os grupos locais, que são aqueles de perfil regional ou de atuação em um único estado, destacam-se o Bonde dos 40, que domina 10 cidades no Maranhão, e o Piratas do Solimões, facção hegemônica em três municípios do Amazonas e que é especializada em roubo de cargas, “inclusive de drogas trazidas pelos criminosos estrangeiros de Colômbia e Peru”, mostra o levantamento..
O FBSP considera “surpreendente” a velocidade com que os grupos criminosos avançam e se tornam presentes na Amazônia. Apesar disso, a instituição ainda avalia o resultado do estudo como “conservador”, pois acredita numa possível subnotificação da realidade.
De modo geral, a intensificação desse contexto é atribuída a dois fatores. O primeiro, de acordo com a pesquisa, são as alianças entre grupos dentro do sistema prisional e o recorrente processo de adesão de novos integrantes por meio de “batismos”. Já o segundo tem a ver com a dinâmica específica do mercado de drogas e com a posição estratégica da Amazônia enquanto área central de trânsito.
Para a região ser uma rota obrigatória do narcotráfico, “há o interesse do crime organizado em obter o controle das principais redes geográficas e estabelecer relações com grupos criminais dos países da América Andina que são produtores de cocaína”, como Bolívia, Colômbia e Peru. Não à toa, as cidades de fronteira despertam o interesse das facções.
Municípios mapeados
O estudo mapeou 83 municípios que estão na zona de fronteira da Amazônia Legal, no Brasil, e que têm presença de grupos criminosos. Eles são alvo de disputa frequente no xadrez do mundo do crime. A distribuição ficou da seguinte forma: 21 em Mato Grosso, 20 no Acre, 18 em Rondônia, 15 em Roraima, oito no Amazonas e um no Amapá.
No Pará, especificamente, a estratégia tem sido diferente. Apesar de o estado fazer fronteira com a Guiana e o Suriname, a distância das sedes municipais e a dificuldade geográfica imposta pela composição territorial dos municípios fazem com que a rota original do tráfico e o contrabando nesses países ocorra via Oceano Atlântico, “passando muitas vezes pelo estado do Amapá ou vindo direto para o Pará”.
Nesse sentido, as pistas de pouso construídas ilegalmente no meio da floresta ou em áreas de proteção ambiental auxiliam na logística das facções. Levantamento feito pelo Map Biomas em 2021 identificou 2.869 pistas de pouso na Amazônia – a maioria sem autorização da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Os dados divulgados não revelam qual é, das 22 cidades acreanas, a única que não tem, ainda, presença significativa das facções criminosas.