Edmundo Pinto deixou envelope com nome de quem ele queria como sucessor no Governo

Ideia é revelada por envelope lacrado com a assinatura do então governador, com três deputados estaduais por testemunhas, conforme mostram as assinaturas

No dia 17 de dezembro de 1991, em Rio Branco, na capital do Acre, quatro políticos locais, que haviam sido deputados estaduais juntos, aproveitando o recesso e a proximidade das festas de Natal e final daquele ano, resolveram se reunir num jantar de confraternização na casa de um deles. Claro que, em ocasiões assim, conversas políticas fazem parte do cardápio e não seria diferente em relação àquele grupo, todos ávidos em saber o destino e qual seria o naco de cada um em busca de seu pedaço de futuro na política local.

À mesa, o então deputado reeleito Luiz Garcia, o dono da casa e anfitrião do jantar, e convidados os deputados Normando Sales, ex-prefeito de Sena Madureira e estreante como parlamentar, e Manuel Machado, já na época com pelo menos três mandatos consecutivos. O convidado de honra, ex-deputado estadual, era ninguém menos que o então governador Edmundo Pinto, que havia tomado posse em março daquele ano.

Edmundo Pinto morreu aos 39 anos/Foto: Reprodução

Após o jantar, já na sobremesa, o anfitrião do jantar se dirige a Edmundo Pinto e o indaga quem, na avaliação dele próprio, seria seu sucessor no governo estadual, dali a mais três anos, já que, na época, não havia, ainda, o instituto da reeleição ara cargos no Executivo.

Edmundo Pinto então pede um envelope e duas folhas de papel. Numa das folhas, todos os presentes tinham que por sua assinatura – possivelmente, como prova futura. Em outra folha, isolada, o governador escreveu o nome de quem ele imaginava ser sucessor. Em seguida, fechou o envelope e pediu à dona da casa, dona Dalva Garcia, coincidência ou não uma funcionaria dos Correios na época, que providenciasse um tipo de cola especial para selar aquele documento.

Luiz Garcia e Jorgenei Ribeiro/Foto: Reprodução

Fechado o envelope, o governador entregou-o a Luiz Garcia com a exigência de que só fosse aberto ao final de seu governo, previsto para ser encerrado só em 1994 – numa época, como já visto, em que não havia a reeleição para governadores, prefeitos e presidente da República, instituição só adotada na Constituição Federal em 1997.

No entanto, o envelope foi aberto exatamente no dia 17 de maio de 1992, exatos cinco meses depois de escrito e lacrado, na frente de familiares e amigos, na antiga sede do Tribunal de Justiça, onde estava sendo velado o corpo do governador, assassinado a tiros, na madrugada daquele dia, num quarto do Della Volp Gardem Hotel, no centro da capital de São Paulo. ,

Tão surpreendente quanto o próprio assassinato do governador, morto no auge de sua carreira politica, aos 37 anos de idade, era o nome contido no envelope: Jorgenei Ribeiro, escrito a mão, com a inconfundível – para quem o conhecia e lia o que ele escrevia a mão – caligrafia de Edmundo Pinto. “Aquele nome pegou todo mundo de surpresa, até a mim mesmo”, disse Luiz Garcia, que guardava o envelope até esta quarta-feira (7), quando o entregou, em mãos, à outra pessoa não menos surpresa: o próprio Jorgenei Ribeiro.

“O Garcia já havia me dito, há muitos anos, que tinha essa surpresa, mas eu nunca imaginei que fosse isso”, disse Jorgenei, advogado militante em Brasília (DF), membro de tradicional família acreana de Brasiléia e que, antes da advocacia, fez carreira como funcionário do Banco da Amazônia (Basa). Na condição de executivo de banco, chegou a ser presidente do Banco do Estado do Acre (Banacre), na gestão do então governador Flaviano Melo, além de em seguida procurador geral do Estado, no período de 1987 a 1990.

Em 1991, com Edmundo Pinto eleito e empossado governador, Jorgenei Ribeiro passaria a ser assessor jurídico do gabinete do governador, graças a sua experiência como ex-procurador geral do Estado e às boas relações mantidas com Edmundo Pinto desde a época em que o futuro governador era colega de turma, no curso de Direito da Universidade Federal do Acre (Ufac), de seu irmão Messias Ribeiro, que depois seria delegado de polícia civil no Acre – Jorgenei formou-se em Direito no CEUB (Centro de Educação de Brasília).

Carta escrita por Edmundo Pinto/Foto: Reprodução

“Mas éramos próximos, já que ele era colega e amigo do meu irmão. Mas, pela minha boa relação pela passagem na procuradoria gral do Estado, o Edmundo Pinto, já governador, me convidou para eu analisar a documentação jurídica que ele assinava. De vez em quando, a gente conversava um pouco de política mas ele nunca me falou de seus planos em relação a sua sucessão e muito menos de que pensava em meu nome”, afirmou Jorgenei Ribeiro.

O advogado lembrou que, num dia qualquer, o governador o convidou para que descessem junto as escadarias do Palácio Rio Branco, no entro da Capital. Como se leva uma pessoa querida para passear, Edmundo Pinto levou Ribeiro no rumo do Bar Muncipal e chegando ao espaço onde hoje está construída uma casa de lustradores de sapatos, ele parou, apontou o espaço vazio e disse ao amigo: “Queria construir aqui um mausoléu com os restos mortais de todos os governadores passados e que a gente possa reunir aqui”.

Não sabia o advogado que aquela ideia seria uma espécie de pedido cifrado para quem o fosse suceder no governo. “Quando o Garcia me contou deste envelope e lembrei a cena daquele dia em que ele me disse isso, me arrepiei todo”, contou Ribeiro.

Luiz Garcia disse ter ouvido de pessoas que a época eram do entorno do governador que, no fundo, ele pretendia fazer de Jorgenei Ribeiro prefeito de Rio Branco nas eleições de 1992 e em seguida, dois anos depois, seu candidato à sua sucessão no Governo. Aqueles tiros na madrugada do dia 17 de maio de 1992 não só tiraram a vida de um dos governadores mais populares da história do Acre como alteram planos políticos e trouxeram a certeza de que o futuro político é algo surpreendente, próximo do imponderável e que continua a desafiar todos os analistas e profetas. Uma certeza que, no entanto, faz ecoar pelo Acre inteiro, há 32 anos, a pergunta que não quer calar:

– Quem matou Edmundo Pinto?

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