Em nota, juiz que votou a favor da entrada de paraibano na Ufac justifica decisão

Na última semana, uma polêmica surgiu nas redes sociais do Acre sobre um aluno, nascido na Paraíba, obteve uma vitória na Justiça Federal do Acre, após o jovem requerer, por meio de Mandado de Segurança, uma medida liminar para derrubar um bônus regional de 15% no cálculo do resultado da seleção para o curso de medicina na Universidade Federal do Acre (Ufac).

O aluno, que estava concorrendo a uma vaga no processo seletivo do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) de 2023, argumentou que o bônus regional institui vantagem aos residentes no Acre, além de ter dito que a escassez de profissionais não tem origem apenas no fato de estudantes de outros estados serem selecionados para medicina na Ufac.

O bônus de 15% foi uma decisão do Conselho Universitário (Consu) da Ufac, aprovada em novembro de 2018. O acréscimo é colocado na nota final do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para quem tenha cursado integralmente o ensino médio regular e presencial no Acre.

Apesar dos termos da decisão judicial declararem de maneira clara e objetiva a ilegalidade da bonificação e determinarem a sua exclusão do processo de seleção para o curso de medicina, a Pró-Reitoria de Graduação da Ufac – Prograd, considera que os efeitos atingem apenas esse caso específico, não significando a derrubada do bônus regional de 15%.

“O bônus regional não foi derrubado, o juiz federal votou a favor da matrícula do aluno. Esse aluno entrou com um processo para tentar derrubar o bônus regional, mas a procuradoria jurídica da Ufac respondeu e conseguiu que seja efetuada apenas a matrícula dele”, respondeu a Prograd.

A Prograd também afirmou que o procedimento de matrícula da chamada em que o referido candidato foi convocado ainda está em andamento para todos os candidatos, mas que a decisão judicial precisa ser cumprida.

O caso do concorrente paraibano deveria ser julgado pelo juiz Herley Brasil, que se declarou suspeito por ser tio do demandante, a partir disso, a decisão coube ao juiz Jair Facundes, que declarou a ilegalidade do bônus regional e concedeu a liminar que determinava que a Ufac, na apuração do resultado da seleção para o curso de medicina, exclua a incidência da bonificação regional, que resulta na efetivação da matrícula do paraibano.

Em nota, o juiz Jair Facundes se posicionou sobre o caso que ganhou repercussão nas redes sociais e afirmou que “a condenação à decisão extrapolou às redes sociais, de modo que lideranças políticas e sociais também se posicionaram contra a decisão que ‘impedirá acreanos de ingressarem no curso de medicina'”, disse.

O magistrado também disse que o bônus regional não tem como objeto beneficiar acreanos. “A Ufac estabeleceu um percentual de 15% a ser acrescentado à pontuação dos candidatos que cursaram o ensino médio na região do Acre, 2 municípios amazonenses e 3 vilarejos de Rondônia. É ignorância ou má-fé afirmar que o bônus regional beneficia exclusivamente acreanos. O [bom] propósito da Ufac era e é tentar garantir paridade de oportunidades aos que estudaram o ensino médio no Acre, considerando os desníveis educacionais no país”, escreve.

Confira a nota na íntegra:

Quando uma crítica a decisão judicial se mostra fundada? Basta dizer que desagrada boa parte da comunidade on-line? Ou que a decisão prejudica interesses de alguma classe (qualquer que seja)?

Imaginemos que um juiz tenha diante de si uma questão jurídica que afetará os interesses dos nascidos no Acre: a decisão será fundamentada se decidir em favor desses interesses, e apenas por isso? Ou a decisão correta é a que obtém mais likes?

Um ex-presidente deve, por exemplo, ser declarado inelegível porque isso corresponde à vontade da maioria que frequenta às redes ou porque ele violou dispositivos legais que autorizam essa inelegibilidade?

Essa discussão não é retórica. Devemos ter, e se não tivermos, devemos desenvolver algum critério sobre quando devemos concordar com uma decisão judicial. Um critério lógico, racional.

Entre tantos temas candentes e urgentes, como ameaças às escolas de ataques insanos ou por bandidos, arcabouço fiscal e políticas ambientais que impactam a economia do Brasil e do Acre, parte das redes sociais acreana declarou ser absurdo, intolerável e ilegal (limitado aos adjetivos civilizados) a decisão da Justiça Federal que reconheceu, mais uma vez, a ilegalidade e a inconstitucionalidade do bônus regional criado pela Ufac que daria, nos termos das opiniões publicadas, “vantagem aos acreanos” na disputa por uma vaga no curso de medicina dessa universidade federal.

A condenação à decisão extrapolou às redes sociais, de modo que lideranças políticas e sociais também se posicionaram contra a decisão que “impedirá acreanos de ingressarem no curso de medicina”.

O debate público permite a fiscalização dos poderes públicos, dos agentes econômicos e financeiros e pode contribuir para aprovação de boas ações e projetos destinados ao bem-estar da população. Supõe-se que as lideranças e formadores de opinião não apenas comungam desta ideia, em sua essência, mas querem sim ajudar as pessoas a compreender as controvérsias de sua comunidade e país, fornecendo elementos para a formação de uma opinião esclarecida, e, assim acreditando, alinhavo algumas questões importantes para compreensão da controvérsia.

Parto do princípio de que aqueles atores e agentes públicos são pessoas sérias e cônscias de que temas graves merecem argumentos, ideias, não vídeos engraçados que infantilizam e alienam; suponho que querem ser estadistas, homens públicos responsáveis, e não caça-likes, buscadores da aprovação popular irrefletida.

Por primeiro, esclareça-se que o bônus regional não tem como objeto beneficiar acreanos. A Ufac estabeleceu um percentual de 15% a ser acrescentado à pontuação dos candidatos que cursaram o ensino médio na região do Acre, 2 municípios amazonenses e 3 vilarejos de Rondônia.

É ignorância ou má-fé afirmar que o bônus regional beneficia exclusivamente acreanos.

O [bom] propósito da Ufac era e é tentar garantir paridade de oportunidades aos que estudaram o ensino médio no Acre, considerando os desníveis educacionais no país.

Os juízes federais do Acre e, em particular este magistrado federal, consideraram esse bônus constitucional, embora tenha sido criado por resolução (e não por lei). E assim decidiram este e outros juízes federais. Não por gentileza, favor, mas por acreditarem que o ordenamento, bem interpretado, assim permitia, em especial, a disposição que assegura a autonomia universitária.

Ocorre que o STF decidiu – grosso modo – que esse tipo de bônus regional malfere o pacto federativo e o princípio da igualdade.

Os Tribunais Federais, dentre os quais o TRF1, que jurisdicionaliza o Acre e outros Estados, também afirmaram a inconstitucionalidade desse bônus, inclusive reformando decisões de juízes federais do Acre e de outros Estados.

Diante desses precedentes, inclusive da Corte Excelsa, a crítica ao juiz que segue essas decisões (pela inconstitucionalidade), para merecer respeito e ser considerada, deve discorrer, ao menos um pouco: se pode um juiz inobservar um precedente do STF; se deve ignorar os precedentes do próprio Tribunal; se basta apenas seu senso de justiça e razoabilidade. Que tipo de argumento esse juiz poderia utilizar, além da teimosia?

Imaginemos que uma liderança política ou social esteja verdadeiramente interessada num debate público sério, contribuindo com argumentos e não com ridicularias. Seria válido, por exemplo, dizer que como a medida favorece acreanos deve ser mantida? Esse é um bom argumento, considerando que se trata de uma universidade mantida por recursos federais obrigada a cumprir o mandamento constitucional de não criar distinções entre brasileiros?

Ou seria um argumento de qualidade afirmar que a circunstância de outras universidades possuírem bônus regionais (descumprindo o precedente do STF) autoriza a Ufac mantê-lo até e quando aquelas outras cancelarem o benefício? Ou essa objeção sucumbe diante da constatação de que o juiz, em ações individuais, está limitado à sua jurisdição?

Podemos também discutir aspectos menores, como investigar se o juiz é tio do candidato (a propósito: não sou) autor da ação; ou se é acreano (sou); ou se integra a mesma organização religiosa de parente do autor (não, não integro); ou se gosta de pato no tucupi (sim, gosto) etc.: e se isso é relevante juridicamente.

A decisão objeto de discussões ricas (e outras bem rasas) deste subscritor sequer foi a primeira decisão a declarar a nulidade do bônus regional da Ufac e de outras instituições de ensino superior.

Insisto: minha opinião jurídica é pela regularidade do bônus. Mas o Direito não é, nem deve ser, aquilo que o juiz quer ou deseja. Na decisão esclareci que estava seguindo os precedentes, em particular do STF. E lá também consignei que seria possível, e até desejável, demonstrar que a decisão do STF deve ser objeto de distinguishing, isto é, que o caso do Acre tem peculiaridades que permitem ser diferenciado do precedente do STF, desde que a UFAC demonstrasse, por exemplo, que há carência de médicos no Estado, que a maioria dos formandos da UFAC não se estabelecem no Acre; que a Ufac está se transformando em mera via ou meio para acesso a outras universidades; que as vagas residuais da UFAC estão sendo ocupadas por alunos provenientes de universidades particulares, em desacordo com a finalidade da lei de cotas etc.

Oferecer respostas consistentes aos questionamentos jurídicos esboçados acima contribui para um debate sério, esclarecedor e responsável. Dentre tantas razões porque a decisão atacada é provisória e poderá ser revista se, e somente se, ofertados bons argumentos e dados pelas partes.

Eleitores e público em geral devem estar atentos para não se deixarem levar por lideranças populistas nem pelas opiniões das várias mídias destituídas de maior robustez: quem trata o eleitor ou cidadão com argumentos infantis o aliena, o impede de formar boas opiniões e ter elementos para apreciar quer uma decisão judicial, quer uma candidatura ou uma liderança.

Jair Araújo Facundes

Juiz Federal

(acreano, formado pela Ufac).

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