Exclusivo: documentos mostram que ditadura militar perseguia Padre Paolino

O pároco mais longevo na história no município de Sena Madureira e toda a região do Iaco, o padre italiano Paolino Baldassari, falecido em abril de 2016 e cuja vida e documentos estão sendo analisados pelo Vaticano em processo que pode beatificá-lo e torná-lo santo da Igreja Católica, foi demonizado em vida pela ditadura militar. O regime dos generais, iniciado em 1964 com a derrubada do presidente constitucional João Goulart e só encerrado em 1985 com a posse de José Sarney como o primeiro presidente civil em todo esse período, não só observava com lupa as atividades de Baldassári como o taxava como subversivo e manipulado pelo bispo da Diocese do Acre, Dom Moacyr Grechi, apontado como inimigo dos militares.

As informações constam de dossiês enviados do Acre para Brasília, cujos documentos foram obtidos com exclusividade pela reportagem do ContilNet. Num desses documentos, com data de 1981, surge a informação de que o padre “é elemento de confiança de D. Moacyr Grechi, responsável pela assistência as (sic) Comunidades Eclesiais de Base no Município de Sena Madureira”.

O documento é datilografado e, embora não traga assinatura de quem o elaborou ou o enviou a Brasília, traz o timbre da Polícia Federal, da Superintendência Regional no Estado do Acre, como sendo de uma espécie de delegacia do “Serviço de Informações”. O ofício com a sigla “Informe 198/81-Si/SR/AC “, com data de 31 de agosto de 1981, diz, no seu item 2, que “Pe. Paolino, mensalmente, viaja a (sic) fronteira com o Peru, onde faz contatos com um Padre Italiano na cidade de Ibéria”.

O item 3 do mesmo documento é muito mais ilustrativo sobre o tamanho da perseguição ao religioso: “o citado Padre [o de Ibéria] vem usando o nome de José, mas há fortes indícios de se tratar do Padre Giorgio Caleggari, italiano ex-membro do Grupo Mariguella e do Frei Beto”.

O guerrilheiro Carlos Marighella (1912 -1969) era líder da ALN (Aliança Libertadora Nacional) e foi assassinado em novembro de 1969, em São Paulo, numa emboscada armada pelo então diretor do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), delegado Sérgio Paranhos Fleury, também conhecido como “Anjo da Morte” por sua participação nas sessões de tortura a presos políticos. A morte do guerrilheiro, que lutava contra o regime político brasileiro desde o Estado Novo, na era Getúlio Vargas, e acentuou a contestação à ditadura militar, a partir de 1964, é contada no livro “Batismo de Sangue”, pelo jornalista e escritor Carlos Alberto Líbano Cristo, também conhecido como “Frei Beto”, que na época da morte de Mariguella era frade dominicano em São Paulo e foi uma das iscas utilizadas para a captura de morte do guerrilheiro. Frei Beto foi um dos frades presos e torturado na cadeia pelo próprio Fleury, ele revela no livro.

A história dos frades dominicanos no envolvimento com a ALN (Ação Libertadora Nacional) ainda está longe de ser completamente esclarecida. No que diz respeito à morte do líder guerrilheiro Carlos Marighella, a situação piora ainda mais.

Basicamente, há duas versões sobre o episódio: uma (do pesquisador Jacob Gorender, no livro “Combate nas Trevas”), diz que os dominicanos, depois de torturados, acabaram entregando aos policiais um encontro (com dia, hora e local) com Marighella que acabou provocando a morte do guerrilheiro. A outra (de Frei Betto, em “Batismo de Sangue”) ameniza o caso, sem tirar a responsabilidade dos dominicanos, e diz que houve participação da CIA – sigla para a central de inteligência norte-americana – na captura de Marighella.

Se o pároco de Sena Madureira tinha ou não contatos com Frei Beto, que foi ministro do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e esteve no Acre durante o governo petista de Jorge Viana, o segredo ele levou para o túmulo. Mas, para a ditadura militar, Baldassari era perigoso porque desenvolvia “intenso trabalho de politização entre às Comunidades de Base às margens do rio Iaco, no município de Sena Madureira”.

Num documento datado de 6 de outubro de 1981, consta o seguinte: “Recentemente, Agente deste O. I, procedendo levantamento na região, constatou o seguinte: Foi montada uma Cooperativa no Seringal Icuriã, que congrega também membros do Seringal Guanabara”.

O documento prossegue chamando seringueiros de “elementos”, os quais, “orientados por Pe. Paolino ocuparam os seringais, expulsaram os proprietários, que são paranaenses, interditaram o campo de pouso impedido de qualquer forma a presença dos donos dos seringais”. E acrescenta: “A cooperativa com a orientação do Pe. Paolino tem um excelente trabalho de administração. Pe. Paolino montou ali uma verdadeira ‘COLUNA’, senão vejamos: existe um trator que além de fazer o trabalho da lavoura para os membros da cooperativa, faz entrega de mercadorias na casa dos colonos e vice-versa”.

Diz ainda o documento que o então administrador da cooperativa, João Batista de Araújo, conhecido como “Pajoca”, recebe a borracha produzida pelo trabalhador, que fica depositada na Cooperativa, “recebendo este 50% do valor da produção em mercadorias para sua subsistência ou em dinheiro”,

“Toda a aquisição de mercadorias para a cooperativa é feita por Pe. Paolino ou seu auxiliar, o administrador da cooperativa”, dedura o documento. “A cooperativa tem ainda uma estação de rádio, que opera em três frequências”, diz ainda o documento.

O então chefe do gabinete civil do governo Joaquim Macedo, o professor Elias Simão Filho, um ex-líder estudantil da Une (União Nacional dos Estudantes), professor de filosofia no Rio de Janeiro com pendores de esquerda que, no entanto, fugiu da ditadura para servir ao governo do cunhado no Acre, também é citado no documento. A investigação o acusa de ter intermediado a aquisição da rádio para os seringueiros e alerta que, além de gêneros alimentícios, a Cooperativa também vende armas e munições.

O boletim de informação também fala da presença de estrangeiros na Cooperativa, além de membros do PT – partido em formação na época, além da presença do bispo Dom Moacyr, falecido no ano passado, a cada vez que haveria cursos de lideranças na região”.

Sempre sobre o carimbo oficial de “confidencial”, os documentos informam que o padre Paolino faz o trabalho de organização dos seringueiros e que isso poderia ser perigoso para o regime. Padre Paolino morreu sem saber que, para a ditadura militar, ele era um perigo.

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