Recebido no Brasil como uma data festiva e de comemorações, como fosse uma concessão do calendário, o Dia Internacional das Mulheres, comemorado em várias partes do mundo neste 8 de março, tem uma origem sangrenta e de muitas lutas. Foi nesta data, em 1917, na Rússia, em que cerca de 90 mil mulheres operárias foram às ruas protestar por melhores condições de trabalho e de vida, uma vez que tinham longas jornadas de trabalho, recebiam muito menos que os homens e não tinham quaisquer direitos.
O movimento estava influenciado sobre o que ocorrera pouco mais de cinco anos antes: em 25 de março de 1911, um incêndio atingiu a fábrica de roupas Triangle Shirtwaist, nos Estados Unidos. Foi o mais mortal acidente industrial da cidade de Nova York, que matou 146 pessoas; 23 homens e 123 mulheres. Quem estava no prédio teve pouca chance contra o fogo, pois as saídas estavam trancadas.
A tragédia, que marcou época, passou a ser utilizada como referência em homenagem às mulheres neste 8 de Março, uma data que, no Brasil e no Acre, em particular, é lembrada por fatos que não deveriam existir: a violência que faz do país e do Estado campeões de violência contra a mulher, incluindo os feminicídios. Neste quesito, infelizmente, guardada as devidas proporções, o Acre continua a liderar os índices de violência doméstica e de assassinatos de mulheres, com o registro de crimes bárbaros em casos que revoltaram a população.
Os números revelam uma das maiores taxas do país em feminicídios – crime de ódio motivado pela condição de gênero – do país: 2,7 feminicídios por cada grupo de 100 mil mulheres em 2021, conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A taxa nacional tem média de menos de 2% de feminicídios por cada grupo de 100 mil.
A seguir, alguns dos casos de femicídios que abalaram o Acre:
Keyla Viviane dos Santos – morta, aos 29 anos, em frente à loja que trabalhava em Rio Branco, em março de 2016, pelo ex-marido Adjunior Sena, no bairro Estação Experimental. Keyla foi esfaqueada pelo ex-marido, preso ainda perto da cena do crime minutos depois, sete dias antes do Dia Internacional da Mulher.
Em outubro de 2016, Adjunior Sena foi condenado a 27 anos e 6 meses de prisão pela morte de Keyla.
Larissa Aurélia da Costa Silva – Aos de 17 anos, foi decapitada pelo companheiro em fevereiro de 2020. na capital acreana. O ex-agente penitenciário Ivanho Lima desferiu diversas facadas em seu corpo e por fim arrancou a cabeça e a levou até a casa da mãe da vítima, crime registrado na Vila Jorge Kalume. Os dois tinham um relacionamento na época. O ex-servidor público foi preso no mesmo dia do crime, no bairro Tangará, após denúncias anônimas à polícia. Na delegacia, ele confessou o crime, contou detalhes, mas, ao ser questionado sobre a motivação, permaneceu calado.
Em agosto de 2022, um júri popular condenou o acusado a mais de 23 anos de prisão em regime inicial fechado pelo crime.
Adrianna Paulichen – foi morta pelo marido em Rio Branco em julho de 2021. Ela foi estrangulada, esfaqueada e morta pelo marido Hitalo Gouveia, de quem tinha pedido a separação após descobrir uma traição. Para a família, esse foi o motivo que levou o acusado a matar Adrianna. Hitalo Marinho Gouveia confessou ter matado a mulher durante briga em Rio Branco. À polícia, ele alegou ter sido esfaqueado primeiro pela mulher e que ela ameaçou matar o filho deles. A família de Adriana negou a versão e afirmou que, na verdade, o real motivo foi o desejo da jovem sair de casa e o fim do relacionamento.
Em abril de 2022, a Justiça decidiu que Hitalo Gouveia será julgado por um júri popular. Ele foi denunciado pelo Ministério Público do Estado (MP-AC) por feminicídio, recurso que dificultou a defesa da vítima e motivo torpe.
Tatiane Lima Nery – Foi morta em maio de 2022 após ser baleada pelo ex-namorado dentro da agência bancária Sicredi, na cidade de Acrelândia, no interior do Acre, em maio de 2022. A atendente de banco Tatiane Lima Nery, de 33 anos, foi assassinada no dia 2 de maio pelo ex-namorado, Kennedy Souza Fontenelle, de 26, que não aceitava o fim do relacionamento. Ele era segurança do estabelecimento e trabalhava armado.
Após atirar na ex-companheira, Kennedy deu um tiro na própria cabeça e morreu também dentro da agência. O crime ocorreu antes do início do atendimento ao público.
Débora Bessa – foi levada durante um assalto a um mototaxista em janeiro de 2018. Ela sumiu no dia 9 de janeiro daquele ano e foi encontrada pela família quatro dias depois decapitada em uma região de mata no bairro Caladinho, em Rio Branco.
Em um vídeo divulgado pelos próprios criminosos, Débora aparece ajoelhada ainda viva sendo segurada por um homem e André de Souza Martins ao lado com um terçado. As imagens mostraram a jovem sendo decapitada viva e depois recebendo algumas perfurações de faca de outra pessoa.
Amanda Gomes, Isabele Lima e Vitor de Lima sumiram quando saíram para a Expoacre, em Rio Branco. Eles sumiram em agosto de 2018. O sumiço causou uma mobilização na cidade entre parentes, amigos e conhecidos. Dias depois eles foram achados mortos no mesmo bairro em que moravam, no Taquari. Victor Lima foi esfaqueado e atirado dentro de um poço ainda vivo e morreu afogado. Isabele foi achada morta em uma área de mata. No dia 23 de agosto do mesmo ano, os ossos de Amanda de Souza foram encontrados pela polícia. A ossada estava em formato de triângulo. As investigações concluíram que as mortes foram motivadas por disputas entre facções.
Rairleny Ganum da Silva, de 19 anos, e Arnaldo Reis Praxedes, 63 anos, desapareceram em 2016. Rairleny Ganum da Silva e o idoso Arnaldo Reis Praxedes sumiram no dia 2 de junho de 2016 em Rio Branco. A estudante e o idoso tinham um relacionamento e eram pais de um menino de 4 anos, na época. No dia do sumiço, Praxedes foi até a casa da namorada buscá-la para fazer uma faxina na casa dele.
Do bairro Eldorado, onde Rairleny morava com a família, o idoso levou a namorada, a mãe dela e a cunhada, Rairla Ganum, até o Centro. Rarifa e Rairla ficaram em uma loja e Praxedes saiu com Rairleny para a casa dele. Foi a última vez que a família viu os dois. Em 2021, Rarifa Nunes Ganum disse que ainda esperava a filha voltar para casa.
A situação da mulher no Acre, uma terra perigosa para o sexo feminino, conforme as estatísticas, deve servir de reflexão para todos, incluindo os homens, principalmente no Dia dedicado a elas, diz a pisocóloga Paula Luane, administradora de um blog batizado de Mulher Negra.
“Mais um dia de luta, mais um dia para repetir que nossa vida como mulher, importa. Mais um dia pra enfrentar o machismo, o racismo, a homofobia, a misoginia, a transfobia, e a gordofobia. Mais um dia para lutar contra a rivalidade feminina, esse mal que nos condicionam a praticar e disseminar”, disse. Luane.
“Mais um dia pra lutar pelos nossos direitos, direito de ir e vir, direito de sermos mães e também de não sermos, direito de estudar, trabalhar, escolher uma profissão, direito de salários dignos, direito de nos vestir como desejarmos, direito de buscar o prazer como desejarmos, sem sermos estereotipadas, rotuladas, julgadas, discriminadas, ofendidas, descartadas, menosprezadas, e que não estamos procurando ou merecemos ser estupradas. Direito de envelhecer, de termos nossa beleza admirada, e mostrar que não somos objetos com data de validade, que perde o valor. Mais um dia para lembrar a todos ,que todos os dias mulheres são mortas por serem mulheres, e que isso é real, dolorido, e nos traz medo e insegurança. Mais um dia para lutar pelo direito de sermos donas dos nossos corpos, e que nosso passado não rege o nosso futuro. Mais um dia para gritar pra sermos atendidas, respeitadas, porque muitas vezes precisamos gritar para sermos ouvidas ou infelizmente, para pedir socorro. Mais um dia para enfrentar todos e tudo que tentam nos parar, nos silenciar, nos reprimir, algo que acontece durante séculos e séculos”, acrescentou.
Segundo ela, este 8 de Março é mais um dia para a luta das mulheres contra a violência diária que o sexo feminino enfrenta. “Mais um dia para ser o que quisermos ser. Mais um dia para nos questionarmos sobre mudanças, sobre representatividade, sobre saúde física e mental, sobre políticas públicas, sobre sexualidade, sobre gênero. Mais um dia para lutar por oportunidades de mostrarmos que somos fortes e inteligentes. Mais um dia… Cansa né? E mesmo assim, ainda somos taxadas de loucas, putas, burras, fracas, mal amadas, “mal comidas”, vagabundas, doentes, e outros termos que usam para nos diminuírem diariamente, tudo isso porque lutamos todos os dias simplesmente por desejamos sermos felizes como MULHERES, por desejamos viver. Mais um dia de guerra, essa é a nossa vida como MULHER, batalhas diárias. Então quero desejar tbm, a todas nós, um dia de afeto, união, amor, paz, carinho, sossego, tranquilidade, mimos, jantares, sexo, prazer, presentes, flores, confraternizações, merecemos nos sentir amadas, cuidadas, protegidas, e se você tiver a oportunidade de receber tudo isso, RECEBA!!! porque também merecemos, e que isso aconteça todos os dias, não só hoje. Não desistam mulheres, hoje é mais um dia de luta, contra uma guerra diária”, concluiu.