Uma vitória do Los Angeles Lakers sobre o Miami Heat na noite desta sexta-feira (9), em Orlando, não só definirá o novo campeão da NBA como representará o fim de uma empreitada que durou três meses. Em 9 de julho, terminaram de desembarcar em Orlando, na Flórida, os jogadores de 22 times, que se isolaram em um complexo da Disney e só saíam de lá à medida que eram eliminados. O novo termo que entrou no dicionário do basquete mundial durante a pandemia – “a bolha” – será tão ou mais lembrado no futuro quanto os feitos de LeBron James ou Jimmy Butler, que levaram seus times à decisão de uma temporada atípica. Eles se enfrentam às 22h (de Brasília).
A “bolha” foi a forma como a liga e a associação de atletas encontraram para encerrar a disputa, paralisada em março, quando o coronavírus passou a avançar em ritmo acelerado nos Estados Unidos. Desde que se recolheram em um resort do Walt Disney World, 346 jogadores, além de comissão técnica, mídia e estafe passaram a seguir um rígido protocolo de quase 100 páginas, além de testes diários para a Covid-19.
As restrições iam do isolamento total com o mundo exterior à mudança de comportamento dentro de quadra, como a proibição de lamber os dedos, mexer no protetor bucal ou secar a bola com a camisa. O resultado de tanta rigidez: desde 13 de julho, ninguém testou positivo nos boletins divulgados pela NBA.
– Eram muitas regras, os jogadores não gostaram muito no início, mas depois virou rotina. Foi uma estrutura muito restrita, por isso que acabou dando tudo certo – conta o brasileiro Felipe Eichenberger, preparador físico do Denver Nuggets, finalista do Oeste, que viveu quase três meses no confinamento. – No começo, os atletas reclamaram da comida, que logo foi trocada, mas também da falta do que fazer, ficar longe da família. Tudo era limitado. Para todo mundo foi difícil.
Estrutura de cinema
Em Orlando, os times ficaram hospedados em três hotéis e de lá seguiam apenas para o complexo de quadras e academias. Curiosamente, tanto Lakers quanto o Heat ocupam o mesmo hotel, o Gran Destino Tower – o que significa que, há três meses, os rivais se encontram pelo saguão diariamente. Cerca de 115 carros fizeram o transporte quadra-hotel e, ao todo, foi como se a liga tivesse feito reserva de 106 mil diárias de hotel.
O comissário da liga, Adam Silver, calculou em 6,5 mil o número de pessoas que tornaram a bolha possível, desde jogadores e treinadores a funcionários de apoio de Orlando ajudando nas arenas, nos hotéis, nas testagens ou em serviços gerais.
– Eu faço uma analogia com quando você vai ao cinema e vê os atores na tela. E, então, os créditos começam a rolar no final e eles continuam rolando e rolando… – disse Silver, em coletiva de imprensa antes do início das finais.
As cifras não foram divulgadas. Mas, segundo a ESPN americana, o custo total da “bolha” foi de US$ 150 milhões (cerca de R$ 840 milhões pela cotação atual).
Entre as quatro ligas profissionais americanas, a NBA foi de longe a que mais conseguiu controlar a escalada da doença entre jogadores. A NFL, de futebol americano – que também desenvolveu protocolo, mas não isolou os times em um mesmo local, mantendo as viagens – tem sofrido com casos em profusão. Dois jogos do New England Patriots já foram adiados, e a estrela Cam Newton testou positivo. A MLB, de beisebol, também sofreu com surtos desde a volta, em julho, assim como a NHL, de hóquei.
Protestos e boicote
Fora dos Estados Unidos, o formato mais próximo do sucesso da NBA foi experimentado na fase final da Liga dos Campeões, quando os oito finalistas se reuniram em Lisboa, em agosto, até o Bayern de Munique se sagrar campeão de uma competição que ficou marcada, no início da pandemia, como foco de proliferação do vírus pelo continente – o prefeito de Bérgamo, uma das cidades mais atingidas da Itália, afirmou que “Atalanta e Valência foi uma bomba biológica.” Em outras partes do mundo, todas as competições que insistem em longos deslocamentos acabam acometidas por surtos, como o Brasileiro e a Libertadores, por exemplo.
Além do formato inédito, com jogos sem torcida pela primeira em 74 anos, a NBA experimentou outros momentos históricos ao longo dos últimos três meses. Em um ano marcado por protestos antirracismo, jogadores lideraram um boicote inédito em 26 de agosto, três dias depois de Jacob Blake, um homem negro, ser baleado em Wisconsin. A decisão de parar, que partiu do Milwaukee Bucks, foi seguida pelos demais times e se espalhou pelas ligas profissionais de outras modalidades.
Com camisas com mensagens de justiça social e campanha maciça para que os americanos vão às urnas no mês que vem, os jogadores conseguiram romper o isolamento da “bolha” – pelo menos com suas vozes.
Audiência em queda
Apesar do sucesso dentro de quadra, o mesmo não se reflete fora dela. A NBA tem sofrido em termos de audiência televisiva norte-americana desde que os jogos passaram a ser disputados na bolha em Orlando, incluindo os playoffs e as finais.
Segundo números da ‘Sports Illustrated’, as finais do ano passado, entre Toronto Raptors e Golden State Warriors, tiveram média de mais de 15 milhões pessoas assistindo. As desta temporada entre Los Angeles Lakers e Miami Heat começaram com um pico de 7 milhões no primeiro jogo, mas caiu para 6,1 milhões no jogo 2, e atingiu o pior nível no jogo 3 com 5,9 milhões de audiência.
A revista norte-americana analisa que, apesar de os jogos estarem ocorrendo sem torcida e sem a tradicional pressão das arenas, um fator adicional tem a ver com a politização das partidas e a polarização política nos Estados Unidos em meio à pandemia.
Não são poucas as atitudes dos jogadores e treinadores em prol da Justiça social, apoio ao movimento antirracista e incentivo ao voto nas próximas eleições presidenciais, mas boa parte dos fãs tem se mostrado incomodado com a politização e perdido o interesse.
Quedas de audiência televisiva em momentos de ativismo social não são novidade na NBA, mas essa preocupa por ser tão brusca em tão pouco tempo. [Foto de capa: Kim Klement do USA Today Sports]