A cultura do cancelamento, definida como um fenômeno moderno, é prática que expõe pessoas públicas a ataques em massa, motivados por comportamento considerado reprovável para aquela sociedade na qual se exerce influência. Por incrível que pareça, o foro competente para o julgamento do réu é o implacável tribunal da internet.
Esse tribunal, apesar de não aparecer nos registros formais da legislação, está ativo há anos, e, por muitas pessoas, é bem mais temido do que os tribunais pertencentes ao poder judiciário. Quando exposto, o “réu” se vê vulnerável a uma incontrolável avalanche de condenações, muitas das quais nem teve conhecimento prévio, e o direito à ampla defesa às vezes não ganha a mesma amplidão do ataque.
Por isso, o temor em ser “cancelado” pelo tribunal da internet se torna muito maior do que o de ser processado em um tribunal comum, principalmente por parte de pessoas consideradas públicas, que vivem da venda ou da promoção positiva de suas imagens.
A prática irresponsável, que se tornou tão comum a ponto de virar “cultura”, pode ser tão nociva para a nossa convivência harmônica em sociedade quanto para a liberdade individual dos cidadãos. Isso porque, vale destacar, o “cancelamento” – termo moderno para “condenação” – não é aplicado somente a cometimento de crimes, mas sim a todo e qualquer gesto, opinião ou comportamento que desagrade um pequeno nicho social, mesmo que isso esteja no rol de direitos e da liberdade de um cidadão comum.
Na maioria dos casos, o ciclo funciona da seguinte forma: a internet promove espontaneamente uma pessoa que talvez nunca pensou em ser famosa. Em seguida, essa pessoa passa a colher os benefícios, inclusive econômicos, de toda essa exposição. E o fim chega tragicamente quando a internet se frustra por aquela pessoa não corresponder às expectativas que foram criadas sobre ela, buscando, a partir de então, devolvê-la ao anonimato através do cancelamento.
Ocorre que esse “cancelamento” é equivocado a começar pela escolha do termo. A exposição da imagem de alguém não é como a assinatura de um plano de qualquer serviço, onde podemos rescindir sem ônus para ambas as partes. O dano causado a imagem de alguém pode ser irreversível, acarretando transtornos incalculáveis que já levaram, inclusive, muitas pessoas ao suicídio.
Pensar que qualquer um de nós pode estar exposto a sofrer um “cancelamento” injusto, deve ser um fator preocupante que nos exige maior responsabilidade antes de emitir
condenação sobre alguém na internet, principalmente quando não temos acesso a todas as versões.
Mas, e se esse cancelamento for justo? Nisso, cabe-nos lembrar que as pessoas não estão obrigadas a atender às nossas expectativas, e tudo aquilo o que idealizamos sobre alguém, sem qualquer exceção, é apenas uma prévia muito distante da verdadeira realidade, que nunca será conhecida por completo. Portanto, o endeusamento do outro é o que leva ao seu cancelamento, e, se o primeiro não acontece, a chance de alguém ser condenado pelo tribunal da internet é infinitamente menor.
Além disso, compreender que nenhum de nós é perfeito, apenas temos defeitos diferentes, pode nos fazer ser mais empáticos com os nossos semelhantes e menos velozes no julgamento digital.
– Jackson Viana é Escritor, Poeta, autor de três livros, presidente-fundador da Academia Juvenil Acreana de Letras (AJAL), Embaixador da Região Norte na Brazil Conference at Harvard & MIT e Embaixador Mapa Educação 2023.