Professora do Acre é indicada ao “Oscar da ciência brasileira” com tese sobre mulheres indígenas

A tese “Livre pela minha Natureza” conta histórias de mulheres indígenas apagadas da história da Amazônia Colonial

Blenda Cunha Moura, professora de História no Instituto Federal do Acre (Ifac) em Cruzeiro do Sul, também levou o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) para o Ifac de lá. Doutora em História, Moura foi indicada na última terça-feira (23) ao Prêmio Capes 2024, considerado o “Oscar” da Ciência brasileira.

O prêmio reconhece os melhores trabalhos de conclusão de doutorado defendidos em programas de pós-graduação brasileiros/Foto: Cedida

Concorrendo na categoria Colégio de Humanidades – Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Linguística, Letras e Artes. A professora, em sua tese, conta histórias de mulheres indígenas apagadas dos registros do tempo na Amazônia Colonial. Com o título “Livre pela minha Natureza”, Moura foca em traições, vinganças, feitiçarias, amores e a vida cotidiana destes corpos que resistiam por liberdade.

Ao ContilNet, a doutora revela sua trajetória como professora, como o assunto a atravessa e o significado de ouvir e ler a história destas mulheres.

A introdução

Blenda é nascida no Amazonas, mas cresceu em Curitiba, no Paraná, indo para Cruzeiro do Sul, após passar no concurso para professora de história. Seu plano original era falar já de mulheres indígenas no mestrado entre 2006 e 2007, antes de ir para o Acre, contudo, seu orientador da época redirecionou a ideia.

Alunos em projeto coordenado por Blenda em 2018/Foto: Cedida

“Até que um belo dia [10 anos depois], eu peguei meu projeto original de mestrado [que era de mulheres indígenas], dei uma recauchutada, submeti na UFPR e fui fazer o doutorado. Acho que o fio que liga a primeira à última página é a busca por liberdade”, reflete a pesquisadora.

E esta busca por liberdade – que dá nome à sua tese – vem da busca por ser livre no período de tempo analisado pela autora. A professora comenta como estas mulheres indígenas foram submetidas a um ambiente hostil, estupradas e casadas à força – além, claro, do racismo sofrido na pele.

“Quando a gente estuda indígenas, é como se fosse um bolo só. O termo “indígena” está aí para dizer que não, eles são diversos. Acho importante fazer esse recorte”, afirma Moura.

Tainá foi medalhista na Olímpiada em 2018/Foto: Cedida

Com este movimento de resgate no doutorado, ela também contagia as aulas do ensino médio do Ifac, a ex-aluna e, agora, discente de Direito da Universidade Federal do Acre (Ufac), Tainá Nogueira, diz:

“A Blenda como professora me marcou a vida no ensino médio em muitos aspectos. Com o jeito dela, perspicaz, alegre e criativa, as aulas de História eram um bálsamo em meio a vida estudantil corrida. As apresentações de trabalhos sobre temas diversos (guardo com carinho a lembrança da primeira apresentação que fiz na aula dela, sobre Grécia Antiga) foram simplesmente as melhores”.

Ao lado da docente, Tainá foi medalhista da Olimpíada de História (ONB); a final acontece na Unicamp em Campinas, São Paulo. “É um exemplo de docente e tenho muito orgulho dela ter feito parte da minha vida acadêmica”, agradece a ex-aluna.

O desenvolvimento

Quando questionada sobre o objetivo da tese, Moura decide contar o relato que abre sua escrita, uma descoberta que ela fez sobre uma revolta do século 18.

“Próximo a Barcelos [região de Manaus], tinha um líder indígena que queria casar com uma concubina – sua amante – e um padre proibiu. Nisso, ele articulou com outras quatro lideranças e saíram atrás de matar o padre, que acabou fugindo. Isso começou uma revolta, quando se juntaram mais 15 lideranças indígenas que decidiram ir até a capital acabar com o domínio de portugueses. Porém, alguém denunciou o trajeto que eles iriam fazer e os portugueses fizeram uma emboscada e decapitaram todos”, conta.

A professora, em sua tese, conta histórias de mulheres indígenas apagadas dos registros do tempo na Amazônia Colonial/Foto: Cedida

Essa é a história da Revolta de Lamalonga, pelo menos, a contada até Blenda descobrir uma reviravolta, no mínimo, inusitada:

“Eu pesquisando no Pará, as palavras “mulher” e “índia” sempre se sobressaiam nos documentos do século 18. Até que em um documento, tinha essa frase: ‘à essa mulher deve-se fazer todas as vontades’. Eu achei bonito e fotografei”, detalha.

A professora conta que quem tinha denunciado a revolta foi Dona Anna Maria de Ataíde, a esposa do líder que queria casar com a amante, para se vingar. E, logo após o assassinato, virou líder da comunidade no lugar de seu ex-marido. 

Capa da tese de Blenda/Foto: UFPR

Em uma onda contrária à uma “ciência muito masculina”, segundo a pesquisadora, as histórias destas mulheres líderes, feiticeiras e amantes são importantes para mudar os paradigmas de pesquisa atual.

Ainda bem longe de uma “conclusão”

A doutora conta que como descobriu que tinha sido indicada ao CAPES 2024: via mensagem de seu orientador – sem nem um “bom dia”, brinca. O site do Governo Federal fala que o prêmio “reconhece os melhores trabalhos de conclusão de doutorado defendidos em programas de pós-graduação brasileiros”.

Prêmio existe desde 2005/Foto: Reprodução

Moura acredita que a indicação também vem em um momento de reconhecimento de mulheres indígenas na política, como Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, Francisca Arara, secretária estadual dos Povos Indígenas e Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

O caráter inédito de documentos e catalogação dessas histórias é o chamariz do trabalho da autora, que fala de forma humorada: “vendendo meu peixe, tá muito bem escrito”.

“Eu acho fantástico, esses diversos papéis das mulheres como líderes indígenas. É muito rico”, diz Moura sobre a riqueza presente no material que criou, “É uma tese que traz muitas histórias maravilhosas, que eu nunca esperava ler ou me deparar . Festa, ritual, ciúme, feitiçaria, tem de tudo”.

A indicação também vem de um momento de reconhecimento de mulheres indígenas na política, como Francisca Arara, secretária estadual dos Povos Indígenas/Foto: Thauã Conde/ContilNet

Contando histórias de “mulheres ávidas por liberdade”, ela finaliza explicando o porquê do título de sua tese: “Livre pela minha Natureza”. 

“Tem um capítulo sobre os pedicionárias. A maior parte das petições de liberdade em Belém, em São Luís, foram feitas por mulheres indígenas. Os homens acabavam ficando livres por tabela, por exemplo: essa mãe ficava livre e o filho também, então. O maior número de pessoas que pediam liberdade eram mulheres e elas pediam justamente com a frase que é o título. Na maioria dos documentos tinham ela”, afirma.

Blenda Cunha Moura fala como esta experiência e o acesso a estas pessoas a fez refletir sobre o conceito básico de liberdade. Afinal, seja nos documentos históricos ou nas premiações de teses, a autora descreve como “as mulheres gostam de liberdade; sou livre, pela minha natureza”, finaliza.

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