Era uma quinta-feira, penúltimo capítulo de Vale-Tudo. Chico Mendes, líder seringueiro que fez o mundo refletir sobre o socioambientalismo, estava se preparando para tomar seu banho da noite e assistir ao episódio da telenovela, quando, em uma emboscada em sua residência, foi alvejado por Darci Alves Pereira, a mando de seu pai, Darly Alves. Esses acontecimentos ocorreram em 22 de dezembro de 1988, exatamente 36 anos atrás.
Após sua morte, Chico Mendes tornou-se um símbolo da defesa dos povos tradicionais. Reconhecido como Herói da Pátria em 2004 e Patrono Nacional do Meio Ambiente em 2013, é lembrado por sua liderança na proteção da Amazônia, dos direitos humanos e da justiça social.
Treze dias antes de ser assassinado, Chico Mendes alertou sobre as ameaças que vinha recebendo, especialmente do fazendeiro Darly Alves. Em entrevista ao Jornal do Brasil, em 9 de dezembro de 1988, denunciou que Darly e seu irmão Alvarino o haviam ameaçado.
“Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta, até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então, eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia”, afirmou em uma das diversas entrevistas que concedeu à época.

Darci Alves Pereira, acusado de matar Chico Mendes/Foto: Reprodução
Chico também enviou cartas às autoridades sobre o perigo que corria. Após a desapropriação do seringal Cachoeira, que Darly reivindicava para a criação de gado, Chico tornou-se alvo definitivo do grileiro.
A luta de Chico Mendes
Ao longo de sua vida, Chico Mendes foi responsável pela construção de diversos conceitos em prol da floresta e da humanidade. As Reservas Extrativistas (Resex), inspiradas nas práticas indígenas, são um dos maiores legados desse trabalho. Essas áreas protegidas pela União garantem aos extrativistas o uso sustentável dos recursos naturais, assegurando o pertencimento e a segurança territorial das comunidades locais.
Segundo o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC), o Brasil conta com mais de 90 Reservas Extrativistas, totalizando cerca de 15,7 milhões de hectares. A maior delas é a Reserva Extrativista Verde para Sempre, em Porto de Moz (PA), com 1,3 milhão de hectares, criada em 2004. Já a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, é a segunda maior, com 931,3 mil hectares, abrangendo sete municípios.
“A bioeconomia da floresta em pé também gera oportunidades. A integração de povos originários e comunidades locais nas cadeias produtivas é apenas um exemplo. Mas há também a criação de novos postos de trabalho diretos e indiretos relacionados às atividades que serão desenvolvidas na Amazônia, além de novas funções necessárias para preservar ou restaurar o bioma”, cita o Jornada Amazônia sobre a atuação de Chico nesse âmbito.
Assassinos
Atualmente, o assassino de Chico Mendes reside em Medicilândia, no Pará, com esposa e filho. Em reportagem do portal Samaúma, Darci esteve presente em diversas manifestações bolsonaristas em Brasília e é um apoiador ferrenho do ex-presidente.
Ele fundou uma igreja nos arredores da cidade, além de possuir 200 cabeças de gado, tratores, máquinas e 60 mil pés de cacau, segundo o noticiado. Contudo, após um período, o templo religioso foi fechado e ele agora busca atuar em Altamira, no Pará.
Resistência
Na mesma noite, por meio de duas reuniões — uma com as organizações em Rio Branco, na Diocese de Rio Branco, e a outra com os amigos e companheiros de Chico em Xapuri — nasceu o Comitê Chico Mendes.
Inicialmente, o coletivo buscava garantir que os culpados pelo assassinato de Chico Mendes fossem condenados, mas, com o tempo, se transformou em um movimento pela floresta e pela humanidade, ao lado de outras instituições.
Desde 1989, a Semana Chico Mendes é realizada em Xapuri e Rio Branco, contando com parceiros e atividades que reverberam a luta de Chico Mendes.
Legado
“O erro de Chico, se é que podemos chamar assim, foi não ter conseguido mensurar o próprio tamanho. O assassinato dele colocou a Amazônia no centro do debate mundial. E ao fazer isso, digamos assim, talvez tenha desacelerado o processo de devastação”, reforça Gomercindo Rodrigues em recente entrevista.
Gomercindo é um dos organizadores da caminhada até o túmulo de Chico Mendes todos os anos, durante o encontro que leva o seu nome: a Semana Chico Mendes. No encontro deste ano, em frente à casa do líder sindical e amigo, ele declarou: “Eles erraram o alvo! O tiro que o matou o tornou imortal!”.