Chamego-negro

Michel Yakini

Michel Yakini

Michel Yakini

Michel Yakini

Michel Yakini

Mano, por favor, quando eu for embora avise seu patrão pra ele deixar essa cara de desconfiado de lado e não ficar olhando de rabo de olho enquanto a gente tá comendo.

Sei que ele não tá acostumado a ver um casal negro colar aqui na madruga… Ele imagina que gente como nós, a essa hora do sereno só pode estar: 1. Dormindo, pra acordar cedo e ir pro trabalho; 2. Trabalhando em algum local que funcione 24 horas; 3. Tramando um assalto na padaria.

Deve ser uma confusão não ver ninguém igual a nós em outras mesas, sorrindo pra vida e curtindo um chamego-negro. Ainda mais quando nosso perfil só se equivale aos empregados desse senhor com cara de menino bem nutrido a leite ninho.

Aliás, avise que foi deselegante ele chamar os seguranças pra ficar ouvindo nossa conversa. E mais ainda ver a polícia chegar na sequência, disfarçando, enchendo o prato no bifê e curiando nossa prosa.

Na boa, diga pra ele, que o pior mesmo foi ele ter mandado vocês nos servirem em copos de plástico, e dizer que não estavam mais atendendo as opções do cardápio. Que feio…

Mas diga isso depois. Porque não vou reclamar, e ficar de louco no rolê. Tampouco vou a polícia,  denunciar e ficar ouvindo que “deve haver algum engano” ou que “foi apenas um mal entendido”.  Tô de boa de esquizofrenia sugerida e vitimismo invertido.

Dessa vez eu só queria um lugar vazio na madruga, pra ficar de boa com meu chamego-negro. Mas não adianta ficar aqui explicando pro seu patrão, porque somente nós, meu bom, sabemos o que acontece nessa joça.

Por isso, diga depois. Assim, a gente se esquiva da tiração, entrega essa demanda ao sagrado, e se concentra no carinho que tanto nos afaga e consola nas noites de inverno.

Quem sabe, esse senhor com cara de menino bem nutrido a leite ninho, não seja tão deselegante da próxima vez. E se não mudar de opinião que saiba ao menos disfarçar e respeitar nosso direito de sentar, comer, beber e chamegar no sereno.

Sei que se pá, você nem vai dizer, pois pode perder o trampo, ao menos que esteja a fim de despedir seu patrão. Falo contigo porque nessas horas você é um dos poucos que pode me entender, cê tá ligado…

Obrigado e até mais meu truta, nos vemos no asfalto, já que aqui eu e meu chamego não voltaremos nunca mais. Pois hoje é a noite do amor, e não vou deixar que ninguém derrame nosso banho de carícias.

Definitivamente Sr.Racismo, hoje não!

 

*Michel Yakini é escritor e produtor cultural.

www.michelyakini.com

PUBLICIDADE
logo-contil-1.png

Anuncie (Publicidade)

© 2023 ContilNet Notícias – Todos os direitos reservados. Desenvolvido e hospedado por TupaHost