A face oculta da fronteira: conheça a indústria de abortos boliviana que expõe mulheres a grandes riscos

Na reportagem especial, ContilNet traz relatos cruéis de como é a prática de abortamentos em brasileiras, na cidade boliviana de Cobija

Há um mundo de dor e de tristeza, longe dos olhos da sociedade, alimentado pelo ego, pela vaidade e pelo dinheiro. Um ambiente frio, onde corações de brasileirinhos são dilacerados, toda semana, em nome da estupidez e da ausência da moral em zona neutra. Onde ética e empatia por fetos sendo gerados no ventre de mulheres não encontram espaço para nascer.

Em meio à polêmica do Projeto de Lei que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples no Brasil, ContilNet aborda, com exclusividade, outra face quase desconhecida da maioria dos acreanos: a fábrica de abortos boliviana, em Cobija, na fronteira com as cidades acreanas de Brasiléia e Epitaciolândia, a 240 quilômetros de Rio Branco.

Ao longo de dois dias inteiros, a reportagem do ContilNet percorreu diversas ruas e vielas de Cobija atrás de quem falasse sobre clínicas para abortos em Cobija/Foto: ContilNet

De dez anos para cá, a capital do departamento de Pando – o equivalente no Brasil a estado –, tornou-se um centro importante de formação de médicos brasileiros, com pelo menos três faculdades em pleno funcionamento e outras duas a serem instaladas ainda entre o segundo semestre deste ano e o primeiro semestre de 2025.

O local também é um polo de clínicas médicas para pacientes acreanos que preferem pagar menos por consultas e exames e que são considerados excelentes pela precisão dos diagnósticos.

“É inegável o grau de profissionalismo dos nossos médicos. Não há dúvidas que temos um dos melhores centros médicos da Amazônia”, elogia Jones Martin Oquendo, farmacêutico de uma drogaria no centro comercial de Cobija.

Mas ao ser perguntado sobre como funcionam os estabelecimentos que praticam aborto em brasileiras na cidade, ele desconversa. “Non, hermano. Prefiro não falar muito sobre isso. Solo que hay si, mas porque as patricias brasileñas precisam e estan dispostas a pagar”, diz ele, misturando português ao espanhol.

Em um artigo intiulado ‘A legislação sobre o Aborto nos Países da América Latina: uma Revisão Narrativa’, escrito a muitas mãos por profissionais de saúde brasileiros, a Bolívia e a Colômbia estão entre os países que ainda não legalizaram o aborto sob qualquer hipótese, na América Latina. Eles são os menos restritivos em relação às condições exigidas para o aborto.

A falta de atenção ao tema corrobora para que abortos ielgais, pagos por brasileiras, passem despercebido das autoriadades locais/Foto: ContilNet

Na Bolívia, apesar do abortamento ser permitido em caso de estupro, incesto e risco à saúde ou à vida da mulher, não há nenhum sistema de informação que oriente as pacientes, individual ou coletivamente, nem protocolos técnicos de condução dos abortos legais.

O que existem são apenas manuais que orientam os cuidados em caso de complicações, como abortos sépticos. Em síntese, a falta de atenção ao tema corrobora para que abortos ielgais, pagos por brasileiras, passem despercebido das autoriadades locais, ao largo do Código Penal boliviano de 1972.

Desse modo, o assunto é tratado na fronteira de forma muito velada, embaixo de um tapete espesso, com muita cautela e discrição.

R$ 4 mil: o preço da morte de um feto de 8 meses em clínica

A mulher chega eufórica. Cabelos bem arrumados, batom escarlate nos lábios, bolsa da Louis Vuitton e sapatos de salto alto de luxo. Ela está grávida de oito meses. Era para ser um menino.

“Quero ser atendida logo e vou pagar no débito. Vocês sabem do que estou falando, né? Quanto custa?”, pergunta à recepcionista, que prontamente a repreende, pedindo que aja com mais discrição e respeito. O médico prepara a sala para a extração do bebê, que só teria mais um mês para nascer saudável.

Passado os efeitos da anestesia, a mulher mostra-se, mais uma vez, arrogante, dizendo: “Joga essa imundície em qualquer canto”. A reprimenda do médico é imediata:

“Senhora, tenha mais respeito. Não estamos brincando, nem tampouco toleramos uma situação dessas. A senhora precisou da gente e prontamente nós a atendemos da forma mais profissional possível. Mas aqui ele não vai ficar. Leva o seu problema para o seu país. O problema não é nosso. É seu”.

O feto, de oito meses, sai nas mãos da mulher – que não esboça nenhum remorso, auxiliada por uma acompanhante também brasileira –, dentro de uma caixa de sapatos. As circunstâncias que a levaram a fazer o aborto são desconhecidas. Pelo procedimento a clínica recebeu R$ 4 mil, pagos por meio de cartão de crédito na modalidade de débito.

O relato acima é real e foi contado ao ContilNet por uma enfermeira brasileira que atua em Epitaciolândia. Ela é amiga de uma profissional médica boliviana, cujo marido – também boliviano –, é também médico e realiza procedimentos deliberados de extração de fetos mediante pagamento de quantias determinadas segundo o grau de complexidade das cirurgias.

Avalia a enfermeira, fonte desta reportagem, que “são casos estarrecedores”.

“Essas coisas nos levam à reflexão sobre até que ponto chega a crueldade das pessoas. Veja só, são oito meses de gestação. Daria para ela ter refletido bem antes, se deveria se submeter ao aborto, evitando talvez um trauma maior já que era uma criança que já estava praticamente pronta para vir ao mundo”, lamenta ela.

Beberagem e quartos para hospedar mulheres em abortamento

Ao longo de dois dias inteiros, a reportagem do ContilNet percorreu diversas ruas e vielas de Cobija atrás de quem falasse sobre clínicas para abortos em Cobija. Encontrou Rosa Ximena Ortega, uma senhora de 72 anos, descendente do povo aymara, que trabalha fazendo beberagens com plantas e raízes abortivas, para aquelas que não têm muito dinheiro para contratar um procedimento médico abortivo.

De dez anos para cá, a capital do departamento de Pando – o equivalente no Brasil a estado –, tornou-se um centro importante de formação de médicos brasileiros/Foto: ContilNet

A pelo menos dois quilômetros do centro de Cobija, ela mantém uma espécie de quarteirão para abrigar brasileiras em trabalho de abortamento. As imagens do lugar não foram autorizadas por Ortega, para evitar retaliações por parte de autoridades do país. Mas explica que “elas precisam ficar aqui num trabalho que leva de dois a três dias, entre a internação, a expulsão do feto e a recuperação da mulher”.

O procedimento é feito nos quartos, visivelmente, sem higienização e para realizar o abortamento, o feto não pode estar acima dos quatro meses de gestação.

“Se estiver muito grande não dá. Passou dos quatro meses, ele [o feto] não sai, e a coisa complica”.

O preço: R$ 800 com a hospedagem. A alimentação é por fora. No lugar, no entanto, não foram encontradas pacientes.

O relato de um repórter diante de um vídeo nauseante

As imagens captadas pelo celular são indescritíveis. Por mais que o relato do repórter tente repassar as impressões fidedignas de quem as vê, descrevê-la é um desafio perturbador e leva à reflexão sobre até que ponto vai o limite da crueldade humana.

Era uma criança de cinco meses. Dá para ver na bandeja, ao lado da mãe, o seu coração batendo aceleradamente em busca do ar que já não encontra mais na bolha aquecida do ventre da mulher que seria a sua mãe.

O médico pergunta: “quer vê-lo?”. A mulher, aparentemente de uns vinte e poucos anos, sacoleja a cabeça num gesto de não. Quando a assistente do médico a avisa que o coração ainda pulsa, ela chora. Não se sabe se por arrependimento ou porque não queria ter ouvido algo tão subversivo e incômodo para qualquer pessoa com o mínimo compaixão e sensatez.

Para uma mulher, que está gerando um ser humano na 21ª semana de gestação, que tem 30 centímetros de comprimento e pesa 700 gramas, levá-lo à morte em poucas horas, ou é um ato de muita coragem ou de extrema covardia. Mas não sou eu quem julga. Saio da situação abatido, encucado, quase deprimido.

Cytotec: abortivo é comercializado livremente em Cobija

Jones Oquendo, o farmacêutico que abre esta reportagem, comercializa o Cytotec, medicamento que contém misoprostol, uma substância para o tratamento de úlceras de estômago, mas capaz de provocar contração uterina e amolecimento do colo do útero. Essa condição pode provocar o aborto.

Por isso, no Brasil, o misoprostol só é aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária para utilização em hospitais qualificados e com acompanhamento de profissionais de saúde. Ele induz o aborto ou estimula o trabalho de parto.

O assunto é tratado na fronteira de forma muito velada, embaixo de um tapete espesso, com muita cautela e discrição/Foto: ContilNet

Em Cobija, no entanto, a droga é comercializada livremente ao preço de R$ 70 cada comprimido. Já em Rio Branco, por meio de contrabandistas, uma cápsula pode custar até R$ 400.

Oquendo diz que muitos dos clientes que compram o Cytotec encomendam a amigos residentes em Brasileia ou em Epitaciolândia pelo valor mais em conta. Este é o caso, por exemplo, de um indivíduo que teve três filhos com a mesma esposa, dos quais dois nasceram especiais.

Segundo o relato de Jones Oquendo, o que ele soube de um amigo brasileiro intermediário da compra, é que o quarto filho estava a caminho e que ele e a esposa tinham muito receio de que nascesse também com alguma doença mental. “Por isso, encomendou quatro comprimidos comigo. Eu despachei normalmente”, diz.

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