Microcefalia e desenvolvimento: o que esperar?

91692543Quando nos atemos à definição, a microcefalia é uma condição em que o chamado perímetro cefálico do recém-nascido é menor do que 32 centímetros, segundo o critério adotado pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde. O significado disso na prática, porém, é bem menos objetivo. Para esclarecer a extensão do impacto da microcefalia no desenvolvimento, entrevistamos a neuropediatra Adriana Espíndola, da Associação Cruz Verde, um centro de referência em paralisia cerebral sem fins lucrativos, em São Paulo.

CRESCER: A medida do perímetro cefálico sempre determina o diagnóstico de microcefalia?
Adriana Espíndola: É preciso fazer uma avaliação criteriosa. Em caso de parto normal, a cabeça do bebê sofre uma compressão ao passar pelo canal, o que pode fazer com que fique discretamente menor. Mas uma palpação cuidadosa por um especialista e uma reavaliação após 12 horas costumam ser suficientes para eliminar a dúvida.

C: Esse parâmetro também permite prever como será o desenvolvimento da criança e as limitações que terá?
A.E: Sabemos que, quando o cérebro é menor do que deveria, significa que ele apresenta alguma lesão e é provável que isso impacte em sequelas. Mas a medida do perímetro cefálico, isolada, não basta para estabelecer o prognóstico.

C: Que recursos possibilitam estimar o grau de acometimento?
A.E: Nós realizamos testes neurológicos, já no primeiro mês de vida. Mas é possível que o resultado seja normal com 15 ou 20 dias e o comprometimento se manifeste depois. Recorremos, também, a exames de imagem, como a tomografia e a ressonância magnética, que possibilitam visualizar as áreas cerebrais lesionadas. A partir dos resultados, conseguimos ter uma ideia da extensão dos danos e de quais áreas estão mais prejudicadas — aquelas relacionadas à fala ou às funções motoras, por exemplo. Mas não dizemos aos pais que o filho não vai andar ou falar.

C: Por quê?
A.E: Porque existe a chamada plasticidade neuronal, que é a capacidade de criar novas conexões entre os neurônios (as células nervosas do cérebro que conduzem as informações). Esse mecanismo, de criar atalhos, apresenta-se muito ativo nas crianças. Portanto, elas podem, sim, nos surpreender, com potencialidades além das expectativas. Jamais tiramos a esperança das famílias.

C: E se não for detectado nenhum sintoma neurológico nem lesões significativas nos exames de imagem — apenas o perímetro cefálico aquém do esperado?
A.E: Quando isso acontece, passamos a avaliar a criança mensalmente, medindo a cabeça, observando reflexos e movimentação. Se notarmos algum problema, podemos encaminhar para um especialista em fonoaudiologia ou fisioterapia. Há situações em que os sintomas só irão se manifestar em idade escolar, como dificuldade de aprendizado, por exemplo.

C: Como é o processo de reabilitação?
A.E: Depende. Crianças com paralisia cerebral grave provavelmente não irão andar e só vão pronunciar uma palavra ou outra. Nesses casos, o tratamento consiste em evitar outras consequências, como retração das articulações, luxação de quadril… A abordagem deve ser multidisciplinar, em um centro de referência, e pode incluir terapia ocupacional, sessões de fonoaudiologia, entre outras intervenções. A frequência das sessões também deve ser determinada individualmente, com base nas condições do paciente.

C: Segundo a sua experiência, como costuma ser o impacto da doença na família?
A.E: Tudo depende da gravidade do quadro, se o estado da criança é grave ou se frequenta a escola, levando uma vida relativamente normal. Algumas necessitam de muitos cuidados, como uso de fraldas e aspiração da saliva. Por isso, noto que mães com pouco poder aquisitivo tendem a ficar em casa, deixar a profissão e viver do salário do pai. Ou pior: são abandonadas por ele, o que é muito comum.

C: Os custos com as adaptações necessárias e cadeira de rodas, quando preciso, podem ser muito altos. Essas famílias podem requerer alguma contribuição do governo?
A.E: Elas devem se informar sobre a Lei Orgânica da Assistência Social (BCP-LOAS), um benefício assistencial concedido a pessoas com deficiência. Mas, é preciso atender a alguns critérios de renda. O ideal é procurar um posto do INSS para se informar a respeito.
Há, também, centros de reabilitação que facilitam a doação de equipamentos usados, como cadeiras de rodas. Vale a pena procurar por locais que tenham essa iniciativa.

C: Você tem mais algum conselho para os pais dessas crianças?
A.E: É claro que é natural tomar um baque, diante do diagnóstico. Mas sabemos que aceitar a condição da criança, participar da vida dela, frequentar a escola e até procurar uma ajuda psicológica, se necessário, possibilita que todos os envolvidos evoluam melhor.

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