A hegemonia sociopolítica na língua portuguesa: fatores históricos e linguísticos

Antes de qualquer coisa, é interessante que saibamos um pouco a respeito do autor do texto: Carlos Alberto Faraco é professor aposentado da Universidade do Paraná (UFPR), possui vários livros publicados na área de linguística histórica, com ênfase no conhecimento da língua socialmente e historicamente.

Para discussão deste texto, temos como objetivo a apresentação do capítulo A língua portuguesa se torna hegemônica no Brasil, publicado no livro História sociopolítico da língua portuguesa em 2016 pela editora Parábola Editorial.

Como o próprio título já propõe, o texto discute a hegemonia da língua portuguesa no Brasil. Faraco, para comprovar isso, inicia o texto contextualizando historicamente como a nossa língua atual foi se instaurando e ganhando força no país, de modo que o mesmo faz um comparativo entre séculos: como a língua portuguesa deixou de pertencer a uma pequena parcela no século XVI e passou ao status de majoritária já no século XIX.

Embora a língua portuguesa se mostre potencialmente forte já no século XIX, o autor nos dirá que de forma alguma a mesma é homogênea, afinal, não poderemos de forma alguma descartar as variações que fazem parte dela. Além disso, o autor já nos coloca para refletir acerca da polarização existente na língua.

Dentro da discussão promovida pelo autor, há uma questão extremamente relevante quando pensamos na hegemonia da língua: a polarização entre o português culto e o português popular. Polarização essa que nos leva crê no caráter heterogêneo e variável quando se trata do Português. Além do mais, o que fica bem notório na leitura é que essa polarização ultrapassa os fatores linguísticos, possui relação direta com os fatores sociais, econômicos e históricos.

Faraco ainda explicita que não é uma tarefa fácil pensar nessa polarização de maneira estática, dada à complexidade da língua e as relações recorrentes entre os dois. Colocar os dois polos em situação estática significaria ignorar a pluralidade da língua e as suas variações, todavia, o teórico não descarta a forte influência dos fatores históricos, mesmo que inconsciente, nessa separação.

Além do que, é nos fatores históricos que o autor se baseia para explicar sobre a supremacia da língua no país desde a chegada dos portugueses. A retomada nos processos históricos do Brasil serve para que pensemos como a hegemonia foi se enraizando desde o ciclo do ouro às plantações de café, açúcar, e como ainda se perpetua hodiernamente. Afinal, foi durante as primeiras movimentações econômicas que o número de imigrantes multiplicou. Sendo esse um dos fatores culminantes no que mais tarde se chamaria multilinguismo. O multilinguismo, expressão usada pelo teórico, ganhou e perdeu forças durante a colonização. Foi perdendo as forças pelo fato de haver uma espécie de “superioridade” econômica e social dos portugueses em relação aos outros (imigrantes não portugueses e escravos).

Retomando a ideia do multilinguismo, grande parte dessa mescla de línguas, se deve ao fato de ter vindo para cá quase 300 línguas africanas para compor a mão-de-obra escrava no Brasil, embora tenham sido dissolvidas pela necessidade de comunicação e a tentativa de uniformização da língua.  Faraco até cita o quimbundo para exemplificar o processo de transmissão irregular.

A perda do multilinguismo, principalmente das populações africanas que foram arrancadas de suas terras de origem, é uma questão que chama atenção por não representar a perda de uma pluralidade de línguas que existiam na época, mas também uma perda cultural violenta. E, apesar de no século XIX eles serem aproximadamente 60% da população, eles se viam obrigados a abdicar suas línguas de origem para aprender na marra outra configuração linguística. Para explanar a vinda da mão de obra escrava para o país, achamos importante recorrer ao historiador brasileiro Luiz Felipe de Alencastro, que nos dirá o seguinte:

“Os dados disponíveis assinalam que os primeiros desembarques de     cativos africanos ocorreram nos anos 1560 em Pernambuco […] Da mesma forma, o fim do tráfico clandestino para o Brasil é fixado em 1850, embora 6900 africanos escravizados ainda tenham sido desembarcados no país entre 1851 e 1856” (ALENCASTRO, 2018, p. 57).

Retomando ao texto do Faraco, ainda no mesmo capítulo, é abordado o processo de urbanização intensiva que o território brasileiro sofreu no último século. A industrialização que afetou diretamente o cenário econômico, trouxe consigo o êxodo rural e superlotação de cidades, inaugurando grandes centros urbanos. O autor estima que no começo do século XX cerca de 80% da população vivia no campo, e ao final deste, o valor desce para apenas 20%.

Com a crescente urbanização e deslocamento populacional dentro do território brasileiro, de que maneira uma língua poderia manter-se imutável e homogênea? Os acontecimentos sociais e culturais afetaram diretamente a língua e seus processos linguísticos, e sobretudo na fala, são perceptíveis estes efeitos. Desta maneira, o autor levanta questionamentos sobre quais os efeitos migratórios e sociais que podem ocorrer numa língua em razão destes. Tais questões são nomeadas por ele como “questões linguísticas em aberto na sociedade brasileira contemporânea” no decorrer da página 152.

Além dos processos históricos culturais que afetam um percurso sociolinguístico, o autor alerta sobre o constante esforço de homogeneizar a língua. Este discurso de uniformização provém de uma classe dominante e elitista, que não compreende os processos linguísticos e quer tornar, a qualquer custo, o português brasileiro em um português mais lusitano e nada popular.

O primeiro impulso deste discurso deu-se através do Diretório dos Índios, aceito pela alta burocracia colonial, deixando seus efeitos no imaginário social e contribuindo para a construção do mito “o país monolíngue”. A mesma elite construiu um interdito simbólico expresso no desprezo pelo português popular. As batalhas linguísticas do século XIX já estavam sendo travadas.

Escritores que chegaram a defender o “abrasileiramento” da língua escrita sofreram ataques e acusações, dos quais muitos alegavam que seus textos e obras estavam repletos de “erros” da língua portuguesa. Entre estes autores, encontravam-se notavelmente José de Alencar e Gonçalves Dias, pertencentes ao grupo de escritores românticos brasileiros. Nota-se, contudo, que os “erros” apontados eram, principalmente, o do uso de termos do léxico presente na fala, não caracterizando, de modo algum, uma falha linguística ou erro.

Se em um primeiro momento, temos a língua indígena como alvo e descentralização de seu valor étnico-cultural e linguístico, nota-se que o falar português é posteriormente centralizado e dividido em dois extremos: o popular e o culto. O popular, como já esperado, seria o falar do uso da língua pelas classes mais baixas e em sua maioria composta por populações marginalizadas, diferentemente do falar culto e embranquecido, com fortes tendências a homogeneidade cultural e linguística.

Esta tendência a homogeneidade cultural e linguística é novamente expressa na “grande imigração” que teve, como um dos maiores objetivos notados dentro texto, o embranquecimento racial da população brasileira. Nota-se também, que o advento dos povos europeus traria consigo o afastamento do falar “atravessado dos africanos”, sobretudo, popular.

No texto é esclarecido que nas últimas décadas foi quando finalmente o Brasil reconheceu-se como um país multilíngue, desconstruindo ainda que lentamente o discurso proveniente da classe burguesa e cheia de “mitos”, sendo um dos principais, o do Brasil monolíngue.

Um ponto interessantíssimo apontado por Faraco, é o processo de estudos de aproximação do português brasileiro ao português europeu. Há linguistas, como menciona o texto, que salientam também a importância da comparação as línguas africanas, isto é, com o português angolano e moçambicano, possuidores de notáveis proximidades e interações linguística. De fato, ainda há um discurso que embranquece não somente o cenário econômico, social e cultural, também embranquece a própria visão e entendimento que temos do estudo da língua. Faraco conclui que a única maneira possível de compreendermos as línguas brasileiras em sua totalidade, seja através da investigação dos impactos que a própria história teve no produto atual do português brasileiro e doutras línguas.

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