‘Virei um falcão’, diz sobrevivente de tragédia de Capitólio que salvou cinco meninos com instinto protetor

“Sou mineira, advogada, tenho 46 anos e moro no Rio há 23. Assim como em outros anos, passei as festas em Belo Horizonte, onde minha família mora. Em janeiro, alugamos uma casa em Escarpas do Lado, um bairro de Capitólio. A ideia era passar uma semana relaxante com a minha mãe, irmãs, cunhados, sobrinhos e amigos.

Tenho dois filhos: Bernardo, de 19, preferiu ir para Búzios, e Felipe, de 14, me acompanhou. O ponto alto seria o tour de lancha pelo Lago de Furnas, passeio que fiz várias vezes durante a adolescência.

A chuva não deu trégua e fomos adiando. Até que no sábado, dia 8 de janeiro, o tempo finalmente estiou. Resolvemos ir. Na lancha, estavam, além de mim, meu filho Felipe, minhas duas irmãs e cunhados, quatro sobrinhos com idades entre 10 e 14 anos, e um casal de amigos com dois filhos nessa faixa etária. Em direção aos cânions, fomos parando. Meia hora teria feito a maior diferença, para o bem ou para o mal.

Isabel durante o passeio, antes do desastre Foto: Reprodução
Isabel durante o passeio, antes do desastre Foto: Reprodução

Depois de 20 minutos ao lado dos cânions, percebi que pedras de cerca de 30 centímetros começaram a se desprender. Estava na proa com três sobrinhos e os dois filhos do casal amigo, e o grupo pediu ao barqueiro para a gente voltar. Já estávamos retornando, quando ouvi berros. Ao me virar, assisti à cena que parecia de filme, a imensa pedra se descolando e caindo. Gritei para o garotos: ‘Fiquem embaixo de mim’. Como um falcão, abri os braços e coloquei os cinco sob o meu corpo. Minha missão era salvá-los.

A lancha afundou e fui sugada por não estar, ao contrário dos garotos, com colete salva-vidas. Ao emergir entre os destroços, meu rosto sangrava. Eu ainda não sabia, mas minha orelha direita e parte da minha face tinham sido ‘arrancadas’. Os meninos não sofreram quase nada (um sobrinho quebrou o braço), assim como irmãs, cunhados e amigos.

Daquele momento em diante, fui amparada por anjos da guarda: a turista Marcilene me tirou da água; ao chegar ao píer, o barqueiro Márcio me levou no seu carro ao hospital; em Passos, fui operada pelo cirurgião plástico Paulo Daher, que me atendeu pelo SUS. Na enfermaria, conheci Viviane. Ela estava se recuperando de uma cirurgia, mas me ajudou de todas as formas.

Levei 200 pontos: cem externos e cem internos, para reconstituir o tímpano e o canal auricular. Sofri uma lesão na cervical e estou andando com uma muleta. Perdi a audição no ouvido direito e farei outra cirurgia em cerca de 20 dias para saber se a surdez é temporária ou permanente. Porém, o maior impacto foi a mudança do meu olhar. A vida é um instante, o depois não existe. O que existe é um agora seguido de outro agora e assim por diante. Costumava falar que não tinha colágeno sobrando para me preocupar com bobagens. Agora, então… Sabe a palavra ressignificar? Faz todo sentido.

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