17 de junho de 2024

Conhecido como homem duro na hora de fazer negócios, empresário Betão é um filantropo

Discreto, empresário mantém casa de acolhimento para pessoas em situação de rua e quer construir abrigo para idosos na cidade

Neila de Nazaré de Souza Soares, uma ex-comerciante da área de venda de confecções, e Francisca Lopes de Souza, uma artesã de mão cheia, ambas acreanas e de 55 anos, não se conhecem. Ou não deveriam se conhecer, mas já são amigas e até dividem tarefas juntas e fazem planos para o futuro, cada uma a seu modo.

Suas histórias, de vidas sofridas, na condição de pessoas em situação de rua e sofrendo todos os tipos de abusos e praticando pequenos crimes para sustentarem o vício e atentados contra a própria saúde, com a ingestão de drogas e até de etanol, combustível destinado ao abastecimento de veículos, mas ingerindo por elas em substituição à bebida alcoólica, têm histórias tão parecidas que parecem que são pessoas iguais.

 Betão almoçando com o filho Junior Betão, amigos e pessoas que tira das ruas/Foto: ContilNet

O mesmo acontece com Werner Ryan da Silva, 33 anos, nascido em Tarauacá, e Aberdaias da Silva Lima, de 27 anos, natural de Manoel Urbano, também de histórias tão parecidas, parecem ter saído do mesmo lugar. A diferença entre ambos é que Werner é solteiro, homossexual assumido, sem filhos, e Aberdaias tem uma companheira, é pai de uma filha ainda criança e, entre seus muitos sonhos, quer vê-la crescida e bem encaminhada na vida, bem diferente do que ele viveu até aqui. Werner sonha em votar a estudar, se formar e mudar de vida.

Werner Ryan da Silva, 33 anos, nascido em Tarauacá/Foto: ContilNet

“Isso não é vida. É o inferno na terra”, define Aberdaias ao exibir autênticas chagas sob o solado dos pés, feridas adquiridas de tanto andar descalço, sobre o asfalto quente das ruas, em busca de droga ou de lixo que possa se transformar em comida para por no estômago e tentar sobreviver ao menos até o dia seguinte.

Aberdaias da Silva Lima, de 27 anos, natural de Manoel Urbano/Foto: ContilNet

Esses quatro personagens, que podem ser a representação de dezenas, talvez até de centenas que vivem em situação de rua no Acre, agora não só se conhecem como vivem juntas, sob o mesmo teto e, no caso de Aberdaias, até curando as dores e feridas nos pés em que caminhava descalço, mesmo sem ter para onde ir, como uma forma de sobreviver.

Aberdaias tem tratado das feridas dos pés/Foto: ContilNet

Aquelas quatro pessoas fazem parte de um grupo de pelo menos outras 30 – um numero variável, porque às vezes diminui ou aumenta – que foram retiradas das ruas e mantidas num abrigo do Bairro Belo Jardim, na periferia da capital, pelo empresário Edilberto Pinheiro Moraes, o “Betão”, um filantropo que não gosta de divulgar suas ações de caridade mas que, ao ContilNet, resolveu abrir o coração e as portas do abrigo, numa bela área onde os ex-pessoas em situação de rua, de ambos os sexos, passam a ter comida – café da manhã, almoço e janta -, assistência médica e psicológica, espiritual e podem até, os que querem, voltar a estudar e saírem dali com o ensino médio completo e com suas vidas transformadas e prontas para recomeçar.

“Betão” conta que, há muito tempo, sempre realizou filantropia de forma discreta, distribuindo sopas à noite em locas onde as pessoas em situação de rua costumam se agrupar, pontos chamados popularmente de “abelhal”. São pontos como os do centro velho de Rio Branco, a partir do chamado Centro Pop, bancado pela Prefeitura Municipal de Rio Branco, na Rua Benjamim Constant (ali próximo à sede da Rádio Difusora Acre). O local dar para a chamada Praça dos Tocos, na frente da Igreja Matriz Nossa Senhora de Nazaré, por isso também chamada de Praça da Catedral.

Nas imediações da Praça está situada, há 30 anos, a Pizzaria e Restaurante A Princesinha, que funciona de dia e noite e gera pelo menos 50 empregos diretos na produção e venda de alimentos. O dono do estabelecimento, o empresário Ramom Vieira, conhecido por “Roberto da Princesinha”, que comercializa a venda de comida em Rio Branco há 42 anos, se instalou ali sem jamais imaginar que um dia passaria pelos perrengues que enfrenta por causa das pessoas em situação de rua que transformaram a praça num dos “abelhais” do centro da cidade. Roberto da Princesinha sempre ajuda os que manifestam o desejo de mudar de vida através de amigos ligados à rede de casas terapêuticas que funcionam na cidade.

“Alguns mudaram de vida e outros acabaram voltando a viver nas ruas”, conta o empresário, cujos negócios, segundo ele, vêm sendo atrapalhados pelas pessoas que se concentram nas imediações de seu estabelecimentos e acabam abordando os clientes. “Uns são violentos, ameaçam e até fazem assaltos. Outros só querem ajuda mesmo, comer alguma coisa para garantir o dia seguinte. A esses eu ajudo. O que a gente não pode é aturar são os bandidos, assaltantes, que se infiltram no meio das pessoas em situação de rua, se fingem de coitadinhos, e acabam cometendo crimes. Esses são perigosos e são verdadeiros casos de polícia”, diz o empresário.

Uma saída, segundo Roberto, para que a praça volte a ser o que foi um dia, um local de contemplação e lazer, diferente do que é hoje, referência e dormitório de quem perdeu tudo na vida, seria a retirada da rua Benjamim Constant das instalações do Centro Pop para um outro local. “Isso já foi tentado por alguns órgãos públicos, como a Prefeitura de Rio Branco, mas o Ministério Público, não permitiu”, conta Roberto.

Foi desse “abelhal” no centro de Rio Branco e de outros pontos da cidade, como que se concentra na área nas mediações do Mercado Elias Mansour, na Cadeia Velha que o empresário “Betão” foi encontrar o que ele chama de “novos amigos”.

Amigos como Neila de Nazaré de Souza Soares, a primeira personagem desta reportagem, uma ex-comerciante de confecções que começou a beber socialmente em companhia do marido, quando moravam no bairro Aviário, e de repente foi aumentando a dose, passando por drogas e cigarros, até ir parar entre as pessoas em situação de rua que se concentram nas imediações do Mercado, na Avenida Epaminondas Jácome, onde, como ela mesmo confessa, aprendeu a fazer tudo de ruim, “até a beber álcool de carro porque o resto não fazia mais efeito”. Agora, sóbria e sob cuidados, ela espera um dia poder voltar a vender confecções ou abrir outro negócio e recuperar a própria vida de antes.

Neila de Nazaré de Souza Soares é ex-comerciante de confecções/Foto: ContilNet

O mesmo acontece com outra amiga de “Betão”, Francisca Lopes de Souza, uma acreana nascida na Vila Juarez Távora, que já fez parte da Comunidade Daimista Cinco Mil, mas acabou enveredando para o álcool e drogas. Agora, também sóbria, sonha em ser jornalista. Comunicativa e alegre, ela leva jeito para coisa.

Neila de Nazaré de Souza Soares e Francisca Lopes de Souza, além dos outros internos da Casa do Belo Jardim abrem sorrisos, ainda que sem dentes, à simples chegada do empresário “Betão” às instalações. De algum jeito eles sabem que “Betão” é quem mantém aquilo ali funcionando com estrutura e conforto dignos que muitos que agora ali vivem jamais tiveram na vida. Ou que tiveram, mas literalmente tocaram fogo no pouco que tinham, como revela o pastor Cleidironilson da Silva de Oliveira, da 38 anos, da Igreja Evangelho de Cristo para as Nações. É ele quem ajuda à equipe de “Betão” a recolher as pessoas na rua e administrar o espaço da casa do Belo Jardim, onde quem estava na rua até poucos dias ou há muito tempo, tem uma nova chance de recuperação.

Francisca Lopes de Souza, uma artesã de mão cheia/Foto: ContilNet

“Nós temos uma pequena horta, plantamos, nos reunimos para orar e até quem frequente as aulas. Vem um professor da Secretaria de Educação dar aula aqui a pedido do senhor Betão, que conseguiu isso através de um convênio. Muitos que estão aqui e voltam a estudar, agora dizem que não querem mais parar”, diz o pastor, ele próprio egresso do presídio estadual, por homicídio, crime que ele diz ter cometido em legítima defesa, na época em que o agora coordenador também mexia com drogas.

Histórias não muito diferentes das vividas pelas pessoas que ele ajuda a coordenar no espaço mantido pelo empresário. Por isso, ao simples anúncio da visita do empresário ao local é motivo de alegria. Pessoas de banho recém-tomados, com roupas limpas e cheirando a guardadas, com elas próprias exalando cheiros de lavandas, vêm à porta receber o visitante com abraços e sorrisos, ainda que muito não tenham mais dentes. Homens e mulheres como que encantadas, rodeando seu bem feitor, como crianças o fazem ao receberem presentes de um adulto. Em momentos como aqueles, pessoas que beijaram o chão do inferno, voltam a ser crianças de novo e o empresário “Betão”, de 72 anos, conhecido pela sisudez em seus negócios, recorre aos óculos escuros para esconder ou disfarçar uma pequena lágrima de emoção.

Pastor Cleidironilson da Silva de Oliveira, da 38 anos, que ajuda a administrar o abrigo/Foto: ContilNet

A alegria dos internos ocorre porque eles sabem que “Betão” nunca vai ali de mãos abanando e sempre deixa algo para aquela gente comer, beber, para um cobertor ou uma rede ou uma cama a mais. O empresário se emociona porque, segundo ele, aprendeu a filantropia e a caridade lá atrás, na juventude, com sua mãe, dona Maria Cleomar Medeiros de Moraes, falecida há três anos, aos 86 anos de idade.

Em sala de aula, Betão ao lado das pessoas que deixaram as ruas para morar no abrigo/Foto: ContilNet

“Ela era muito religiosa, católica fervorosa, e começou a fazer caridade na Igreja e passou isso para toda a família”, diz o empresário. “Eu me sinto bem em ajudar às pessoas que precisam. Um dia desses, eu estava na rua quando um homem bateu no meu ombro e disse: seu Betão, se não fosse o senhor, eu estava preso, morto ou na rua comendo lixo. Aquilo me encheu de satisfação ao saber que, na minha vida, ajudei uma pessoa a se reencontrar, como me ensinou minha mãe”, disse o empresário.

Como todo filantropo que se preze, “Betão” não revela os gastos mensais com a casa que mantém no Belo Jardim. Diz que os gostos, que não são poucos, saem de suas próprias economias e admite que, com seu exemplo quer incentivar outros empresários ou pessoas que tenham posses, a fazerem o mesmo que ele. “Se as pessoas soubessem o quanto é bom ajudar a que precisa, talvez não houvesse tanto sofrimento em nossas ruas”, disse.

Por isso, ele revela, seu próximo investimento na área da caridade é a construção de um abrigo para acolher pessoas idosas que sofrem maus tratos dos familiares ou que não têm um lar. “A gente sabe que há na cidade o Lar dos Vicentinos, mas parece que já não é suficiente e vamos investir nisso”, revelou.

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