Tragédia de Brumadinho: seis anos depois, familiares das vítimas ainda cobram prisão dos responsáveis

Mais de 2.000 dias depois do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, processo ainda se arrasta e ninguém foi preso

A tragédia socioambiental da Vale, em Brumadinho, na Grande BH, completa seis anos neste sábado. No dia 25 de janeiro de 2019, às 12h28, dos 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério que estavam depositados na mina do Córrego do Feijão, cerca de dez milhões vazaram da estrutura que entrou em colapso.

Tragédia em Brumadinho completa seis anos neste sábado/Foto: Reprodução

Especialistas apontam que os rejeitos atingiram uma velocidade de quase 100 km/h. Os restos da mineração destruíram tudo o que encontraram pela frente: o restaurante da mineradora, caminhões, carros, casas, pontes e áreas de vegetação. Com sirenes que falharam e não tocaram, a lama provocou a morte de 270 pessoas, sendo que duas vítimas estavam grávidas. Apesar disso, o inquérito da Polícia Civil não contabiliza os bebês, que estavam em fase de gestação, como vítimas.

A reportagem da Itatiaia foi a primeira a chegar à comunidade do Córrego do Feijão, quando vítimas ainda estavam sendo resgatadas por moradores com a ajuda de cordas e, depois, salvas por helicópteros do Corpo de Bombeiros.

Dor e indignação

A Itatiaia voltou a Brumadinho para conversar com os familiares das vítimas. Entre eles, o sentimento é de indignação. Os atingidos clamam por justiça. Mais de 2.000 dias se passaram, o processo ainda se arrasta na justiça e ninguém está preso por responsabilidade na tragédia.

Júlia Silva de Jesus, de 62 anos, perdeu o filho. Walaci Junior Cândido da Silva tinha apenas 25 anos e trabalhava como auxiliar de serviços gerais em uma empresa terceirizada da Vale. “Muita raiva, é uma mistura. A gente carrega uma indignação dessa perda, porque a gente não estava preparada para isso. É uma coisa muito ruim que nós ainda carregamos, principalmente eu, como mãe. A dor é a mesma, o sofrimento é o mesmo, as lutas são as mesmas. E a gente fica mais indignada, porque nesse Brasil não tem justiça”.

A dona de casa Iracema Dias de Oliveira estava esperando o marido voltar do trabalho naquela sexta-feira para aproveitarem, juntos, a folga no final de semana. Eliandro Batista, de 36 anos, também trabalhava em uma prestadora de serviço da mineradora. “Tinha três meses que ele estava na empresa, e três meses que ele tinha realizado o sonho dele de pegar o diploma. E o sonho virou um pesadelo na minha vida, na vida de todos nós, né? Na vida de Brumadinho, da família. Virou um pesadelo, a vida dele foi tirada brutalmente, sem direito de defesa, sem direito de respirar, sem direito de despedir”.

Nayara Porto perdeu o marido, Everton Lopes Ferreira, de 32 anos. Ele estava guardando as economias para realizar o sonho de ver a filha vestida de rosa em uma festa de 15 anos. Nayara transformou a saudade e a revolta em luta por justiça. Presidente da Associação de Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão – Brumadinho (Avabrum), ela é a voz que representa os familiares das vítimas. “É uma indignação enorme. É um mix de emoções, né? E, assim, infelizmente não tem alegria nessas emoções. É raiva, é ódio, é indignação, é tudo que você pode imaginar. Porque pensa, seis anos se passaram, nós estamos presos, os nossos estão debaixo da terra. E quem realmente poderia ter feito algo diferente e não fez, optou por matar, está livre”.

Novo cenário em Córrego do Feijão

A reportagem também foi à comunidade do Córrego do Feijão, uma das áreas mais afetadas pela lama. Antes do rompimento, mais de 300 famílias moravam no local com raízes rurais. Evitando conviver com as lembranças do rompimento, muita gente foi embora. Hoje, apenas cerca de 100 familiares permanecem na comunidade.

É possível perceber muitas mudanças. Uma praça nova foi construída, outras intervenções foram feitas. Apesar disso, em alguns momentos, a comunidade parece deserta.

“As pessoas que hoje estão lá é porque ainda resistem, não querem largar lá, não querem sair de lá. Mas a maioria já foi embora, a Vale comprou muitas casas. Se você passa lá, você vê. A maioria das casas é propriedade particular da Vale. Então, hoje não existe Córrego do Feijão mais. Hoje existe uma outra cidade, um outro lugarejo descaracterizado. Mas não posso considerar que ali é aquele lugar pacato, gostoso, onde as pessoas tinham prazer de viver. Não é mais”, lamentou a presidente da Avabrum.

Vale destaca ações de reparação

A diretora de reparação da Vale, Gleuza Jesué, por sua vez, destaca as ações de reparação da mineradora após a tragédia. “Como panorama geral, eu acho que nós podemos dizer que já promovemos e implementamos vários projetos aqui, que efetivamente já estão permitindo uma melhoria da qualidade de vida de pessoas, de comunidades. Isso é fundamental. Melhorias de infraestrutura”, disse.

“Saúde, por exemplo, é um item que eu gosto de destacar porque é fundamental você ter um local específico e apropriado para atendimento das pessoas. Agricultura também já avançamos bastante em termos do fomento econômico, do turismo em Brumadinho. Nós estamos, por exemplo, implementando agora também o centro industrial aqui em Brumadinho, que é outro pilar de atividade econômica que vai ajudar no restabelecimento de arrecadação de impostos. E, nos demais municípios, várias outras ações que vêm, de fato, contribuindo para a melhoria da qualidade das pessoas”, acrescentou a representante da mineradora.

Bombeiros seguem trabalhando

Os Bombeiros já vistoriam 88% dos rejeitos. A área atingida é de 300 hectares, equivalente a uma área de 300 campos de futebol.

Com ajuda de maquinário pesado, as buscas dos militares são realizadas sete dias por semana, em turnos de 12 horas. Não há previsão de quando os Bombeiros vão encerrar os trabalhos.

Seis anos após o rompimento, três vítimas permanecem desaparecidas.

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