Projeto de Bolsonaro está correto? Saiba como funciona a legítima defesa no Brasil

Inicialmente cabe destacar que este artigo não é sobre política, tampouco sobre as eleições de 2018. Portanto a intenção do texto não é não convencer o leitor a votar ou deixar de votar no candidato “A” ou “B”.

Posto isso, o objetivo aqui é tentar explicar como funciona atualmente a legítima defesa dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Afinal, um dos projetos do deputado Jair Bolsonaro, pré-candidato à presidência da República, pretende alterar dispositivos no Código Penal referentes a esse excludente de ilicitude.

Qual são as propostas de Bolsonaro?

Segundo várias entrevistas do pré-candidato, as propostas de alteração no código penal referentes à legítima defesa são as seguintes:

https://www.youtube.com/watch?v=HmVAr5Hj428

Pois bem, essa não foi a única vez em que o deputado afirmou que pretende estender a legítima defesa também ao patrimônio, pois, segundo ele, atualmente só existiria legítima defesa da vida. Os projetos de lei citados no vídeo são os PL-7104/2014 e PL-7105/2014, que visam também retirar a figura do “excesso punível” do código penal.

A Legítima Defesa é apenas da vida?

Seria preciso modificar o Código penal para que seja possível a legítima defesa do patrimônio? Hoje só existe legítima defesa da vida? Vejamos o que diz a Lei:

Legítima defesa

Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando MODERADAMENTE DOS MEIOS NECESSÁRIOS, repele injusta agressão, atual ou iminente, a DIREITO seu ou de outrem.

Partindo da análise do texto da lei, depreende-se que a legítima defesa é, na verdade, de DIREITO seu ou de outrem. Sendo assim, por direito pode-se entender tanto a vida, quanto a propriedade.

Porquanto apresentar projeto para que seja incluída a legítima defesa da propriedade é querer acrescentar algo que já existe dentro do Código Penal! Então essa mudança legislativa não faz o menor sentido, mas e quanto a revogar a “figura do excesso”?

O que é crime?

Neste ponto é necessário explicar brevemente o que são excludentes de ilicitude. Pois bem, dentro da teoria do Direito Penal, a definição de crime mais aceita é a de se trata de uma conduta humana que seja típica, antijurídica e culpável.

Conduta típica é aquela descrita em algum tipo penal, ou seja, tem que ter uma lei dizendo que fazer aquilo é crime. Esse elemento leva em consideração quem cometeu o ato, quem foi a vítima e qual era a intenção de quem cometeu. Certas condutas só são crimes se a pessoa queria mesmo fazer aquilo, exemplo: dano.

Além de estar descrita como crime, essa conduta precisa ser também ilícita para ser considerada crime. Porque existem situações onde a lei dá permissão para que as pessoas comentam certos atos. Por exemplo, não é permitido qualquer pessoa chegar e a abrir a barriga de outra usando um bisturi, mas o médico quando vai realizar uma cirurgia está autorizado a fazer isso.

Diante disso, existem condutas ilícitas descritas em lei, mas situações específicas nas quais é possível cometer esses atos sem cometer crime, a essas exceções o ordenamento jurídico dá o nome EXCLUDENTES DE ILICITUDE. Quais são os que existem no Brasil? O Art. 23 do Código Penal tem a resposta:

Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade

II – em legítima defesa

III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito

Excesso punível

Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

As propostas de Bolsonaro visam justamente excluir do ordenamento o parágrafo único do Art. 23. Deixando de punir o excesso doloso em algumas dessas situações em que a lei permite, por exemplo, matar outra pessoa. O abririam margem também para deixar de punir eventuais excessos no estado de necessidade, no estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Vingança x Defesa

Aqui é necessário diferenciar o que é se defender de um agressor e o que é se vingar. A legítima defesa é permitida, mas o ordenamento não admite a vingança. É aqui onde entra a figura do MEIO NECESSÁRIO.

O que seria um meio necessário para que se faça cessar uma injusta agressão? Ora, simplesmente aquilo que não for desnecessário! Em nenhum lugar do Direito Brasileiro está determinado que só é “permitido dar dois tiros”. Os crimes dolosos contra a vida são de competência do Tribunal do Júri, onde 7 jurados decidirão se aquele caso concreto foi de legítima defesa.

Tudo depende da situação, acredito que não seja possível determinar o que seria um meio necessário que sirva para cessar qualquer agressão. Entretanto, devido ao calor do momento, às vezes a pessoa que está sofrendo a agressão injusta não consegue ter moderação e acaba não só se defendendo, mas também se vingando e continuando a cometer atos mesmo após a ameaça estar neutralizada.

Os atos de vingança são puníveis, pois não se pode institucionalizar atos de violência além daqueles que sejam para se defender. De acordo com o promotor de Justiça Vinícius Menandro Evangelista, que ministra aulas de Direito Penal na Universidade Federal do Acre:

“No tocante ao requisito da reação moderada, intrínseco na legítima defesa, eventual exclusão pode dar margem a abusos e incompatíveis com o ordenamento pátrio! Se a agressão já está dominada, não há porque legitimar a continuidade de uma reação desproporcional! O Estado de Direito não pode coadunar com os excessos”, afirma o professor.

Diante disso, essas propostas de Bolsonaro pretendem incluir algo que já existe e excluir algo que não pode sair. Mesmo assim, é inegável que os números da violência no Brasil são alarmantes e que é difícil cobrar uma postura moderada dos cidadãos de bem diante desta situação. Contudo, já existem mecanismos dentro do ordenamento jurídico que podem garantir que boas pessoas bem-intencionadas não sejam punidas.

Inexigibilidade de conduta diversa

Conforme mencionado anteriormente, além de ser tipificado e antijurídico, para uma situação ser considerada crime também é necessário que esse fato seja culpável para que seja punível. Determinar que a pessoa que cometeu a ação ou omissão era capaz de responder penalmente pelo ato leva em consideração a idade do agente (se é maior de idade, por exemplo) e as condições psíquicas dele na hora em que cometeu situação descrita como crime (se tem capacidade mental para responder pelos atos que cometeu).

Além da maioridade penal e das faculdades mentais de quem cometeu o ato, a análise da culpabilidade deve considerar que existem outras situações nas quais uma conduta pode estar isenta de responsabilização penal. Inserida dentro do contexto da legítima defesa, está a inexigibilidade de conduta diversa, que é uma situação em que, dado o calor do momento, não era possível exigir moderação da pessoa que sofria uma injusta agressão.

A inexigibilidade de conduta diversa é uma causa supralegal para exclusão da culpa, ou seja, não está na lei, mas é uma construção jurisprudencial e teórica. Pode até não evitar todas as injustiças, mas desenvolver melhor esse excludente de culpabilidade dentro da legislação brasileira, na minha opinião, é muito mais prudente que excluir a figura do excesso.

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