24 de abril de 2024

Após morte, família descobre que idosa foi tratada com nebulização de hidroxicloroquina sem autorização

A filha de uma idosa de 71 anos, que morreu em decorrência de complicações da Covid-19, descobriu que a mãe foi tratada com nebulização de hidroxicloroquina em uma unidade de saúde de Itacoatiara, distante 270 quilômetros da capital. Após mais de um mês internada, a mulher chegou a ser transferida para atendimento em Manaus, onde ficou três dias, mas não resistiu.

A filha, que não quer se identificar por se tratar de uma cidade pequena, afirma que não houve autorização da família para esse tipo de tratamento e só descobriu que a idosa recebeu o medicamento após pedir o prontuário médico. O caso foi denunciado para a polícia.

Em nota ao G1, a Secretaria de Saúde do Amazonas informou que “não compactua com a prática de qualquer terapêutica experimental sem comprovação científica. Ao tomar conhecimento, a SES-AM encaminhou ofício ao município solicitando que abra processo administrativo para apurar o caso, tendo em vista que Itacoatiara tem gestão plena em saúde e irá acompanhar o processo.”

A reportagem também tenta contato desde a tarde de domingo, por telefone, com o delegado responsável pelo caso, com o prefeito do município para mais detalhes sobre o ocorrido e com a equipe médica responsável pela aplicação do medicamento, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Prescrição de nebulização de hidroxicloroquina a paciente internada em Itacoatiara, em Manaus — Foto: Reprodução

Prescrição de nebulização de hidroxicloroquina a paciente internada em Itacoatiara, em Manaus — Foto: Reprodução

A idosa deu entrada no Hospital Regional José Mendes, em Itacoatiara, no dia 6 de fevereiro. Segundo a filha da paciente, a mãe apresentou sintomas da Covid-19 e, até então, o estado de saúde dela não parecia tão grave.

Os parentes a levaram para o hospital, onde ela realizou um exame de raio-x. A família disse que foi a única vez que o hospital fez esse procedimento na paciente. Para os familiares, os médicos alegaram que a idosa estava com pneumonia, que a doença precisava ser tratada no hospital e que o tratamento duraria apenas 15 dias. No entanto, todo o processo durou um mês e 7 dias, até o falecimento da idosa em Manaus.

A filha disse ao G1 que tentou transferir a idosa para um hospital particular em Manaus. No entanto, em Itacoatiara, não houve autorização dos médicos, que disseram aos familiares que se tratava de uma paciente idosa, com pressão alta e problemas cardíacos.

“Um dos médicos falou que ela tinha que se tratar ali mesmo, em Itacoatiara, pois não tinha condições de ir para Manaus. Mas vimos que o caso dela somente piorava”, disse a filha.

“Eu só me atentei sobre a questão desse medicamento quando eu assisti a uma reportagem falando sobre o uso da hidroxicloroquina, a inalação e quais eram os sintomas que a pessoa sentia, o que provocava isso. Eu me lembrei exatamente de como a minha mãe ficou no hospital. Eles faziam a inalação, mas apenas diziam que era inalação, não falavam com o que era feito a inalação. Falavam que ela tinha que fazer inalação com a máscara de bipap, que iria ajudar o pulmão dela, mas em nenhum momento foi nos informado com o que era feito essa inalação”

O quadro de saúde da idosa se agravou. A família, após muita insistência, conseguiu a transferência dela para o Hospital Delphina Aziz, em Manaus. A paciente foi diretamente para a UTI, onde ficou três dias e faleceu no dia 13 de março.

Após a morte, a família conta que pediu o prontuário médico completo da idosa.

Para a filha, um médico chegou a dizer que batimento cardíaco acelerado era reação “normal” durante o tratamento e que “provavelmente, a paciente estava problema psicológicos, como ansiedade”.

 

“O médico me disse: ‘Isso é normal, é por causa da máscara, é super normal. Ela está bem, ela é uma incógnita para gente’. Era o que ele me falava. Mas eu vi a minha mãe com presença de sangue na urina e pensei: ‘isso não está certo, o que está acontecendo?’. E insistiam em dizer que estava tudo normal”, contou a filha.

Com o prontuário e o alerta na reportagem, a filha decidiu olhar novamente o documento do hospital assinado por médicos.

“Eu nunca me conformei com o estado em que ela ficou, e pelo fato de eu não ter uma resposta do que estava acontecendo com ela. Aqui não tem boletim médico, não explicam como está o paciente, e você ver o paciente morrendo no leito. Foi quando eu resolvi pedir a cópia do prontuário. Olhei o prontuário, vi que em vários dias teve a inalação com hidroxicloroquina, em torno de 10 dias mais ou menos”, contou.

A denúncia foi feita no dia 23 de abril, última sexta-feira. A filha disse que vai aguardar a investigação policial e vai solicitar ajuda ao Ministério Público do município.

Casos em Manaus

Segundo a Secretaria de Saúde do Amazonas, pelo menos outras duas pacientes com Covid-19 foram submetidas a nebulização com hidroxicloroquina em uma maternidade em Manaus, em fevereiro, sendo que uma delas morreu. A Polícia Civil investiga a denúncia de que pelo menos três mulheres grávidas morreram após a nebulização.

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), vinculada ao Ministério da Saúde, informou que considera o tratamento realizado com cloroquina nebulizada em pacientes internados com Covid-19 em Manaus um experimento clandestino e sem autorização legal. Em nota, o órgão faz menção indireta às pesquisas com cobaias no nazismo.

Prescrição de nebulização de hidroxicloroquina para paciente internada em Itacoatiara, no Amazonas — Foto: Reprodução

Prescrição de nebulização de hidroxicloroquina para paciente internada em Itacoatiara, no Amazonas — Foto: Reprodução

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