Há 60 anos, ex-governador José Augusto era forçado a renunciar sob ameaça de metralhadoras

Comandante local do Exercito, Edgar Pedreira de Cerqueira, golpearia a democracia para se tornar governador eleito indiretamente pela Assembleia Legislativa

Há 60 anos, numa sexta-feira ensolarada do dia 8 de maio de 1964, menos de um mês da derrubada do presidente João Goulart da presidência da República pelo golpe militar que ficaria 20 anos no poder do país, o governador do Acre, José Augusto de Araújo, então com 33 anos, era forçado a renunciar ao mandato em carta enviada à Assembleia Legislativa do Estado do Acre, então composta por nove deputados.

Governador José Augusto de Araújo discursa em frente ao Palácio Rio Branco; com a ditadura militar e uma manobra dos deputados estaduais, ele foi deposto do cargo/Foto: Domínio Público

Embora o Partido do governador tivesse a maioria dos votos, um total de cinco parlamentares eleitos pelo PTB, mesmo Partido de José Augusto, a renúncia do governador foi aprovada por oito votos – o deputado Nabor Júnior se ausentou da votação alegando dores intestinais.

A renúncia forçada foi uma manobra do capitão do exército Edgar Pedreira de Cerqueira Filho, então com 26 anos, que havia chegado ao Acre, no ano anterior, para comandar o quartel do 4º BEF (Batalhão Especial de Fronteira), no Acre. Em entrevista exclusiva ao ContilNet, no mês passado, a ex-governadora Ioalanda Fleming, que na época era esposa de um dos deputados do PTB, Geraldo Fleming, que também era capitão do Exército e atuava sob o coando de Cerqueira, revelou que seu marido chegou a ser sondado para o golpe contra José Augusto, mas não aceitou.

Governador José Augusto ao lado da esposa Maria Lúcia (Foto: Acervo histórico do Museu Universitário da Ufac)

“Se eu fiz isso, minha mulher me deixa”, teria dito Fleming ao comandante, referindo-se à Iolanda, que depois seria vereadora, deputada estadual, vice-governador e a primeira mulher da história a governar um Estado da Federação Brasileira.

Como Fleming não toara a aventura, o próprio Cerqueira comandou a invasão à sede da Assembleia Legislativa, que funcionava de forma provisória nas dependências do prédio da escola normal, em Rio Branco, onde hoje está situada a Biblioteca Pública “Adonay Santos”, que era um dos cinco deputados do PTB e que votaram pela renúncia de José Augusto. A viúva do governador deposto, a ex-deputada Maia Lúcia de Araújo revela que, na verdade, assim como fizera João Goulart ao ser deposto da presidência, seu marido não quis resistir temendo derramamento de sangue dos acreanos. Afinal, os homens de Cerqueira, incluindo ele próprio, cercaram o local onde estavam reunidos os deputados armados de metralhadoras. Testemunhas da época chegaram a relatar que alguns dos militares, incluindo o próprio Cerqueira, pareciam alcoolizados, já que haviam passado a noite anterior ingerido bebida no clube dos oficiais do quartel.

O ataque a José Augusto foi feito após uma campanha criminosa nos bastidores da política com informações mentirosas, que hoje são chamadas de “Fake News”, de que o então governador acreano, o primeiro eleito pelo voto popular na história do recém-criado Estado do Acre, em 1962, estava realizando um governo com pautas comunistas e que estaria inclusive tentando algum tipo de resistência aos militares na Amazônia. As Fake News da época também incluíam denuncias de que o governo de José Augusto estava envolvido com corrupção, o que nunca foi comprovado.

Ex-governador José Augusto de Araújo/Foto: Reprodução

De acordo com Maria Lúcia de Araújo, para marcar sua posição histórica em relação à renúncia, na carta enviada à Assembleia, José Augusto de Araújo assinou o documento colocando apenas JA, as iniciais de seu nome.

Assim que o cargo de governador do Acre foi declarado vago, numa época em que não existia a figura do vice-governador, o próprio Edgar Pedreira de Cerqueira exigiu que a Assembleia o elegesse de forma indireta e assim permaneceu na condição de governador do Acre até a posse de outro governador indireto, o xapuriense Jorge Kalume, em 1966.

José Augusto rumou com a família para o Rio de Janeiro, onde passou a responder a inquéritos sobre denúncias de corrupção. Teve cassado os seus direitos políticos e a cada vez que era chamado a prestar depoimento aos militares que o humilhavam a serviço do novo regime, o ex-governador morria um pouco, lembram seus familiares – além da viúva Maria Lúcia, ele era pai da procuradora do Estado, Nazaré Lambert de Araújo, e do engenheiro civil Ricardo Araújo, o atual diretor no Acre do Dnit.

Ex-vice-governadora do Acre, Nazaré Araújo é filha de José Augusto/Foto: Reprodução

Abatido, desgostoso com os rumos do país, o idealista José Augusto de Araújo tornou-se um homem sofrido e acabou sofrendo vários infartos, até morrer por problemas no coração em 3 de maio de 1971.

A cassação de seus direitos políticos foi suspenso por decisão da Assembleia Legislativa do Acre, a mesma que o obrigou a renunciar, em maio de 2014. O primeiro governador constitucional da história do Acre foi reabilitado historicamente.

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