O universo profissional, frequentemente considerado como um segundo lar, revela uma face obscura que afeta não apenas a eficiência laboral, mas, acima de tudo, a dignidade humana. O assédio moral, uma chaga que permeia incontáveis relações de trabalho, desenha um quadro preocupante nas dinâmicas cotidianas das organizações, deixando cicatrizes profundas na saúde física e mental dos trabalhadores. Nesse contexto, é imperativo explorar as nuances desse fenômeno, compreender suas implicações legais e, sobretudo, buscar soluções eficazes para erradicar esse problema complexo e multifacetado.
O assédio moral, conforme delineado nas leis brasileiras, surge como um comportamento abusivo que atinge a esfera psicológica do indivíduo. Desde violência verbal até a imposição de condições de trabalho degradantes, esse fenômeno assume diversas formas, sendo passível de enquadrar-se em crimes como lesão corporal, calúnia, difamação, injúria, constrangimento ilegal ou ameaça, segundo o Código Penal. Entretanto, apesar dessa estrutura legal, há lacunas significativas no tratamento específico desse problema, evidenciando a urgência de uma abordagem mais efetiva no cenário jurídico.
No âmbito penal, a legislação brasileira carece de dispositivos específicos para combater o assédio moral de maneira abrangente. O Projeto de Lei 4.742/2001, que aguarda aprovação, propõe a inclusão do artigo 146-A no Código Penal, visando punir aqueles que depreciarem repetidamente a imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado, colocando em risco sua saúde física ou psíquica. No entanto, a demora na aprovação dessa lei evidencia a urgência de uma abordagem mais efetiva na esfera legal.
No cenário do direito do trabalho, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), embora não apresente dispositivos específicos para o assédio moral, reserva espaço para situações que podem ser interpretadas como tal. O artigo 483, por exemplo, possibilita a rescisão do contrato de trabalho quando o empregador trata o empregado com rigor excessivo, violando a integridade psicológica do trabalhador. Contudo, é inegável a necessidade de uma legislação mais robusta e abrangente, capaz de abordar diretamente o assédio moral em todas as suas nuances.
A ausência de uma legislação específica não deve ser interpretada como licença para que o assédio moral prolifere nos ambientes de trabalho. É fundamental reconhecer que o dano causado por esse tipo de comportamento vai além do âmbito legal. Estamos diante de um problema que compromete a saúde mental e emocional dos trabalhadores, afetando não apenas o indivíduo diretamente envolvido, mas reverberando em toda a equipe e, por extensão, na produtividade da empresa.
O perfil do assediador é multifacetado, e muitas vezes, a hierarquia de poder é um fator comum entre esses perpetradores. Contudo, não se trata de uma regra absoluta. O assédio moral pode ocorrer em diversas formas: vertical descendente, horizontal, mista ou vertical ascendente. Essa diversidade de manifestações torna ainda mais complexa a criação de mecanismos eficazes de prevenção e punição.
A complexidade do assédio moral exige uma abordagem que vá além do enquadramento legal. É preciso fomentar uma cultura organizacional que repudie qualquer forma de assédio, promovendo ambientes de trabalho saudáveis e respeitosos. Nesse sentido, as empresas têm um papel crucial na implementação de políticas internas que visem coibir o assédio moral, oferecendo canais eficazes para denúncias e promovendo a conscientização de todos os colaboradores. A conscientização, aliás, é uma ferramenta poderosa na luta contra o assédio moral. Iniciativas de treinamento e sensibilização podem contribuir para a identificação precoce de comportamentos abusivos e para a promoção de relações interpessoais saudáveis no ambiente de trabalho. Além disso, é essencial que os gestores estejam atentos aos sinais de assédio, intervindo de maneira proativa para coibir práticas prejudiciais.
Outro ponto fundamental é a criação de mecanismos externos e independentes para lidar com denúncias de assédio moral. Muitas vítimas hesitam em denunciar seus agressores por receio de represálias ou pela falta de confiança nos processos internos das empresas. A existência de canais externos, como ouvidorias independentes, pode proporcionar um ambiente mais seguro para que as vítimas se manifestem, contribuindo para a responsabilização dos agressores.
Além das soluções mencionadas, é importante que o poder público desempenhe seu papel na promoção de políticas públicas que visem combater o esse problema que é visceral. Incentivar a pesquisa e a produção de dados sobre o tema, bem como fomentar a criação de órgãos fiscalizadores, são medidas que podem contribuir significativamente para a erradicação desse problema. É indispensável considerar também o papel das instituições de ensino na formação de profissionais e gestores conscientes da gravidade do assédio moral. Introduzir o tema nos currículos acadêmicos e promover a discussão nas empresas durante programas de treinamento pode contribuir para a prevenção desde o início das carreiras profissionais.
Em suma, o combate ao assédio moral no ambiente de trabalho demanda uma abordagem holística, envolvendo esferas legal, empresarial, educacional e governamental. A urgência desse enfrentamento se reflete não apenas nas estatísticas, mas nas vidas impactadas por esse flagelo. É chegada a hora de não apenas discutir, mas de agir de forma contundente e eficaz. O respeito à dignidade humana deve ser o alicerce sobre o qual construímos nossas relações profissionais, e a erradicação do assédio moral é um passo crucial nesse caminho rumo a ambientes de trabalho mais saudáveis e produtivos.
10 Exemplos de comportamentos que podem ser caracterizados como assédio moral:
- Elevação da voz ou comunicação desrespeitosa, algo que, além de gerar desconforto, pode afetar negativamente a saúde emocional no ambiente profissional;
- Críticas à vida particular do trabalhador, uma prática que vai além dos limites profissionais;
- Aplicação de castigos humilhantes, como punições constrangedoras;
- Imposição de tarefas inatingíveis ou prazos irrealistas, criando um ambiente de pressão constante, o que pode resultar em estresse e ansiedade;
- Sobrecarga de trabalho ou retirada de responsabilidades, levando a sentimentos de desvalorização e incompetência;
- Propagação de boatos prejudiciais, afetando a reputação e o equilíbrio emocional do colaborador;
- Isolamento físico, uma prática que pode gerar solidão e impactar negativamente o bem-estar psicológico;
- Manipulação de informações, prejudicando a execução das tarefas e gerando frustração
- Restrição do acesso ao banheiro, uma prática que, além de desrespeitar a individualidade, pode impactar a saúde física;
- Estímulo à vigilância entre colegas, fomentando desconfiança e minando a cooperação e a solidariedade no ambiente de trabalho, entre outras inúmeras formas de assédio.
*Advogado, membro da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/AC.