Força-tarefa ignora recesso de Natal e trabalha para atender denúncias contra João de Deus

A força-tarefa do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) que apura denúncias contra João de Deus segue trabalhando mesmo durante o recesso de Natal para atender às mulheres que relatam terem sido abusadas por ele ao procurá-lo para tratamento espiritual. Segundo a promotora Gabriella Clementino, o órgão se preocupa em acolher essas vítimas e tem até o próximo domingo (30) para protocolar a primeira denúncia contra o investigado, que está peso. O médium nega todas as acusações.

“As vítimas nos procuram angustiadas para falar o quanto antes. Não querem mais conviver com algo velado pelo medo. A gente se sente na obrigação de acolhê-las”, disse a promotora. Ainda conforme Clementino, o momento é considerado propício para colher esses depoimentos. “A nossa preocupação, o que nos move a trabalhar nesse período, é acolher as vítimas nesse momento que em que estão se sentindo encorajadas a falar sobre o que aconteceu. Todo esse momento das vítimas falando, de divulgação, as incentiva a vir relatar”, completou.

João de Deus/Foto: Reprodução

A promotora contou ainda que as mulheres que vão ao MP-GO denunciar os abusos são ouvidas na presença de uma psicóloga. Ela disse que, após os depoimentos, elas são encaminhadas para atendimento psicológico no SUS para iniciarem, se desejarem, tratamento terapêutico. Conforme as denúncias, os abusos ocorriam dentro da Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, Goiás. O espaço existe há 45 anos e é onde o médium fazia os atendimentos espirituais.

Clementino contou que muitas mulheres que procuram o MP contaram que foram abusadas quando estavam em uma situação de vulnerabilidade. “É assustador, mas essa questão de buscar vítimas vulneráveis seria no sentido de procurar pessoas que não iriam reagir nem no momento em que a violência acontecia nem depois. Muitas eram pessoas que teriam algum descrédito social, por terem alguma dificuldade mental ou alguma doença”, afirmou.

O promotor Luciano Miranda, que também faz parte da força-tarefa do MP-GO, avaliou as semelhanças nos depoimentos registrados e comentou que as vítimas se sentiam impotentes para falar sobre os casos. “O investigado usava da fragilidade das vítimas. Ele usava disso somado à irreverência da pessoa dele e isso nulificava a possibilidade de resistência”, afirmou. Titular da Delegacia Especializada no Atendimento a Mulheres (Deam) da Região Central de Goiânia, a delegada Ana Elisa Martins disse que não há um perfil padrão de vítimas, mas todas eram mulheres em situação de vulnerabilidade.

“Ele tinha à disposição uma enormidade de pessoas em busca de socorro, que buscavam ajuda e entendiam que naquela pessoa [João de Deus] estava alguém que fosse salvá-las. Por oportunismo, ele cometeu as práticas de abuso sexual”, disse Ana Elisa. O também membro da força-tarefa do MP-GO, Thiago Galindo, disse que os relatos das mulheres que se sentiram abusadas por João de Deus ajudam a formar um perfil do investigado.

“Ele não tinha parcimônia para atacar vítimas com doenças sérias, alimentando ainda mais o desespero delas”, completou.

Depoimentos

Várias mulheres acusaram o médium de abusos sexuais. Os depoimentos de algumas delas foram veiculados nos programas Conversa com Bial, Jornal Anhanguera e Fantástico. Uma das mulheres que relatou ter sido vítima do médium contou que foi abusada cerca de 20 vezes entre 2009 e 2010. A entrevista exclusiva dela foi veiculada pelo Fantástico neste domingo (23). Ela mostrou os registros que fez da época em um diário.

Outra mulher que contou ter sido abusada por João de Deus foi a engenheira Gleice Lima. Ela disse que chegou a ser ameaçada por ele, que o viu escondendo uma arma certa vez e que acredita que ele lucrava com garimpos ilegais.

Prisão e investigação

João de Deus está preso desde o dia 16 de dezembro, quando se entregou à Polícia Civil. Ele tem dois mandados de prisão: um por suspeita de abusos sexuais contra mulheres e outro por posse ilegal de arma de fogo, que foram descobertas na casa dele, junto com R$ 1,6 milhão, medicamentos e pedras preciosas.

Segundo a Polícia Civil, os armamentos não têm registro e um deles está com a numeração raspada. Além disso, João de Deus não tem permissão para posse de arma. A defesa de João de Deus, que sempre negou as acusações de crimes sexuais, criticou a decretação das buscas e prisão por posse ilegal de arma.

O médium já prestou depoimento à Polícia Civil de Goiás, mas deve ser ouvido novamente pela própria corporação e pelo MP-GO. O órgão pretende realizar o interrogatório do médium nesta semana e, em seguida, denunciá-lo. João de Deus foi indiciado por violência sexual mediante fraude no primeiro inquérito fechado pela Polícia Civil. O documento se baseia no relato de uma mulher de 39 anos que denunciou um abuso cometido por João de Deus contra ela no último dia 24 de outubro, quando ela procurou atendimento espiritual na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, onde ele era o líder espiritual.

Além deste caso, os promotores pretendem juntar mais três para oferecer a primeira denúncia contra o médium: um caso de estupro de vulnerável e outros dois de violação sexual mediante fraude. Essas três vítimas, conforme o MP-GO, foram ouvidas pelo órgão e relataram abusos ocorridos ainda este ano.

Bens e propriedades

Durante depoimento à Polícia Civil, João de Deus declarou que sua profissão é de “empresário” e que ele administra sete fazendas em Goiás, que rendem a ele R$ 60 mil. Também de acordo com o relato do médium, ele não sabe contabilizar quantos carros tem e disse ter ainda “várias” casas. Vídeos divulgados com exclusividade pelo Fantástico mostram o interior da casa dele em Anápolis, a 55 km de Goiânia. As imagens revelam um imóvel de dois andares, quatro quartos, uma suíte com hidromassagem e um elevador. No local também foi localizado uma espécie de porão escondido, acessado pelo fundo falso de um armário.

Nos endereços ligados ao médium, a Polícia Civil já apreendeu R$ 1,6 milhão em espécie, seis armas de fogo e dezenas de pedras que parecem ser preciosas, mas estão sendo analisadas pela perícia. A defesa do médium disse que a explicação para tanto dinheiro são doações que ele foi acumulando ao longo de 40 anos. Já os esconderijos existiam, segundo o advogado, por medo de assalto, crime do qual o médium já foi vítima.

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