Com casos subindo, especialistas dão dicas de como passar festas de fim de ano

Na casa de Norma Ferrone, o Natal é levado a sério. A árvore decorada tem 2 metros, com espaço na base para presentes. Na sala, há um boneco do Papai Noel de 1m80, que, acionado por controle remoto, canta em inglês e espanhol. No ano em que a celebração será manchada pela segunda onda da covid-19, ela receberá dez parentes em sua casa em Niterói. Outros 30 familiares, entre eles os que já foram infectados, participarão da confraternização por videoconferência. Uma estratégia de quem não quer perder as festas de fim de ano, mas precisa se proteger do vírus.

— Tenho um filho que mora no Chile e que não poderá vir por conta das restrições a voos internacionais. Outro mora em Rio Grande do Sul e é grupo de risco, porque já teve infarto — revela Ferrone, de 69 anos. — Entendo que as pessoas queiram se distanciar. É mais do que nunca um momento de respeito e reflexão. Quando pensamos que um vírus pararia o mundo?

O Brasil vê o começo de uma escalada de casos a menos de um mês do Natal, a principal festa de reunião familiar do país — o que preocupa especialistas. Márcio Bittencourt, epidemiologista do Centro de Pesquisa Clínica da USP, afirma que dezembro pode ser justamente um dos piores momentos da pandemia.

Por isso, algumas medidas são indicadas para minimizar o risco quando houver encontro de famílias que não morem na mesma casa. Testes, períodos de quarentena rígida que antecipem o encontro ou medidas de distanciamento social durante a festa (veja todos os detalhes abaixo) podem ajudar um grupo limitado de pessoas a confraternizar com alguma segurança .

— Mas evento com alimentação tem sempre algum momento que as pessoas não vão usar máscara. Não dá para dizer que não há risco— diz Bittencourt. — O principal é ter em mente que a pandemia não acabou e que estamos em um quadro com aumento no número de casos.

Na casa de Luiza Alves da Silva, de 55 anos, o Natal vai ter regras bem definidas. Três núcleos familiares vão se reunir. Entre eles, estão quatro idosos entre 79 e 83 anos. Por isso, eles escolheram uma casa com espaço aberto e deixarão as mesas espaçadas.

— Além disso, todos vão usar máscara e vai ter álcool em gel espalhado — avisa.

Quem precisa encontrar a família em outro país, no entanto, vai ter mais dificuldade. A chef de cozinha Estela Barroca, de 32 anos, que mora na Holanda, pretendia apresentar ao pai a sua filha recém-nascida, Eva. No entanto, devido à pandemia, a companhia aérea escolhida por seu Julio, de 63 anos, que mora em Cali, na Colômbia, cancelou os voos para a Europa, e ele não conhecerá no Natal a sua primeira neta.

— Os jovens holandeses saíram para os bares no verão e os casos subiram demais. Agora há restrições, como receber em casa, no máximo, três pessoas por dia, com um metro e meio de distância, e só viajar se for realmente necessário — lembra Estela Barroca. — Este ano passou rápido demais e não conseguimos nos acostumar a essa realidade e com um Natal diferente.

Crise de saúde mental
Rogério Panizzutti, psiquiatra e professor da UFRJ, afirma que o isolamento social tem causado muitos traumas na população — com maior incidência de síndrome de fadiga crônica e depressão.

— E aí vai ser uma crise no Natal. Isso me remete àquela história da Primeira Guerra em que os soldados dos dois lados saíram da trincheira e se cumprimentaram pelas Boas Festas. A gente vê uma situação análoga, de isolamento e sofrimento — afirma Panizzutti. — Tenho recomendado o uso da tecnologia. Há bons resultados com pessoas no CTI que ficam em contato com a família pelo celular. No Natal, se render aos encontros virtuais será muito melhor do que não ver ninguém.

Quem não vai pegar no celular nas festas de fim de ano é a advogada Maria Imbassahy, de 65 anos. Ela já teve a doença, mas teme ser novamente infectada. Mesmo assim, vai receber o casal de filhos e as netas para celebrar o Natal.

— E vai sim ter abraço! Não quero ficar longe da maior alegria da minha vida, que são meus filhos e netas. Isso esse vírus não vai tirar de mim! — diz a advogada.

Procurada, a Anvisa afirmou que não há regras específicas para ambientes domésticos. O Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Tire suas dúvidas

Quem deve ser convidado?
Passe as festas com pessoas de convívio próximo, aquelas que estão seguindo os mesmos padrões de isolamento que você, mas não reúna um número muito grande de familiares e amigos. “Não é recomendado um Natal com 30 pessoas em nenhuma circunstância. Precisam ser eventos de pequeno porte, evitando viagens por transporte público, como ônibus e avião, que têm potencial de contaminação. O limite idealé o de dez pessoas”, diz Márcio Bittencourt, da USP.

Onde realizar a festa?
Priorize locais abertos e de ventilação constante. Milena Ponczek, doutora em ciências atmosféricas na USP, explica que uma pessoa contaminada falando em ambiente fechado aumenta a concentração de vírus no ar e, assim, cresce o risco de contaminação de quem está respirando por perto. “Quando tem ventilação, isso é diluído”, afirma a cientista, especializada em química atmosférica e aerossóis: “É preciso muita atenção, pois os aparelhos de ar-condicionado no Brasil não fazem a troca de ar do ambiente com o ar exterior. Por isso, não fazem o ar circular e devem ser evitados”.

Que cuidado deve ser tomado antes de ir à festa?
Qualquer pessoa com sintoma não deve comparecer. O infectologista Edmilson Migowski, da UFRJ, ressalta que nem uma dor de cabeça ou na garganta devem ser ignorados antes de expor outros convidados ao que pode ser o vírus. “As pessoas têm que entender os sintomas e não botar a culpa da dor de garganta no sorvete, da dor nas costas na posição que ficou no sofá ou do mal estar no estresse”, diz.

Como servir a comida?
A pneumologista da Fiocruz Patricia Canto afirma que não é uma boa ideia colocar todos sentados na mesma mesa para comerem juntos. É mais seguro dispor várias mesas pequenas, espaçadas, para, na hora da ceia, dividirem a mesa apenas os que morem na mesma casa.

Testes garantem segurança?
Não, mas ajudam. Márcio Bittencourt afirma que, nesse caso, só o PCR ajuda e que, mesmo ele, não é perfeito — ou seja, uma pessoa pode estar infectada e mesmo assim o teste dar negativo. Além disso, Patrícia Canto lembra que a pessoa que realizou o teste tem que, após o exame, ir para casa e ficar de quarentena rígida até a hora da festa — para minimizar ao máximo o risco de ser infectado nesse período.

E se eu fizer uma quarentena rígida antes da festa?
O especialista da USP afirma que esta é uma boa medida caso todos possam trabalhar de casa pelo menos duas semanas antes do evento e com mínimo contato externo. Isso inclui, por exemplo, não ir a mercados e farmácia — e ter contato com entregadores usando máscara e com distanciamento. Além disso, é preciso que todos se comprometam com a medida.

Se o protocolo ideal for impossível, como deve ser o contato com as pessoas?
Mantenha uma distância segura e utilize máscaras cobrindo o nariz e a boca, e não compartilhe talheres ou copos na ceia natalina. Higienize constantemente as mãos com álcool gel ou água e sabão. Mas, neste caso, a segurança completa é igualmente impossível.

Já peguei a doença. Preciso tomar os mesmos cuidados?
Sim. “Ainda não temos certeza da duração da imunidade e sabemos que algumas pessoas podem se infectar novamente, ainda que o risco seja menor”, diz Bittencourt.

As medidas são as mesmas para o Réveillon?
Sim. A pneumologista Canto ainda alerta para evitar o consumo excessivo de álcool, o que pode levar ao abandono das medidas de segurança sanitária.

Como vai ser o Natal dos especialistas?
Bittencourt e Ponczek ainda analisam o crescimento dos números para bater o martelo. Já Canto vai passar a noite feliz com uma amiga, também em regime de quarentena . [Capa: Guito Moreto/Agência O Globo]

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