Eu estava lá naquele ensolarado 22 de junho no Estádio Azteca, na Cidade do México, em 1986. Eu vi e contei para todo mundo o que ele fez contra a Inglaterra. Eu fiquei com inveja de naquele dia ele não ser brasileiro. Tinha 29 anos, cobria a minha segunda Copa do Mundo — a primeira fora pelo O GLOBO – desta vez pelo “Jornal do Brasil”. Os primeiros 45 minutos foram envolvidos pelo tédio, caracterizado por excesso de cautela. Mas veio o segundo tempo e, aos seis minutos, tudo se transformou. Em lance que nem sempre se dá muita atenção, a bola foi alçada e o pequeno Maradona (alegados 1,65m) sobe com o goleiro Peter Shilton (comprovados 1,85m) e a bola morre no fundo do gol.
Na tribuna de imprensa, a dúvida surge: como ele ganhou do Shilton? Um jornalista inglês vocifera: “foi de mão”, diz, entre revoltado e incrédulo, enquanto jornalistas argentinos celebram e o brasileiro aqui fica em dúvida, por racional que é, não acreditar que o baixinho poderia ser mais efetivo pelo alto.
Em polvorosa, o estádio discute, a temperatura fica ainda mais alta. A legalidade está nos arquivos de lances mais controversos das Copas. E ouso afirmar que ali foi jogada na árida terra do jardim da Fifa a primeira semente para o nascimento do VAR.
A digestão do primeiro gol é feita com dificuldade. Mas aí vem uma obra de arte. Não concebida em ateliê, sala de cinema, páginas de livros ou estúdio. Obra de arte feita com os pés, olhar aguçado, raciocínio ágil. Começa no meio e termina em comemoração. Não necessita de moldura, dispensa explicação, apenas avisa: DESFRUTE!
Tal e qual os versos de Gilberto Gil, o Estádio Azteca se transforma no melhor lugar do mundo. Aqui e agora! A cada um dos 11 toques com a “surda” (perna esquerda), Maradona fez o estádio levantar. A cada adversário que ficava para trás, o estádio entrava em êxtase e quando a bola cruza a linha fatal até quem não era de vibrar vibrou, quem não era de chorar chorou, quem era de brigar abraçou e o que senti, a partir daquele momento, foi a certeza de que estava no paraíso.
Fui testemunha ocular da história, tal e qual os bons repórteres de outras épocas, e a imagem da arrancada, dos dribles, da relação siamesa de pé esquerdo e bola até hoje estão nas retinas. Eu estava lá e dá um baita orgulho ter essa história para contar, pois ela, assim como Maradona, é IMORTAL!!! [Capa: Staff/AFP]
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