Beleza não se põe na mesa. O provérbio é conhecido por passar a lição de que não nos devemos centrar na beleza, na aparência como valor primordial, uma vez que pode ser supérfluo ou vazio, destacando a sua inutilidade como fonte de vida e de saúde. Por sua vez, e em detrimento da beleza, o pão, a alimentação ganham destaque como elementos essenciais à sobrevivência, à saúde, à energia e ao bem-estar. O fato é que a concepção do que é belo ou feio para o gênero humano mudou muito ao longo da história. E continua mudando. Cada época e lugar estabelecem critérios para definir o que é considerado belo. O conceito é mutável, totalmente subjetivo e dependente do contexto histórico, social e cultural em que está inserido.
A figura acima é de uma princesa persa do final do sec 19, considerada ícone de beleza em sua época. O nome da princesa é Zahra Khanom é Tadj-Saltaneh, pertencente à dinastia Qajair. Além de ser considerada muito bela, foi na verdade uma mulher revolucionária, lutou pelos direitos e liberdades das mulheres, dentro de uma sociedade extremamente conservadora. Em adição, ela era pintora, escritora e uma das primeiras mulheres a usar roupas ocidentais no Irã. Nada como ser bonita e rica para fazer melhor o que bem quer.
Na Grécia antiga, o corpo era cultuado porque era esperado que jovens fossem fortes para serem soldados ou atletas. Os exercícios físicos também eram comuns entre as mulheres, que evitavam o bronzeado, por não ser considerado belo, uma vez que o trabalho duro debaixo do sol era destinado principalmente a escravos.
Na idade Média, as representações de nu e culto ao corpo dão lugar ao recato. Especialmente o corpo feminino era considerado tentador, artimanha do diabo. Por questões morais, as vestimentas deveriam ser longas e esconder o corpo atrás dos trajes volumosos. Claro, existia a questão do mal cheiro: os europeus da época não tomavam banho e precisavam cobrir-se para não saturar os ambientes. As flores que as noivas carregam até hoje nas celebrações matrimoniais, foram criadas com a finalidade de disfarçar o mal cheiro da noiva. Imperfeições físicas do corpo eram consideradas ligadas às da alma pecaminosa.
No Renascimento, o pensamento e estética greco-romana foram resgatados, retomando os padrões da Antiguidade Clássica, com poucas diferenças. Voltando a valorizar o corpo feminino, o modelo de beleza do Renascimento supunha mulheres mais gordas, de ancas largas com seios generosos, e isso se manteria até o final do século XVIII.
No início do século XX, o conceito de belo exaltava o corpo feminino cilíndrico, com cintura, seios e quadris com medidas parecidas. Para isso, as mulheres disfarçavam as curvas usando vestidos retos e até mesmo enrolavam faixas sobre os seios para achatá-los, em resumo, bonito era ser uma tábua.
Mas, como fica Acre? O que é considerado bonito ou feio aqui?
O Historiador Marcus Vinícius Neves, especialista na historiografia acreana, afirma que é muito difícil definir os padrões estéticos e étnicos da região: foi um grande caldeirão de etnias e configurações sociais que se encontraram, conflitaram e se misturaram ao longo de um século. Segundo Marcos, de uma maneira geral, no final do século XIX para o início do século XX, na chamada ´Belle Epoque` amazônica, a elite local importava todos os padrões civilizatórios da Europa, incluindo os estéticos, mas é bom lembrar durante o Ciclo da Borracha, vieram imigrantes de várias partes do mundo: ingleses, portugueses, espanhóis, muitos sírio-libaneses que fugiam da expansão do Império Turco Otomano…isso, além dos substratos nacionais, uma grande massa de trabalhadores que vinham do Nordeste principalmente, mas de outras partes do Brasil e da América do Sul.
O Acre se tornou nessa época, repentinamente, um resumo do mundo, acrescido dos componentes étnicos indígenas. ´A formação da sociedade acreana é esta: plural, com multiplicidade étnica, social e cultural muito grande, mas com diferenças de outras partes do Brasil. Aqui, por exemplo, como o ciclo da borracha já aparece fora do modelo escravista e colonial, não foi grande a vinda de representantes de origem africana, ou mesmo afro-brasileira, por exemplo. Este componente veio com os migrantes nordestinos. Temos muito mais estoque genético de origem indígena, do que africana, comparada ao restante do país, conclui.
Por outro lado, a expectativa sobre fatores estéticos obedeceram à outra ordem de condições, a da elite daqui, que remetia aos padrões europeus. Existem muitas histórias e lendas de grandes seringalistas trazendo para o Acre ex-prostitutas, as galegas, já em fim de carreira. Quando a cultura da borracha entrou em declínio e a crise terrível que se estabelece na região, os padrões europeus já caem mais em desuso, por falta de recursos para mantê-lo, e os padrões nordestinos e indígenas se tornasse mais relevantes. Nessa época também, cresceu a interação entre as comunidades indígenas, – agora usadas como mão de obra barata – e a população regional, com absorção desses padrões estéticos, que também tinham seus valores e diferenciações, uma vez que existem status sociais entre essas etnias.
Marcos aponta que, historicamente, os Kaxinawá do Envira desfrutavam de mais prestígio social que Ashaninkas, Madihás e Kulinas, e isso pode ser extrapolado para fatores que influenciaram na preferência estética. Teoricamente, quando um status social é maior, seu padrão estético acaba se tronando mais preferível também, conclui. O fato é que cada região do Acre tem uma concepção de beleza um tanto distinta, nunca existiu um padrão comum, podendo-se observar distinções atualmente: a grosso modo, em Cruzeiro do Sul há uma predominância de beleza proveniente de uma mistura morena e cabocla, nordestinos e indígenas. Já em Tarauacá, a famosa mulher bonita conta com a presença muito forte de mulheres claras. No Vale do Acre, há uma predominância de traços mais nordestinos do que indígenas, se compararmos com Cruzeiro do Sul. Mas vale ressaltar, afirma Marcos, que não há estudos ainda confiáveis ou suficientes para traçarmos com exatidão algo mais definitivo sobre o padrão estético acreano.