Estudos realizados por pesquisadores das universidades Federal de Lavras (Ufla) e do Acre (Ufac), alerta que o meio ambiente amazônico está sendo ameaçado por causa do aumento da morte de formigas. A conclusão está publicada em artigo na revista “Insect Conservation and Diveristy”, uma publicação científica internacional especializada em entomologia, ramo da zoologia que estuda os insetos.
O estudo também teve repercussão na revista “Biological Conservation”, a partir de estudos de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Charles Darwin University, da Austrália.
Os estudos revelam que os incêndios frequentes no sul da Amazônia alteram severamente não só a estrutura e composição da floresta, mas também a fauna, especificamente as comunidades de formigas. Essa alteração é preocupante porque indica que outros grupos de animais são potencialmente afetados de maneira similar e que várias funções ecossistêmicas e interações biológicas podem ser prejudicadas.
Além disso, mudanças no uso da terra, juntamente com eventos climáticos extremos, tornam as florestas tropicais úmidas mais inflamáveis, abrindo espaço para os incêndios. Estes incêndios podem degradar severamente a floresta e, no longo prazo, convertê-la em savanas derivadas – florestas degradadas pela ação humana – caracterizadas por uma vegetação pouco diversa, com dominação de gramíneas e árvores espaçadas e sem espaço para a diversidade das formigas e outros insetos.
O grupo de pesquisadores investigou quais os impactos sobre a fauna utilizando formigas como modelo de estudo, já que estas são extremamente abundantes, importantes ecologicamente e bioindicadoras, o que significa que mudanças observadas nestas comunidades refletem alterações que provavelmente também ocorrem em outros grupos da fauna.
“Nestas savanas derivadas houve uma invasão de espécies de formigas que são típicas de áreas abertas, ao passo que as espécies de florestas tornam-se menos diversas e abundantes nestes ambientes. Esta troca de espécies levou a uma modificação na composição de toda a comunidade de formigas que habitam as savanas derivadas”, afirma Lucas Paolucci, pesquisador pós-doc do IPAM e pós-doutorando em Ecologia na UFV, um dos autores do estudo.
Este segundo trabalho foi realizado na Fazenda Tanguro, em Mato Grosso, local em que o Ipam desenvolve pesquisas sobre a interação entre mudanças climáticas, floresta e agricultura. O experimento aconteceu em uma área de 150 hectares dividida em: queimada anualmente entre 2004 e 2010 (exceto 2008), queimada trienalmente e área não queimada que serviu como controle.
Ao todo foram coletadas 187 espécies diferentes de formigas, 113 na área controle, 94 na área queimada anualmente e 121 na área queimada trienalmente. Com o experimento, os pesquisadores atestaram que nenhuma espécie típica de savana foi encontrada na área controle, enquanto que estas espécies ocorreram 61 vezes nas áreas queimadas. Além disso, teve uma queda de 50% na abundância de espécies típicas de floresta nas áreas queimadas.
Pelas características únicas que as formigas carregam, é provável que alguns dos seus serviços ecossistêmicos, como dispersão de sementes e predação de insetos herbívoros, sejam impactados nestes novos ecossistemas. “Nosso estudo reforça a necessidade da prevenção de incêndios recorrentes, evitando assim uma conversão ampla da biodiversidade das florestas tropicais e uma perda de serviços ecossistêmicos chave”, finaliza Paolucci.
De acordo com o estudo com a participação de pesquisadores da Ufac, a morte dos insetos causa problemas ambientais em cadeia. Um exemplo: a transformação da floresta em áreas destinadas à agricultura ou à pastagem para o gado é fator de redução da diversidade de formigas. Com menos formigas em circulação, aumenta a proliferação de outros insetos, que deixam de ser predados porque fazem parte da cadeia alimentar das formigas.
Neste processo, que se intensifica a cada vez que a floresta é transformada em pasto, o restante do meio ambiente entra em risco porque, segundo o estudo, “as formigas são ótimas Bioindicadoras de impactos ambientais’.
Cientificamente, Bioindicadores são organismos que podem ser utilizados para avaliar a qualidade dos ambientes, indicando como anda a saúde dos ecossistemas. “Isso ocorre graças à alta sensibilidade das formigas em relação às alterações nos ecossistemas e à grande diversidade de suas espécies”, diz o estudo.
De acordo com os pesquisadores, o Brasil dispõe de pelo menos de 1,5 mil espécies de formigas, a maioria na Amazônia. No ecossistema, todas realizam importantes funções. “A mais impactante é a predação de insetos, dispersão de sementes, revolvimento do solo e defesa de plantas contra herbívoros”, diz o pesquisador Icaro Wilker, pesquisador da Ufla, o coordenador do estudo publicado.
A chamada agricultura itinerante é a do roçado a partir de queima da floresta derrubada, uma prática comum na Amazônia, mesmo em áreas de proteção do meio ambiente e dos meios de vida de populações tradicionais, no cultivo de subsistência e da criação de animais de pequeno porte. “ O ambiente natural é cortado e queimado. Durante 4 ou 5 anos, são cultivados diversos tipos de culturas, como arroz, feijão, mandioca e pimenta. Quando as áreas são enfim abandonadas, ocorre a regeneração da floresta secundária. Mas devido ao baixo ganho econômico com essas atividades, as áreas de agricultura itinerante, de onde tradicionalmente as populações locais produzem alimento, e as áreas de floresta, de onde originalmente retiravam seu sustento, vêm sendo transformadas em áreas de pastagens para criação de gado”, explica Icaro.
O estudo dos pesquisador4es, um grupo de nove pessoas, foi realizado na Reserva Extrativista Chico Mendes, criada em 1990, no Acre. A imersão ocorreu em 2019. Nesse mesmo ano, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontaram que o desmatamento ocorrido dentro da unidade de conservação havia crescido 203% na comparação com 2018. No período, de acordo com o estudo, 255 espécies de formigas foram observadas. Algumas se mostraram mais sensíveis à perda de vegetação nativa e só foram encontradas nas florestas, estando ausentes tanto em áreas de agricultura itinerante como em áreas de pastagem. “Na Floresta Amazônica, a maioria delas está adaptada para sobreviver em um ambiente com baixa incidência solar e mudanças mais amenas de temperatura e umidade. Quando a cobertura florestal é perdida, a incidência solar aumenta e a temperatura e umidade do local muda drasticamente. Há maior variação, ficando mais quente durante o dia e mais frio à noite. São filtros que afetam a sobrevivência de boa parte das espécies”, disse o coordenador da pesquisa.
O estudo revelou que as formigas remanescentes passam a predar outros insetos com mais frequência. Segundo os pesquisadores, isso ocorre provavelmente em resposta às mudanças na disponibilidade de recursos naturais – como diminuição das fontes de alimento e dos locais para construírem ninhos – e às alterações nas condições ambientais tais como temperatura e umidade.
Apesar de observarem que impactos do mesmo tipo ocorrem tanto pela prática de agricultura itinerante como nas áreas de pastagem, os pesquisadores observaram que a intensidade dos efeitos é bem distinta. Ao comparar os dois ambientes, eles apontam que os locais onde ocorrem o cultivo itinerante é mais heterogêneo e diversificado em recursos, o que lhe permite abrigar mais espécies de formigas. Nesse sentido, o estudo conclui que sua substituição por pastos traz prejuízos para a biodiversidade.
“O abandono das áreas de agricultura para formação de floresta secundária pode gerar um mosaico de áreas em diferentes estágios de regeneração, permitindo a coexistência de variados ecossistemas e auxiliando na conservação da biodiversidade da região. Já em relação às formigas, apesar da perda em espécies nesses ambientes, o aumento da predação de insetos pode favorecer os pequenos produtores, principalmente nesse sistema com baixo uso de produtos químicos”, acrescenta Icaro.