Se não bastassem os recordes de calor dos últimos anos, um novo estudo alerta que o que já está ruim poderá piorar além do previsto. Segundo a pesquisa publicada na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), uma das revistas científicas mais prestigiosas do mundo, as ondas de calor dos próximos anos devem ser mais severas e frequentes do que as projetadas pelos modelos climáticos.
Os autores do estudo dizem que os modelos subestimaram a intensidade dos extremos de calor, especialmente na Amazônia, de boa parte da América do Sul, incluindo o Brasil, a Austrália, norte do Canadá e norte da Europa.
” As projeções de extremos são bastantes conservadoras em relação ao calor. Precisamos nos preparar”, afirmou o principal autor do estudo, Kai Kornhuber, do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados, na Áustria, à revista britânica New Scientist.
Kornhuber liderou uma reanálise dos principais modelos climáticos. Os cientistas viram que se a frequência das temperaturas máximas diárias de um local, num determinado período de tempo, for representada graficamente, a distribuição mostrará uma curva em formato de sino clássico, com a maioria das temperaturas concentradas em torno da média e alguns extremos distantes. Se a temperatura média aumentar ao longo do tempo, a curva se deslocará lateralmente.
Porém, o aquecimento global faz com que o calor extremo seja mais frequente e intenso do que seria esperado apenas pelo aumento da temperatura média. Isso achata e alarga a curva de sino. E mostra que a persistência do calor extremo.
Kornhuber adverte que ondas de calor sem precedentes podem ocorrer ao longo de todo o ano. Ele e sua equipe analisaram as curvas de aquecimento do planeta de 1958 e 2022. Em seguida, simularam esse mesmo período com os modelos climáticos mais recentes. Depois, compararam as tendências registradas com as simuladas.
No geral, os modelos se saíram bem e captaram o aumento dos extremos de calor. Porém, em algumas partes do planeta os extremos de calor foram bem piores do que indicaram as simulações.
Kornhuber explica que os modelos são bons, mas têm ainda dificuldade para simular toda a complexidade de eventos extremos. Ele diz que uma das causas de tanto de calor é que as mudanças climáticas têm feito com que os chamados bloqueios atmosféricos se tornem mais comuns e duradouros. São os domos quentes, como os que em 2023 e neste ano transformaram em fornalha boa parte do Centro-Oeste, da Amazônia e do Sudeste do Brasil.
Um outro fator que os modelos também não consideram adequadamente é o baixo nível de umidade do solo e da vegetação, que gera um ciclo vicioso. A falta de chuva e o calor intenso ressacam plantas e solo e, com isso, há menos resfriamento por evaporação. Menos umidade é devolvida à atmosfera, dificultando a formação de nuvens de chuva e, com isso, perpetuando a condição de seca e calor.
Kornhuber diz que os modelos ainda não conseguem captar toda a complexidade de fenômenos locais que contribuem para intensificar os extremos.