Acre já praticou campanha parecida como a que Trump vai executar nos EUA; entenda

“O Acre para os acreanos” foi a campanha que levou José Augusto de Araújo, acreano de Feijó, ao governo do Acre contra Guiomard Santos, que era do interior de Minas Gerais

“O Acre para os acreanos”. Com este slogan, manifestado em 1962 para a primeira campanha eleitoral do então mais novo Estado da Federação brasileira, o Acre pôs em marcha, guardada as devidas proporções, a mesma política xenófoba que deve ser executada nos Estados Unidos pelo presidente Donald Trump a partir de sua posse, nesta segunda-feira (20).

Documentos históricos revelam que aquela campanha foi levada à prática no Acre pelo PTB, partido do então presidente da República, João Goulart, o vice que havia assumido face à renúncia do então presidente Jânio Quadros, que alegou a ação de “forças ocultas” no país para deixar o cargo. 

Aliado do presidente da República, que seria derrubado dois anos depois pelos militares que iriam dirigir o país, através de generais envergando a faixa presidencial, por 21 anos, o professor de Filosofia José Augusto de Araújo, membro de tradicional família de seringalistas do Feijó, interior do Acre, se apresentou como candidato a governador e senador (na época a legislação eleitoral permitia a candidatura aos dois cargos distintos) nas primeiras eleições de 1962. 

José Guiomard Santos na solenidade de elevação do Acre à condição de Estado/Foto: Arquivo histórico

Com aquele slogan em voga, que vinha desde a campanha dos autonomistas, os que buscavam elevação do então território à condição de Estado, os estrategistas do PTB buscavam atingir exatamente o candidato da UDN, Jose Guiomard Santos, que também disputava o governo e o Senado.

Mineiro da cidade de Perdigão, Guiomard Santos chegara ao Acre como interventor do território, nomeado pelo então general Eurico Gaspar Dutra, o 14º presidente do Brasil, que governaria o país de 1946-1951 após a deposição do presidente Getúlio Vargas por um golpe militar. 

Seu governo foi caracterizado pela perseguição aos comunistas, proibição dos jogos de azar e aproximação com os EUA. A perseguição do novo Governo ao que compreendia como comunistas incluía os aliados do presidente deposto, os amigos de Vargas, como o general Oscar Passos, que substituiu no governo do território o então governador Hugo Carneiro, que havia sido eleito deputado federal pelo território.

As mudanças no novo Governo central iriam se refletir no Acre ainda mais no ano de 1955, quando José Guiomard Santos, já deputado federal apresentou ao Congresso Nacional projeto de lei elevando o Acre à condição de Estado. O projeto tramitou durante mais de sete anos pelos escaninhos do Congresso até ser, enfim, aprovado e sancionado pelo então presidente João Goulart, tendo como protagonista do ato o então primeiro-ministro Tancredo Neves. 

José Augusto de Araújo foi beneficiado pela campanha “O Acre para os acreanos”/Foto: Arquivo histórico

Tancredo havia assumido o cargo após uma mudança na Constituição Federal a qual instituiu no país o parlamentarismo, uma manobra dos militares e seus apoiadores para diminuir ou dividir os poderes do presidente Goulart, apontado como comunista e que seria derrubado do cargo dois anos depois após recuperar, através de plebiscito, os plenos poderes presidenciais com o fim do curto período de parlamentarismo.

Ainda em 1962, com a informação de que agora o Acre poderia eleger pelo voto popular o governador do novo Estado e seus senadores, o PTB encontrou nisso o momento de ir à revanche contra Guiomard Santos e seus apoiadores. A grande maioria dos aliados de Guiomard no novo Estado eram políticos que ele trouxera para o Acre ao tempo em que fora governador do território, todos de fora do Acre, seus ex-colegas de farda no Rio de Janeiro ou de Estados em que ele ocupou postos, como o Território de Ponta Porã, que se tornaria o estado do Mato Grosso do Sul.

Guiomard seguiria a cartilha pregada por um dos ideólogos da ditadura militar seguinte e um de seus generais a assumir a presidência, Emílio Garrastazu Médici. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, que publicou um livro com as memórias do velho general, ele era contra a elevação de territórios como o Acre à condição de estados por entender que nessas localidades, como era o caso do Acre, não havia gente suficientemente capacitada para assumir os cargos do Executivo, Legislativo, Judiciário e para a magistratura. “São lideranças que andam nas ruas com os pés descalços”, definiu o velho general, segundo a FGV,

Com a condição de que agora os acreanos poderiam votar livremente, o PTB então criou a vencedora campanha do “Acre para os acreanos” e convocou José Augusto de Araújo para liderar o movimento. Aberto às urnas, José Augusto, graças àquela campanha, havia vencido pelo voto popular o velho Guiomard, apesar de que ele era saudado nas ruas como o “pai”, o “criador” do Estado do Acre. Como havia sido candidato também ao Senado, Guiomard Santos assumiu como senador. 

O então governador José Augusto de Araújo montou sua equipe de Governo mesclada entre acreanos da gema e seus parceiros do Rio de Janeiro. Entre os assessores mais próximos, havia gente dos chamados “de fora do Acre”, como o então advogado Jorge Araque Farias, do Rio de Janeiro, e Adherbal Maximiano Correia, do Pará. Do Acre, ele aproveitou Lourival Marques de Oliveira, natural de Cruzeiro do Sul; Hélio Coury, de Xapuri, e Ariosto Pires Migueis, de Rio Branco, todos acreanos e homens importantes da administração do novo Estado nos quase dois anos em que José Augusto de Araújo esteve no poder.

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