Cientista norte-americano que mora no Acre há 34 anos alerta para novas catástrofes climáticas

Foster Brown diz que não é preciso prever quando isso vai ocorrer ano a ano, mas é certo que, dentro de uma década, as mudanças climáticas serão catastróficas

Norte-americano que vive no Brasil, especialmente no Acre há 34 anos, o cientista Foster Brown, doutor em Ciências Ambientais e pesquisador da Universidade Federal do Acre (Ufac) e do Centro de Pesquisa Woods Hole (WHRC), de 74 anos, é a imagem viva da máxima regional segundo a qual “quem bebe água do rio Acre, acaba voltando”.

Foster vive no Acre há 34 anos/Foto: Reprodução

No seu caso, ele não só bebeu e voltou como nunca mais saiu do Acre e, incorporado à região amazônica e tropical, se tornou, também, uma referência quando o assunto é mudanças climáticas. Com base na ciência, lembra também a imagem bíblica do pregador no deserto alertando para o que deve vir de pior em relação às mudanças que a Terra, principalmente em regiões sensíveis como é o caso da Amazônia, vem sentindo.

Mudanças como cheias históricas dos rios, diminuição no período de estiagem, o que causa as chamadas enchentes fora de época e que criam instabilidade causadas pelas mudanças climáticas que todos vêm assistindo nos últimos anos e que, apesar disso, ainda há quem duvide de tudo o que vem acontecendo.

A causa disso, segundo ele, está no desmatamento e na liberação de carbono para a instabilidade climática que se torna cada vez mais evidente. Brown alerta que há eventos ambientais que ocorrem naturalmente, como cheias com elevações extraordinárias ou períodos de estiagem mais intensos que outros, mas garante que a interferência do ser humano está causando uma inconstância no meio ambiente.

Acre enfrentou uma das piores secas da história em 2024/Foto: Juan Diaz/ContilNet

Com isso, esses eventos ocorrem cada vez mais próximos e é impossível prever quando novas catástrofes ambientais podem ocorrer, algo como o ditado espanhol segundo o qual “eu não creio em bruxas, mas que elas existem, existem”. Ou seja, em matéria de meio ambiente, não é preciso prever quando as catástrofes vão acontecer, mas que elas vão ocorrer, isso é certo.

A seguir, os melhores trechos de uma entrevista do cientista ao ContilNet:

Na sua avaliação, há riscos de as mudanças climáticas serem piores em 2025 do que foram em 2024? Como será a situação na Amazônia e, especialmente, no Acre?

Foster Brown – Mudanças climáticas – ou seja, mudanças nos padrões de chuva, temperatura e eventos de um lugar durante um certo período de tempo, são muito naturais e têm acontecido desde a formação do planeta. O que é diferente agora é que a atividade humana está alterando o balanço de energia e da água na superfície do planeta e amplificando a frequência e magnitude de eventos climáticos extremos.

Significa então que vêm mais problemas para este ano que está começando?

Foster Bronw – No passado tivemos eventos extremos naturais raros, como Mega El Niños, que afetaram civilizações indígenas e europeias. Agora a emissão de gases de efeito estufa como CO2 e desmatamento estão fazendo suas contribuições para as mudanças naturais no clima. O clima global é complexo e com a superposição de vários processos como a oscilação entre El Niño e La Niña e a alteração da circulação nos oceanos, a variação da radiação solar, os aerossóis no ar, além do aumento dos gases de efeito estufa e o desmatamento. Em suma, é difícil prever de um ano para outro como vai ser a mudança no clima, mas fica evidente quando se compara uma década com outra. Portanto, é difícil dizer se 2025 vai ter mais eventos extremos ou eventos mais fortes do que em 2024. A tendência, com o aumento da temperatura na região, é ter mais eventos extremos com maior magnitude no nível decadal.

Teremos mais secas ou mais enchentes? Ou os dois fenômenos, cada um a seu tipo?

Foster Brown- Nas últimas décadas a tendência é que os fluxos dos rios nesta parte da Amazônia sejam mais altos nos períodos de chuvas e mais baixos nos períodos secos. Aliás, a tendência tem sido também que o período seco seja prolongado.

Qual seria a razão disso?

Foster Brown – Pode ser por causa de vários fatores, a importância de cada um é discutível. Em geral, temperaturas mais altas aumenta a capacidade do ar de absorver e transportar mais água. Isto significa chuvas mais fortes, mas também secas mais fortes. Acoplado com isso é o desmatamento que altera o ciclo da água, reduzindo a evapotranspiração no período seco na Amazônia. Como o padrão de circulação geral é de leste para oeste, o desmatamento no leste da Amazônia pode estar afetando as chuvas no oeste da Amazônia. Existem outros fatores relevantes também, como circulação oceânica, aerossóis, etc.

Na sua avaliação, a Amazônia é um bioma mais ameaçado que os demais? Qual o motivo?

Foster Brown – Esta pergunta é difícil de responder porque depende da definição dos biomas e do grau de ameaça. As temperaturas das regiões polares, especialmente no Ártico, estão alterando mais rapidamente do que a média mundial. Todos os lugares no planeta estão sentindo mudanças no clima. Teremos ação mais rigorosa do El Nino ou da La Nina?

Descreva, por favor, o que é um e o outro fenômeno?

Foster Brown – O oceano Pacífico ocupa cerca de um terço da superfície do planeta. O que acontece na circulação deste oceano afeta o tempo em todo o planeta. Quando as temperaturas das águas superficiais na parte tropical central e leste do Pacifico são mais quentes do que normal, se chama um El Niño. Quanto esta região é mais fria do que normal, se chama La Niña. Ambos mexem com o clima nas regiões tropicais e temperadas e podem variar em intensidade. Geralmente El Niños se associam a temperaturas mais altas na Amazônia.

O que o senhor tem a dizer aos críticos de quem alerta para as mudanças climáticas?

Foster Brown – A ciência avança devido a interação entre criatividade e crítica nas análises de evidências (dados). Se vai criticar conceitos estabelecidos via muitas evidências, precisam mostrar que as evidências são falhas, ou seja precisam produzir evidências que mostram que os outros estão errados. Ataques ad hominem mostram que faltam argumentos contrários. Matar o mensageiro não produz verdades.

O senhor é norte-americano. Como veio parar na Amazônia e aqui está aqui há quanto tempo?

Foster Brown – Em 1989 recebi um convite para ajudar professores na Universidade Federal Fluminense mapear a Reserva Extrativista Chico Mendes e o aceitei. Em 1991 recebi um convite para fortalecer o programa do Parque Zoobotânico da Ufac e o aceitei.

Pretende um dia sair do Acre e da Amazônia?

Foster Brown – Com certeza. Todos vão para um outro plano de existência, mas antes disso, não.

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