Auxílio Brasil: filas crescem, mas governo garante incluir todos até dezembro

As filas de candidatos ao pagamento do Auxílio Brasil se multiplicam pelo país. São milhares de pessoas com dúvidas se farão jus ao programa substituto do Bolsa Família, são órfãos do auxílio emergencial, são mães chefes de família que sem emprego e sem renda correm contra o tempo para garantir algum sustento para seus filhos.

Muitos dormem nas calçadas e voltam dia após dia atrás de explicações sobre o novo benefício, que começará a ser pago na próxima semana. Nem todos, porém, conseguem atendimento imediato. No município do Rio, por exemplo, o agendamento já é feito para janeiro do ano que vem.

O Ministério da Cidadania tem informado que não é preciso atualizar o Cadastro Único (CadÚnico), porta de entrada de programas sociais do governo federal, a fim de diminuir as filas nos postos. O governo federal garante que todos os habilitados ao programa serão contemplados. Agora em novembro, segundo a pasta, serão beneficiadas 14,6 milhões de pessoas inscritas no extinto Bolsa Família. Em dezembro, esse número vai chegar a 17 milhões.

“Cheguei aqui (no CRAS de Paciência) na quarta-feira, às 9h da noite, dormi no chão duro e consegui ser atendida hoje (quinta-feira), às 10h”, conta a gestante Paola Fernanda Barbosa, de 27 anos, moradora da Favela do Aço, em Paciência, na Zona Oeste do Rio.

A jovem é mais uma das milhares de pessoas que têm buscado os Centros de Referência e Assistência Social (CRAS) da Prefeitura do Rio para tirar dúvidas e manter o cadastro atualizado a fim de receber o novo Auxílio Brasil. O temor de Paola é o mesmo de milhares que se aglomeram nos postos: será que vou receber o novo benefício?

Paola, que dormiu na porta do CRAS Professora Helenice Nunes Jacintho, reclama do descaso com a população que fica à míngua, nas calçadas, à espera de atendimento. Ela conta que recebe R$ 130 do extinto Bolsa Família e que, por ter mudado de endereço, ficou com medo de que informações desatualizadas no Cadastro Único (CadÚnico) pudessem impedir o recebimento do Auxílio Brasil.

“Estive no CRAS mais cedo e não consegui atendimento, mesmo dizendo que estou grávida. Os funcionários só dão 13 senhas de manhã e 13 senhas à tarde, não importando a quantidade de pessoas na fila”, reclama.

Tamires Rosa, de 19 anos, moradora da Favela do Aço, em Paciência, conta que chegou às 19h de quarta-feira ao CRAS Professora Helenice Nunes Jacintho por preocupação com a distribuição de senhas. Ela foi a primeira da fila nesta quinta-feira.

“Me falaram que estava muito cheio, e que a fila estava virando a esquina. Como só estavam atendendo 13 pessoas de manhã e 13 à tarde, fui um dia antes para garantir atendimento”, conta Tamires, que é mãe solo de uma menina de 6 anos.

A distribuição de senhas também foi o motivo que levou Nilda Rosa da Conceição Silva, de 39 anos, também de Paciência, a madrugar na fila:

“Foi a terceira vez que vim aqui só nesta semana. Na segunda-feira, cheguei às 5h. Quando deu 8h, distribuíram 25 senhas, porque à tarde não teria atendimento. Não consegui pegar o número”, lamenta Nilda, que recebeu R$ 375 do Bolsa Família.

Na terça-feira, Nilda retornou ao CRAS Professora Helenice Nunes Jacintho e, mesmo chegando às 4h, já encontrou mais de 25 pessoas na fila. Ela desistiu e voltou para casa desanimada.

“Meu marido trabalha com pintura e gesso, mas está desempregado. Por causa da pandemia e da falta de dinheiro, as pessoas não estão mais fazendo esses serviços, evitam ter gente dentro de casa. Os R$ 219 do Bolsa Família e os pequenos bicos que fazemos têm ajudado a comprar comida. Mesmo assim, falta muita coisa na despensa”, conta Nilda, mãe de uma menina de 3 anos e de um adolescente de 16.

Nilda conta que o marido e o filho chegaram à porta do CRAS na quarta-feira por volta das 21h e guardaram um lugar na fila, que já era grande, mas não chegava a 25 pessoas. Ela foi para o posto por volta da meia-noite.

“Consegui atualizar meu CadÚnico. Minha filha agora é maior de idade, e fiquei com medo de isso interferir no recebimento do novo auxílio”, explica Nilda, que tinha expectativa de receber os R$ 400 do Auxílio Brasil já na próxima semana.

PEC dos Precatórios

Os R$ 400 anunciados pelo governo, no entanto, dependem da aprovação da PEC dos Precatórios, que autoriza o governo a pegar os recursos de dívidas que têm com cidadãos, estados e municípios para pagar o programa de transferência de renda, o que para Nilda é “descobrir um santo para cobrir outro”.

“O governo dá com uma das mãos e tira com a outra. Aumenta o Bolsa Família, mas não controla os preços, e a gente acaba gastando mais para comprar menos”, lamenta.

A ação, ou falta dela, também é citada por Rosângela Cabral, de 63 anos, moradora de Madureira, na Zona Norte do Rio, que esperava atendimento no CRAS José Carlos Campos, em Rocha Miranda, na Zona Norte, nesta quinta-feira.

“Estou desempregada e, com a minha idade, as pessoas não contratam mais, o que dificulta a minha vida”, diz Rosângela, que nunca recebeu o Bolsa Família e queria fazer sua inscrição no CadÚnico: “Com o fim do auxílio emergencial, fiquei sem renda. Não sei como vou fazer para sobreviver. Seria muito bom que os governantes olhassem mais para os pobres. É uma vergonha o que estão fazendo com os brasileiros. Não merecíamos passar por tantas privações.”

Laura Carneiro: população está angustiada

Procurada, a secretária municipal de Assistência Social do Rio, Laura Carneiro, justificou as filas pela falta de regras claras sobre a abrangência do Auxílio Brasil e pelas dificuldades financeiras da população:

“O público diário médio de cada CRAS soma 70 pessoas. Esse público está se multiplicando, porque não são claras as informações sobre o novo programa de transferência de renda do governo federal, e as famílias vulneráveis estão angustiadas, sem saber se receberão ou não seu benefício.”

Segundo ela, de janeiro a outubro, os 47 CRAS da capital atenderam mais de 800 mil pessoas.

“Ontem (quarta-feira), no CRAS Professora Helenice Nunes Jacintho, foram realizados 167 atendimentos. Desses, 77 queriam fazer o CadÚnico”, pontua a secretária: “Não está claro até agora, nem para a população, nem para os gestores municipais, quem são os novos beneficiados pelo Auxílio Brasil. Podem estar entre as 1,5 milhão de pessoas que recebiam o auxílio emergencial no Rio até outubro e podem estar entre os cadastrados no CadÚnico, mas que nunca receberam o Bolsa Família.”

Ela acrescenta que no Rio, desde maio, quando o governo federal parou de incluir novos cadastrados no Bolsa Família, mais de 41 mil novas famílias entraram no CadÚnico e continuam fora do Bolsa Família.

Ainda segundo ela, a primeira planilha com essa relação chegou a ficar no ar por algumas horas na terça-feira (dia 9), no Sistema de Benefícios ao Cidadão (Sibec), mas saiu do ar.

“Hoje, no Rio, há 303.654 famílias já beneficiadas pelo Bolsa Família. De acordo com a tabela que ficou no ar algumas horas na terça-feira, mais de três mil famílias ficariam de fora da folha de pagamento em novembro”, afirma Laura: “Os gestores municipais ainda não têm todas as informações. E ressaltamos que estamos falando da população mais vulnerável da cidade, na linha da pobreza e da extrema pobreza, que, muitas vezes, não tem um aparelho celular nem conexão com a internet. A divulgação das regras deve ser ampla e bastante clara.”

Inscrição não garante pagamento

O Ministério da Cidadania frisou que “a inscrição no Cadastro Único não resulta na imediata concessão dos benefícios do Auxílio Brasil”.

De acordo com a pasta, “serão priorizadas famílias a partir de critérios baseados num conjunto de indicadores sociais capazes de estabelecer com mais precisão as situações de vulnerabilidade social e econômica”.

Questionado sobre o canal de consulta sobre o novo Auxílio Brasil anunciado pela pasta, o miniistério não informou se será possível saber quem serão os beneficiários e os valores a serem pagos e não detalhou como será esse canal.

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