A violência dos incêndios que afetaram Portugal no verão de 2017, desde logo pela tragédia humana que implicaram, e a intensificação do período de seca que o país registou, contribuíram para que este ano fosse também marcante na perspectiva da percepção do risco por parte do cidadão, e da atitude com que este passou a encarar a imprevisibilidade dos factores ambientais, em especial o clima. Com efeito, as alterações dos regimes de precipitação e a frequência de valores de temperatura extrema ou desajustada à época do ano transformaram uma ameaça distante e muitas vezes esquecida em pouco tempo numa realidade atual, presente e preocupante. E já não tanto pelas suas implicações futuras, mas cada vez mais pela violência potencial dos seus efeitos num tempo presente e próximo.
Todos percebemos que as alterações físicas e ecológicas nos territórios acontecem com maior frequência e intensidade, e os cenários apontam para uma maior ocorrência de eventos extremos; os impactos sobre o ambiente e a sociedade tenderão a ser mais visíveis e a sua amplitude mais expressiva, tornando improvável o regresso dos ecossistemas à condição prévia. Registamos cada vez mais ocorrências que julgamos incomuns, pela magnitude dos seus impactos, em particular os relatos sobre as secas, os fogos, as cheias, as tempestades, os tsunamis, fenómenos que vão acontecendo à escala global, sendo que as suas causas e efeitos são muitas vezes agravados pelas transformações que as distintas atividades humanas vão impondo sobre o ambiente natural.
A necessidade de identificar e responder aos riscos nos territórios, incrementando a sua resiliência de forma consistente e ativa, é inexorável. Gerir a complexidade dos ecossistemas por forma a manter as suas características essenciais face à incerteza é um enorme e complexo desafio, mas é incontornável. Exige-se, por isso, uma outra gestão pública dos territórios; uma tomada de decisão informada por práticas de avaliação, monitorização e mitigação dos riscos, um empenho no conhecimento e na conservação dos serviços dos ecossistemas e sustentabilidade dos recursos naturais, um maior envolvimento das populações nos processos de avaliação e de implementação das soluções, o uso inteligente de crescentes opções tecnológicas e uma atenta valorização dos ecossistemas emergentes. As práticas do passado não respondem necessariamente ao futuro. O conhecimento científico nesta área tem evoluído e será cada vez mais essencial para uma gestão adaptativa dos ecossistemas.
A percepção do risco está muito associada ao conhecimento, confiando-se à ciência a procura das soluções e o dever de transmitir o conhecimento de forma adequada à sua apreensão. O diálogo entre a ciência e a sociedade é indispensável, no sentido de construir os fundamentos necessários à decisão, em particular face à incerteza e ao risco, sendo que esta atitude responsável não põe em causa a independência da atividade científica. À sociedade cumpre exigir da ciência, o que será tanto mais eficaz quanto maior o conhecimento e as oportunidades de diálogo entre ambas. A sociedade com maior percepção do risco e com mais conhecimento é também aquela que melhor influencia as decisões políticas que lhe dão resposta.
Os novos tempos desafiam em particular as ciências do ambiente e da ecologia na procura de soluções que acompanhem a transição e preparem as mudanças, na perspectiva de identificar e minimizar os seus impactos, em particular assegurando os processos que mantêm os serviços dos ecossistemas, na produção alimentar, na resposta à seca, no controlo das cheias ou na mitigação do fogo. Trata-se, também, de uma oportunidade para estas ciências participarem ativamente no desenvolvimento de soluções para reduzir os riscos e aumentar a resiliência de um planeta em acelerada transformação.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico