A expressão bíblica “Bezerro de Ouro”, referente ao ídolo da tradição judaico-cristã criado por Arão quando Moisés havia subido o monte Sinai para receber os mandamentos de Deus, no Acre, graças a uma série de falsificações e irregularidades, estaria mais para boi de piranha – expressão da linguagem popular que retrata o animal submetido a um sacrifício, na travessia de um rio infestado pelo peixe carnívoro, em benefício e para salvar o rebanho inteiro. Isso está ocorrendo graças a um bando de espertalhões, que estão ficando com o ouro dos negócios irregulares com a venda de novilhos, machos e fêmeas, enquanto o Estado e os pecuaristas acreanos bem intencionados vêm amargando prejuízos e com o Acre correndo sérios riscos de, no futuro, faltar animais para o abate e o acreano voltar aos tempos em que a aquisição de carne bovina só era possível nos mercados por encomenda prévia ou através de filas que começavam a se formar durante as madrugadas, como ocorria até o início dos anos 80, antes da chegada da pecuária.
Estimativas sem maior rigor matemático feitas por pecuaristas incomodados com a situação revelam que os chamados comerciantes de gado – que não são produtores, também conhecidos por marreteiros, das regiões do Centro/Sul do país levaram do Acre, em 2019 e agora no começo de 2020, levaram para fora algo em torno de 400 mil cabeças de bovinos, entre machos e fêmeas, com média de um ano de idade. Como os tributos cobrados por cada animal seria estimado em R$ 180,00 por cabeça, só aí o Estado já teria sofrido um prejuízo próximo a R$ 800 mil em impostos não arrecadados. Um dos pecuaristas incomodados com a irregularidade revelou, com exclusividade ao ContilNet, sob o compromisso de preservação de sua identidade, que, dias atrás, já este ano, numa viagem à Porto Velho (RO), presenciou, no Posto Fiscal do Tucandeiras, na divisa entre os dois estados, pelo menos 15 carretas carregadas de animais. Como a capacidade das carretas é para o transporte de até 150 animais em cada uma delas, estima-se que apenas naquele momento do percurso, estavam sendo levado o estimado de 2.250 novilhos e novilhas do Acre, sem que o Estado cobrasse os tributos devidos.
A irregularidade ocorre, de acordo com pecuaristas ouvidos sobre o assunto, graças a facilidades e ilícitos com o uso de GTAs (Guias de Transportes de Animal) falsas, assim como são igualmente falsas as Notas Fiscais do Produtor Rural. De acordo com esses pecuaristas, as falcatruas ocorrem porque as notas e as GTAs atestam que o gado retirado do Acre é de municípios do Amazonas fronteiriços, como Boca do Acre ou Lábrea, ou de Rondônia, dos distritos próximos ao Rio Madeira e também vizinhos ao Estado. Uma terceira irregularidade ocorreria com o beneplácito de quem caberia coibir o crime: a Justiça. É que alguns produtores, que têm fazendas em outros estados, entraram na Justiça pedido em ações despacho em liminar requerendo o direito de transportar o gado sem pagar impostos, alegando que, como se trata de propriedades do mesmo dono, mesmo de um Estado para outro, o transporte dos animais caracterizaria apenas remoção, o que os desobrigaria do pagamento de tributos. Outros simplesmente falsificam contratos de aluguel dessas propriedades. “E isso acontece sob o olhar complacente dos servidores fazendários do Acre nas barreiras fiscais ou divisas do Estado”, disse um dos pecuaristas que faz as denúncias das irregularidades.
De acordo com os mesmos pecuaristas, quando a irregularidade não ocorre com o dolo da falsificação de documentos, ela ocorre de forma ainda mais criminosa com a transferência dos animais de um Estado para outro de forma clandestina. Isso acontece porque, na BR-364, na altura de 5 quilômetros do Posto Fiscal da Tucandeiras, há um ramal com acessibilidade pela direita, pelo qual, antes passar pela fiscalização, os caminhões com os animais voltam à estrada principal, já em território do Estado de Rondônia. Pelo desvio também passam, além dos animais, todos os tipos de mercadorias contrabandeadas, veículos, motos e os caminhões boiadeiros carregados, desviados da fiscalização. Um dos pecuaristas, a propósito, até conversou com um policial do Acre que atua em operações na região. O policial revelou que, ao constatar caminhões nas operações de desvio, mesmo já em território de Rondônia, o motorista abordado mostrou documentos, as ditas GTAs, revestindo o negócio de legalidade e o policial nada pôde fazer.
“Se o transporte era legal, por que então passar pelo desvio e não pelo posto de fiscalização?”, questionou o fazendeiro. “Eu duvido que os fiscais dos diversos órgãos do Governo que dão plantão lá no Tucandeiras não saibam que há aquele desvio por onde passa o nosso gado”, questionou outro pecuarista.
Os malefícios para o Acre com esta prática, de acordo com os pecuaristas ouvidos, além do crime da evasão de divisas e de prejuízos com a diminuição da arrecadação estadual, para o Estado, seria a perda de riquezas, o êxodo rural das pequenas propriedades, as mais atingidas com as irregularidades, e o aumento da violência nas áreas urbanas, além de outros problemas. Mas o grande prejuízo seria com o enfraquecimento da pecuária no Acre, com a redução na geração de empregos na área. Neste sentido, a Capital Rio Branco e o município de Senador Guiomard tinham um rebanho bovino da região que abastecia três frigoríficos com SUF (Serviço de Inspeção Federal) e, desde o começo da crise, tem apenas um em funcionamento. A paralisação dos outros dois frigoríficos resultou num prejuízo de diminuição de pelo menos 200 empregos diretos na região. “Não há dúvidas de que a causa foi a redução nas escalas para Abates”, diz um documento elaborado pelos pecuaristas. “Neste sentido, o atual Governo pecou, podendo-se dizer até que prevaricou por mais um grande equívoco em ter baixado o imposto para saída do boi gordo até o fim de 2019, facilitando o direcionamento aos Frigoríficos de Rondônia, além da redução da arrecadação de impostos, o que acarretou na redução de empregos nos frigoríficos locais”, diz outro trecho do documento dos fazendeiros.
Segundo ele, foi um descalabro por parte do Governo em reduzir a pauta do Imposto para saída do Boi Gordo até fim de 2019, como, igualmente, vem mantendo baixa a pauta do imposto de saída dos novilhos e novilhas com em média um ano de idade. “Isso está colocando a Pecuária e Agronegócio do Estado em ruínas para o futuro próximo, no que resultará sérios danos a população acreana, inclusive, pela falta de bovinos. Sem sombra de dúvidas, haverá um considerável aumento no preço da carne bovina, caso tenha que vir de outro Estado”, alertam.
Os estudos dos fazendeiros locais mostram que o Acre, que já foi dono do maior rebanho de bovinos da região, hoje tem pelo menos 10 milhões de cabeças de gado a menos que o Estado de Rondônia. O baixo preço e a qualidade dos animais nascidos no Acre tem feito a procura dos chamados marreteiros de gado, disse o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Acre, Assuero Veronez. Ele confirma a existência das irregularidades denunciadas pelos fazendeiros e confirma que foi o órgão que levou o assunto às autoridades.
O secretário de Segurança Pública, coronel Paulo Cézar dos Santos, confirmou a existência de um inquérito policial apurando o fato, mas disse que isso está no âmbito da Polícia Civil. O inquérito foi instaurado pela Delegacia de Combate à Corrupção (Decor), cujo delegado, Odilon Neto, por meio da assessoria de imprensa, disse que não só comentaria o caso após a conclusão das investigações, como não teria prazo ainda. As informações do delegado dão conta de que as investigações estão bem adiantadas, mas ele, por enquanto, não poderia falar para não atrapalhar as investigações.