Partido de Evo Morales venceu novamente em eleições contestadas por relatório da OEA

Um ano depois, o controverso relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) que apontava fraudes nas eleições do ano passado na Bolívia voltou a ser contestado, agora pelo Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (Celag), que comparou os resultados do pleito de 2019 com os deste domingo em 86 circunscrições em que foram apontadas irregularidades no informe. O relatório foi a principal fonte de apoio às denúncias da oposição que culminaram na renúncia de Evo Morales, pressionado por forças militares e policiais.

Segundo o informe da OEA, uma perícia técnica identificou que atas de diferentes mesas de votação haviam sido preenchidas por uma mesma pessoa, em locais onde o Movimento ao Socialismo (MAS) havia obtido 91% dos votos, o que seria pouco usual. O Celag, no entanto, analisou os votos deste ano nos 86 centros de votação contestados e concluiu que o MAS venceu novamente em todos eles, desta vez com uma média ainda maior de votos.

O informe da organização apontava que as atas supostamente fraudadas corresponderiam a 38.001 votos. Desses, o MAS teria obtido 91%, totalizando 34.718, “quase o número de votos que permite a Evo Morales evitar o segundo turno”. Este ano, o MAS venceu com uma média de 97% dos votos nesses locais.

— São locais onde votam muitos camponeses, que historicamente sempre foram a favor de Morales. Ou seja, a alta porcentagem de votos para o MAS não é pouco usual. E esses seis pontos percentuais a mais em relação ao ano passado nesses centros de votação coincidem com os seis pontos percentuais a mais que Arce deve obter em relação a Morales — explica Alfredo Serrano, diretor do Celag. — Por essas e outras falhas no relatório, apelamos ao que diz o próprio estatudo da OEA para solicitar a remoção de seu secretário-geral. Houve muitas mortes e violência, e nada disso teria acontecido se a organização não tivesse se precipitado com um informe preliminar que contestava a vitória de Evo no primeiro turno, e se não tivesse publicado um relatório definitivo com tantas falhas meses depois.

Nesta quarta-feira, o representante do México na OEA questionou o secretário-geral pela missão do organismo nas eleições de 2019 e o acusou de “ferir a democracia”.

— Vocês deslegitimaram as missões eleitorais — acusou o representante do México Maximiliano Reyes, subsecretário para a América Latina. — O que aconteceu com a OEA na Bolívia não deve se repetir nunca mais.

Poucas evidências de fraude

Morales também voltou a criticar o informe, já contestado por diversos especialistas em estatísticas eleitorais. Na segunda, o secretário-geral Luis Almagro parabenizou Luis Arce, candidato do MAS, por sua vitória e lhe desejou “sucesso em seus trabalhos futuros”, enquanto elogiou a “conduta cívica” do povo boliviano.

— Não tem como ocultar o que aconteceu nas eleições. Se Luis Almagro tivesse alguma ética e moral, deveria renunciar — afirmou Morales.

Mais cedo, o presidente argentino também havia criticado a “cumplicidade da OEA para tirar Evo do poder”.

— O golpe  na Bolívia foi um evento muito traumático para a região. Devemos celebrar que a democracia foi recuperada na América Latina — disse Fernández.

Divulgado em 10 de novembro, 20 dias após o pleito, o relatório preliminar apontava irregularidades “muito graves”, que levaram a organização a recomendar a anulação da votação. Os auditores se debruçaram principalmente sobre a contagem rápida, não oficial, e afirmaram que “nos últimos 5% dos votos [dessa contagem], Morales aumentou a média de votos em 15% (…), enquanto [o segundo colocado Carlos] Mesa caiu em uma proporção praticamente igual”, um “comportamento muito incomum”.

No mesmo 10 de novembro, Morales anunciou a anulação das eleições e propôs a convocação de um novo pleito, mas a oposição não aceitou. O impasse levou ao ultimato militar que levou à sua renúncia no mesmo dia.

O relatório final da OEA, divulgado só em dezembro, após a renúncia do ex-presidente, afirmava que o resultado eleitoral sofreu uma “manipulação maliciosa” e não poderia ser validado. “Houve ações deliberadas com o intuito de manipular o resultado da eleição. Foram ações maliciosas que pretendiam afetar o curso do processo eleitoral de acordo com o que foi planejado oficialmente”.

Desde então, ao menos dois estudos de universidades prestigiosas contestaram os achados do relatório. Em fevereiro, em um artigo para o Washington Post, pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) afirmaram que não há evidências científicas que apontassem fraudes nas eleições do ano passado. Segundo os pesquisadores John Curiel e Jack Williams, a análise e as conclusões do relatório da OEA “parecem profundamente falhas”.

Quatro meses depois, um estudo realizado por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia e da Universidade Tulane concluiu também que “não há evidência estatística de fraude”. Segundo a pesquisa, que avaliou dados coletados das autoridades eleitorais bolivianas pelo New York Times, a conclusão da OEA foi erroneamente baseada em técnicas estatísticas inadequadas e dados incorretos. [Foto de capa: Erika Santelices/AFP]

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