O estado mais populoso da Índia prometeu lutar contra o que chama de “jihad do amor” e declarou os casamentos interreligiosos ilegais se o objetivo for a conversão religiosa da mulher, na mais recente iniciativa que corre o risco de dividir ainda mais a nação do Sul da Ásia.
Estados liderados pelo partido nacionalista hindu do primeiro-ministro Narendra Modi chamam os casamentos interreligiosos de “jihad do amor” — uma referência a uma suposta conspiração de homens muçulmanos atraindo mulheres hindus ao casamento para conversão.
Na terça-feira, ministros do estado de Uttar Pradesh, chefiados pelo sacerdote incendiário do Partido do Povo Indiano (BJP, na sigla original) Yogi Adityanath, aprovaram a lei que também propõe penas de prisão de até 10 anos para os infratores.
A acalorada retórica da campanha eleitoral que se transformou em legislação gerou um debate sobre se essa lei restringirá as liberdades religiosas e civis garantidas pela Constituição. Pelo menos cinco estados governados pelo BJP anunciaram sua intenção de aprovar leis semelhantes, mas até agora apenas Himachal Pradesh promulgou sua Lei de Liberdade Religiosa, que entrou em vigor no ano passado.
Desde sua reeleição em 2019, Modi revogou o Artigo 370 da Constituição que concedia status de autonomia especial ao único estado de maioria muçulmana da Índia, a Caxemira, e aprovou uma lei de cidadania que discrimina com base na religião. Ele também pressionou por um registro nacional de cidadãos no estado de Assam, no Nordeste do país, e lançou a pedra fundamental para a construção de um templo hindu no local onde uma mesquita do século XVI foi destruída.
A animosidade contra as relações interreligiosas é tão difundida que a série da Netflix “Um rapaz adequado”, baseada em um romance do escritor Vikram Seth e dirigido pela cineasta Mira Nair, gerou polêmica por uma cena que mostra sua protagonista hindu beijando um homem muçulmano.
Dois funcionários da Netflix estão enfrentando uma denúncia na polícia do estado de Madhya Pradesh, governado pelo BJP, em conexão com aquela cena. A reclamação foi apresentada por um membro do partido de direita Yuva Morcha, que exigiu um pedido de desculpas pela cena acusada de promover a chamada “jihad do amor”, segundo a imprensa local.
A nova lei em Uttar Pradesh exige que uma pessoa que busca a conversão religiosa antes do casamento envie um pedido ao magistrado distrital com dois meses de antecedência, disse um ministro do governo estadual à mídia na terça-feira, de acordo com o jornal Indian Express.
A lei “parece violar os valores constitucionais de igualdade, não discriminação, dignidade e ethos muito básico que os tribunais sempre reconheceram, de que os adultos podem fazer sua própria escolha”, disse Menaka Guruswamy, uma advogada sênior.
— Todos os homens e mulheres deveriam contestar essa ideia de sua maioridade estar sendo questionada e seu livre arbítrio presumido pelo Estado — afirmou.
A legislação não proíbe os casamentos interreligiosos, exceto aqueles com o único propósito de conversão, mas contribuirá muito para desencorajar os casamentos mistos, pois os casais podem ser perseguidos pela polícia e pelas autoridades.
Uma lei federal existente, a Lei de Casamentos Especiais, permite casamentos interreligiosos sem nenhuma das partes se converter, mas exige uma declaração pública com um mês de antecedência para permitir que qualquer pessoa que tenha objeções apresente seus motivos.
Essas declarações não são exigidas quando os noivos pertencem à mesma religião. Em setembro, a Suprema Corte da Índia concordou em ouvir um caso contestando o aviso prévio de um mês, depois que uma petição citou violação de privacidade de casais e instâncias de assédio.
— O efeito da lei é aumentar o controle da religião em detrimento da liberdade e da escolha individual — disse Vrinda Grover, advogada sênior e ativista de direitos humanos. — É mais um meio de controlar a sexualidade, o arbítrio e o direito de escolha das mulheres. Também infantiliza as mulheres e as retrata como tolas crédulas, incapazes de tomar decisões sobre sua vida.
Uma investigação especial sobre mais de uma dúzia de alegações da chamada “jihad do amor” pela própria força policial do Estado não encontrou nenhuma evidência de qualquer suposta conspiração ou financiamento estrangeiro para atrair mulheres hindus ao casamento a fim de convertê-las, disse a imprensa local.
Os casamentos mistos, vistos como essenciais e indicadores de harmonia social, já são raros na Índia. Na capital do país, apenas 589 casamentos foram interreligiosos, dos 19.250 registrados durante os primeiros nove meses do ano passado, de acordo com dados oficiais divulgados pela rede de notícias News18. Outro estudo com dados de 15 anos até 2005 mostrou que apenas 2,2% de todas as mulheres entre 15 e 49 anos se casaram fora de sua religião, de acordo com o Indian Express. [Capa: Prakash Singh/AFP]