A arte da sedução pode se tornar um vício? A conquista amorosa sequencial pode ser enquadrada como uma conduta nociva? Se você já encontrou no seu caminho um homem com a chamada Síndrome de Don Juan, aquele sedutor irreparável, ambas as respostas são sim.
O fenômeno não é novo — o próprio nome Don Juan faz alusão a um conhecido personagem, cujo primeiro registro na literatura aparece no século XVII, na obra do espanhol Tirso de Molina.
Porém, foram acrescentadas a esse comportamento duas palavras que, até tempos atrás, não eram utilizadas: masculinidade tóxica. “Ela faz com que alguns homens desenvolvam um transtorno narcisista: querem ser admirados, sentem-se superiores e lhes falta empatia.
Eles não amam as mulheres, mas sim a conquista”, explica o pesquisador da psicologia da masculinidade preta e questões raciais, João Luiz Marques.
A empresária Priscila Bentes, de 60 anos, viveu um ano com um homem a quem ela se refere hoje como “psicopata”.
“Por ele não ter o menor sentimento de culpa nem de remorso. Tinha ao meu lado um sedutor, com resposta para tudo, cuja maior habilidade era enganar alvos inteligentes”, conta.
“O padrão de comportamento era sempre o mesmo: ao ser conquistada, a mulher era abandonada”, relata Priscila, que, na época do romance, em 2009, descobriu que o namorado tinha — ao mesmo tempo — outras 30 parceiras amorosas.
Priscila, que chegou a lançar um livro sobre esse episódio chamado “[email protected]”, conta que até hoje dá suporte a pessoas que atravessam situação semelhante. “Enquanto houver a idealização do modelo romântico, vai existir brecha para o Don Juan entrar em ação. Costumo dizer que as mulheres precisam de apoio”, reflete.
A influenciadora digital Jacy Lima, de 28 anos, viu-se prestes a submergir nessa areia movediça. “Bastou eu me apaixonar, para esse meu namorado cair fora. Depois, ele me contou que seduzia as amigas da mãe e até as namoradas de amigos. Era compulsivo.
Percebi, então, que tinha essa síndrome”, conta Jacy. Para ela, as redes sociais possibilitaram que debates e problemáticas sobre relacionamentos viessem à tona. “No meu canal do YouTube e no perfil do meu Instagram, recebo milhares de depoimentos e exposições de relações fracassadas que levam à dependência”, explica.
“O Don Juan mantém as mulheres nas mãos na intenção exclusiva de alimentar o próprio ego. Mas isso precisa ter limite. Do contrário, pode se tornar uma relação tóxica e até abusiva”, alerta Jacy.
A psicóloga Daniela Faertes ressalta que o Don Juan pode ser ele ou ela. Em comum, está a liberação de endorfina, que, ao contrário do que se imagina, não acontece no sexo.
“O prazer reside na conquista. Também são indivíduos com dificuldade de criar vínculos afetivos e que tendem a escolher suas ‘vítimas’ em relações que envolvam algum tipo de proibição ou dificuldade, como médico e paciente, cliente e advogado”, explica.
Daniela chama atenção para a maneira que eles saem da vida da suposta amada. “Sem empatia nem cuidado. Ao contrário, terminam com extrema frieza”, completa a psicóloga.
O pesquisador João Luiz Marques menciona a dificuldade de fazer um diagnóstico deste perfil. “Por existir uma mistura de elementos culturais com o quadro compulsivo.”
Na sociedade machista, as conquistas masculinas encontram confirmação entre os amigos. “Esse homem pegador é visto, muitas vezes, como um verdadeiro herói”, observa.
“Ninguém desconfia de que ele é um narcisista, nem o próprio.” Dono de um perfil no Instagram com quase 60 mil seguidores, o pesquisador de 26 anos tem como objetivo abordar questões relativas à masculinidade tóxica.
“Os homens das novas gerações, apesar de uma força conservadora que puxa a gente para trás, estão mudando, aos poucos. Estamos todos precisando falar sobre sentimentos.”
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