Acre vira rota da maconha “goumert” da Colômbia, revela El País

Traficantes da Colômbia, país que continua no ranking internacional como um dos maiores produtores de entorpecentes do mundo, passaram a utilizar o Acre como rota alternativa para o transportes de seus produtos em busca de consumidores no continente sul-americano, e a partir do Brasil buscam reposicionamento no mundo do crime, na Europa. Graças à alternativa de uma nova rota, os criminosos praticamente abandonaram aquela que parecia geograficamente mais fácil, a passagem pelo Estado de Roraima. O Acre passou a ser, por isso, a rota preferida para um novo tipo de droga, a chamada maconha “goumert”, de melhor qualidade, produzida na Colômbia.

É o que revela o jornal espanhol “El País”, que circula na Espanha e que abre espaços para a América Latina. Citando fontes da Polícia Federal brasileira, a publicação diz que a repressão ao tráfico e combate à entrada no país de entorpecentes produzidos na Colômbia no que seria uma rota natural, passando pelo Estado de Roraima, está fazendo com que os traficantes estejam, aos poucos, buscando novos caminhos para trazer drogas ao Brasil e a partir deste país buscar novos mercados, principalmente na Europa. Esta nova rota é o Acre, através da Bolívia e do Peru, que também são produtores de drogas e mantém entrepostos para receber o produto oriundo da Colômbia.

De acordo com a Polícia Federal, segundo o jornal espanhol, a maconha colombiana entrava no Brasil por outras rotas utilizadas pelo narcotráfico para trazer cocaína. Uma saía da Colômbia, passava pela Venezuela e entrava no Brasil pela fronteira com Roraima. Agora, desceria em direção ao Peru e Bolívia e entraria em território brasileiro pelos estados do Acre, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A partir daí, é distribuída nacionalmente por quadrilhas associadas a diversas facções criminosas, principalmente o PCC (Primeiro Comando da Capital), que domina o tráfico de drogas em São Paulo, principal mercado consumidor nacional, e o Comando Vermelho, predominante no Rio de Janeiro, onde está o segundo maior mercado de drogas do país.

Com o cerco policial na rota principal e natural, os traficantes encontraram o Acre no caminho. Com a mudança de rota, os criminosos criaram também um novo atrativos para seus produtos. Como em qualquer negócio, eles estão investindo em qualidade em busca da manutenção dos clientes atuais e em busca de novos. Por isso, além da nova rota, há novidade na praça do mercado de drogas ilícitas brasileiro que progressivamente ganha espaço entre traficantes e usuários país afora. Trata-se da maconha colombiana. Conhecida como “Colômbia”, “colombinha”, “colom”, “cripa” ou “creepy”, dependendo da região, a droga proveniente na maior parte de regiões controladas por grupos armados que atuam no Corredor do Oceano Pacífico do país vizinho possui aspecto diferente, é de melhor qualidade, mais forte e mais cara que a maconha paraguaia que tradicionalmente abastece a maior parte do país.

De acordo com fontes da Polícia Federal citadas pela publicação europeia, enquanto um grama da maconha paraguaia fica em cerca de R$ 5,00 em São Paulo, a colombiana custa entre R$ 20 e R$ 30 o grama. O produto tem chamado a atenção dos fornecedores —é cada vez mais comum hoje oferecerem o produto paraguaio e o colombiano paralelamente. A maior pureza e os efeitos mais potentes, por sua vez, têm atraído os consumidores.

Esse interesse do mercado nacional reflete-se nas apreensões da maconha colombiana realizadas pela Polícia Federal nos últimos anos. De acordo com série histórica inédita de 26 anos obtida pela reportagem do “El País”, de 1995 até 2014 praticamente não havia apreensão de maconha na fronteira e rotas fluviais utilizadas por facções criminosas como o PCC e CV para trazer cocaína da Colômbia para o Brasil pelo Amazonas. Em 2014, no entanto, a PF apreendeu a primeira tonelada de maconha colombiana chegada por ali. Os 1.342 quilos eram quase 10 vezes mais que os 143 quilos que tinham sido apreendidos no ano anterior, em 2013. De 2014 para cá, nunca mais foi apreendida menos de uma tonelada anualmente por ali. Em 2018, recorde até o momento, as apreensões chegaram a quase 10 toneladas (9.420 quilos). Em 2020, em meio à pandemia, as apreensões fecharam pouco abaixo das duas toneladas, segundo a PF. Ainda é pouco perto da quantidade de maconha proveniente do Paraguai, mas trata-se de um crescimento agressivo.

“É uma maconha enriquecida, diferenciada, com alto teor de THC, a maneira de produção é diferente, a maneira de transportar é diferente”, afirma o delegado Elvis Secco, diretor da Coordenadoria de Repressão a Drogas, Armas e Facções Criminosas da Polícia Federal, citado por El País. “Não precisa transportar grandes cargas, não temos registro de uma única apreensão com cinco toneladas de creepy [a maconha colombiana], por exemplo, por que ela tem alto valor, então já compensa no transporte de volumes menores, o que dificulta também as apreensões”, afirma o policial. “Estão usando a rota no Norte do país, que é ali principalmente pelo Amazonas e seus afluentes para fazer o tráfico dessa maconha da Colômbia para o Brasil”, diz.

Secco afirma que as grandes facções criminosas e quadrilhas menores usam as mesmas rotas fluviais amazônicas, barcos, pessoal e infraestrutura utilizadas para trazer cocaína da Colômbia, esse sim o negócio principal. “Essa droga especial vem no vácuo da rota utilizada para traficar cocaína. É muito comum os mesmos traficantes de cocaína fazerem o tráfico da maconha colombiana, o que não acontece com a maconha paraguaia. O cara que é especializado no tráfico da maconha paraguaia não tem a logística da cocaína e vice versa.”

No começo de março, tropas do Exército colombiano fizeram aquela que qualificaram como “a maior apreensão de maconha até hoje em toda a região amazônica”. O carregamento de 75 sacos de creepy, com cerca de 3,5 toneladas, seguia em duas embarcações por águas do Rio Yarí, entre os Estados de Caquetá e Amazonas e pertencia a uma das dissidências da extinta guerrilha das FARC que se desmembraram no processo de paz. Como ocorre com a maior parte do creepy, vinha da região de Cauca, um lugar assolado pela violência da ação de vários grupos armados que atuam no Corredor do Pacífico. O destino da carga, avaliada pelas autoridades em aproximadamente 1,7 milhão de dólares, era o Brasil, onde entraria por uma intrincada rede fluvial.

Esse tipo de droga também é chamado na Colômbia de maconha de alta octanagem, por causa de suas grandes concentrações de THC, a principal substância ativa da planta. Há cerca de cinco anos começaram do lado de lá da fronteira os relatos sobre a existência de sofisticadas estufas usadas para plantar creepy que iluminam as montanhas durante a noite em Cauca. Os cultivadores usam as luzes para acelerar o crescimento. O “triângulo dourado” que compreende os municípios de Miranda, Caloto e Corinto nesta região chega a concentrar a produção de cerca de 60% da maconha ilegal plantada na Colômbia. Em meados de 2019, a região chamou a atenção de toda a Colômbia quando as autoridades do país vizinho aplicaram uma estratégia muito criticada para combater as plantações ilegais: cortar a eletricidade dessas populações com o propósito de combater o cultivo ilegal, o que não foi capaz de romper uma cadeia de produção que prospera na sombra do narcotráfico de cocaína.

A Colômbia é hoje, por muitos fatores, o principal produtor mundial de coca, a matéria-prima da cocaína, com 154.000 hectares cultivados até o final de 2019, de acordo com as últimas informações anuais disponíveis no Sistema Integrado de Monitoramento de Cultivos Ilícitos da Organização das Nações Unidas. “O peso da maconha creepy no narcotráfico é relativo. Não temos medidas de satélite da produção de maconha, sabemos muito pouco sobre a área e seu tamanho, mas comparando com as áreas dedicadas à coca é uma economia marginal”, afirma Daniel Rico, da C-Análisis, uma empresa de criminologia aplicada. “A maconha não precisa de tantos intermediários, não é uma cadeia logística tão grande e não requer tantos insumos e condições, o processo é muito mais simples. Por que mais que o preço seja menor, a rentabilidade é maior”, analisa o especialista. “Para o Governo dos Estados Unidos, que coloca os recursos e define boa parte das prioridades da agenda de combate ao tráfico de drogas na Colômbia, a maconha creepy não é um problema por que não chega lá”, afirma. Isso explica por que o assunto não é prioridade.

Sem ser combatido, o cultivo e tráfico da maconha creepy é uma fonte considerável de entrada de recursos para grupos ilegais como os dissidentes das FARC, explica Jeremy McDermott, diretor-adjunto da InSight Crime, que realiza diversas pesquisas sobre o assunto. Além de abastecer o mercado interno, a maconha especial também é exportada a diversos países. “Encontramos o creepy no Chile, Equador, Peru, Venezuela, Brasil e até em Trinidad e Tobago. Obviamente existe um sistema de exportação bem estabelecido”, afirmou ao El País. A maconha é proporcionalmente muito mais pesada que a coca, e isso faz com que não seja fácil escondê-la e transportá-la. Assim os grandes carregamentos usam as rotas já estabelecidas da coca —muitas até os portos do Oceano Pacífico— mas grande parte segue para o Brasil através da região amazônica. Para levar as drogas ao país vizinho os traficantes contam com a ajuda de grupos dissidentes das FARC liderados por Gentil Duarte, um antigo comandante da guerrilha, que controlam os rios desde as planícies acima até o Sul da Colômbia. Por este corredores fluviais é transportada tanto a pasta base da cocaína quanto os pacotes de maconha.

É aqui que o Acre entra na rota dos traficantes. A partir de 2014 o PCC inicia sua expansão pelo país. Após consolidar toda a rota de distribuição da cocaína para a Europa e África a partir do porto de Santos, a facção torna-se hegemônica em locais-chave na fronteira com o Paraguai e a Bolívia, por onde chegam a maconha e a cocaína produzidas nos dois países, respectivamente. Em 2016, é quebrada uma aliança de pelo menos 15 anos com o CV, com quem a facção criminosa paulista passa a disputar território. Após uma série de massacres em presídios das regiões Norte e Nordeste, com dezenas de mortos em meio à guerra de facções causada pela expansão do PCC para essas regiões, a situação acomodou-se um pouco a partir de 2019.

De acordo com diretor da Coordenadoria de Repressão a Drogas, Armas e Facções Criminosas da Polícia Federal, há pelo menos dois anos existe uma espécie de acordo de paz ou trégua entre o PCC e outras facções que atuam na região Norte, como a Família do Norte (FDN) e o Comando Vermelho. “Houve uma grande expansão do PCC, que conseguiu se estabelecer na região Norte e quase todo o país, e hoje tem mais influência que as outras facções”, afirma o delegado Secco. “O CV também opera na rota da Amazônia, assim como diversas facções regionais com as quais as duas grandes possuem alianças”, diz. O período coincide com o início da chegada da maconha colombiana ao Brasil em grandes quantidades.

Na prática, a produção farta no país vizinho, aliada à rede de distribuição e ampla aceitação no mercado consumidor por aqui consolidou o “colombinha” como mais um produto rentável para o narcotráfico dos dois países.

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