Copa América: a oposição chamou o VAR e o árbitro vai ser o STF

No país do futebol, o Supremo Tribunal Federal (STF) volta e meia é transformado em Maracanã político. Nesta quinta-feira (10), por meio do plenário virtual convocado de forma extraordinária, os 11 ministros da Corte vão analisar duas ações que questionam a realização da Copa América no Brasil em meio à pandemia da Covid-19. A competição tem abertura prevista para este domingo (13), no Estádio Mané Garrincha, a menos de cinco quilômetros do STF.

Estão na pauta duas ações: uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, e um Mandado de Segurança (MS) assinado pelo PSB e pelo deputado Júlio Delgado (MG). A pedido da relatora de ambas, a ministra Cármen Lúcia, o presidente do STF, Luiz Fux, convocou sessão extraordinária do plenário virtual, com duração entre 0h e 23h59 desta quinta-feira. Até o momento, o placar no sistema virtual está em 5 a 0 para autorizar a disputa do torneio no país.

Com isso, o Supremo mais uma vez se vê obrigado a arbitrar uma questão que contrapõe o governo Jair Bolsonaro, favorável à realização da competição no país, e opositores do presidente, que veem o evento como fator de agravamento da pandemia. Seja qual for o placar, a exemplo do juiz que viu ou não pênalti em uma jogada dentro da área, a decisão despertará reações apaixonadas nas redes – no caso, as sociais.

Essa posição de mediador de conflitos eminentemente políticos tem se repetido com mais frequência, mas não é reflexo apenas do Fla-Flu em que o Brasil mergulhou na última década. Ainda em 2008, no artigo “Supremocracia”, o diretor da FGV Direito SP e professor de direito constitucional Oscar Vilhena Vieira já apontava: “Raros são os dias em que as decisões do Tribunal não se tornam manchete dos principais jornais brasileiros, seja no caderno de política, economia, legislação, polícia (e como!) e eventualmente nas páginas de ciências, educação e cultura”.

Tampouco é de hoje que a lista cresceu, com a inclusão da editoria de Esportes. Em 2018, depois de impressionantes 31 anos, foi considerado transitado em julgado o processo em que Sport e Flamengo disputavam no Judiciário quem era o legítimo campeão brasileiro de 1987 – coube ao Supremo o apito final sobre o imbróglio, após decisões da Justiça Federal em Pernambuco e recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no próprio STF.

São múltiplas as causas apontadas por Vilhena para essa situação: 1) a ambição da Constituição de 1988, elaborada como antídoto a um eventual retrocesso da recente redemocratização do país; 2) além de corte constitucional, o STF atua como última instância judicial e foro especializado em julgar autoridades, funções que costumam ser divididas em diferentes instituições em outros países; 3) a própria agenda da Corte, com pautas relevantes para a sociedade, como pesquisa com células-tronco, cotas nas universidades, lei de crimes hediondos, entre outras; e 4) mecanismos que permitem que o Supremo seja acionado por uma série de agentes do debate público, como partidos políticos, organizações da sociedade civil e associações representativas.

“As regras do sistema acabam incentivando o excesso de temas que são levados ao Supremo, e muitas vezes o próprio STF aceita assumir protagonismo no debate político”, analisa o professor da FGV Rubens Glezer. Em uma analogia com o futebol atual, é como acionar o VAR em qualquer lance do jogo, e não apenas em jogadas capitais ou decisivas. “A verdade é que é muito fácil para um partido ou uma entidade acionar a Corte, mesmo que seja para perder.”

Milhares de ações

O amplo leque de temas debatidos e julgados pela Suprema Corte brasileira é outra peculiaridade, em comparação a outros países. “Geralmente as cortes constitucionais dedicam mais atenção a determinadas temáticas. Na África do Sul, por exemplo, predominam pautas relacionadas às questões raciais; em Israel, destacam-se temáticas político-militares; e nos Estados Unidos a pauta ligada às liberdades individuais, de expressão, é mais relevante”, explica o advogado Saul Tourinho Neto, que atuou como assessor internacional nos tribunais dos dois primeiros exemplos. “Aqui o rol é muito amplo, o que faz o volume de processos ser muito maior.”

De fato, no Brasil o Supremo celebrou o fato de ter encerrado 2020 com o menor acervo do período constitucional, mas ainda superior a 25 mil processos – hoje o indicador está em 23 mil, mas já foi de mais de 100 mil em 2006. A pandemia da Covid-19 é um capítulo à parte nessa numeralha, com quase 9 mil processos relacionados e mais de 11 mil decisões tomadas pelo plenário ou de forma monocrática – pode haver mais de uma decisão ou despacho por processo.

Estão nessa lista o reconhecimento da competência entre a União, os estados e os municípios nas medidas relacionadas ao enfrentamento da pandemia, tão relembrada em depoimentos da CPI da Pandemia e ainda motivo de debate político entre governistas e opositores. A partir desta quinta-feira, entrará no rol a realização ou não da Copa América.

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