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Umas das personalidades mais conhecidas e polêmicas do Vale do Iaco, creio que também bastante conhecida no Acre. A primeira mulher transsexual do município de Sena Madureira, Kimberlly Matos, concedeu uma entrevista exclusiva ao site ContilNet e revela detalhes de vida e planos futuros.
Nascida em Sena, Kimberly ou Elivan Matos ainda não recorreu à troca da documentação de identidade de gênero e não se sente constrangida com os nomes em seus documentos pessoais. “Nunca me interessei em tirar meu nome, acho que nunca vou tirar, eu gosto do Elivan. Kimberly é um nome fantasia, que eu escolhi pra mim. Mas não me incomoda o meu nome verdadeiro. Eu acredito que a pessoa deve mudar o nome quando ela muda de sexo, e se ela tem vontade, claro. O que faz de mim é a minha cabeça, não um órgão sexual. Todo mundo me chama de Kimberly, mais não me afeta em nada se vou em um lugar e me chamam de Elivan”, comentou.
Morando atualmente em Paris, Kimberly não revela sua idade, nem quais e quantos procedimentos estéticos já realizou. Sobre cirurgia de mudança de sexo, a acreana comentou que jamais realizaria.
Em bate-papo com este colunista, a empresária Kimberly Matos desabafa sobre abuso sexual na infância, sua prisão na Itália em 2005 e mais. Confira!
Douglas Richer: Você tem recordações boas da sua época de adolescência e juventude em Sena Madureira?
Kimberly Matos: “Inúmeras recordações maravilhosas, muitas coisas boas. Meu período em Sena Madureira até os 18 anos e meio foi muito bom. Todos os meus retornos foram maravilhosos, eu amo minha cidade, eu amo o Acre. Amo ser senamadureirense, acreana, amo minha raiz.
Tenho orgulho de dizer quem eu sou. Tenho imenso orgulho de ser uma trans, orgulho de ser a pessoa que eu sou. Sou guerreira, batalhadora, sou como fênix, entro sempre em combustão pra renascer melhor. Eu sempre renasço das cinzas!”
Douglas Richer: Como foi sua infância e adolescência, seu processo de descoberta e aceitação da sua identidade de gênero?
Kimberly Matos: “Hoje eu posso dizer que eu tive uma infância muito feliz. Uma criança gay, uma criança menina, manipulada, mexida e abusada por homens. Uma coisa que eu tenho para dizer pra todo mundo, para mães e pais: não confie em tio, não confie em vizinhos, não confie em amigos, em deixar seus filhos pequenos até uma idade de 9 anos com ninguém. Principalmente com homens, com primos mais velhos, tios, vizinhos, não deixem.
Hoje quando eu paro para pensar, eu não preciso dizer nomes, nem citar nomes, porque já faz tanto tempo isso, e muitos eu perdoei, e outros até já morreram, mais eu acredito, e posso dizer por 100% do meu passado, que 85% dos homens são pedófilos, gostam de crianças, menininhas novinhas, menininhos novinhos afeminados e fazem coisas desagradáveis, que eu até então nem imaginava certas coisas, e hoje eu paro para pensar como é desgraçada a maioria dos homens, é uma raça muito promíscua em todos os sentidos.
Mais a minha infância foi muito maravilhosa, brinquei muito, curti muito, brincadeiras saudáveis que não existem mais, eu sou de uma época de pureza, hoje em dia não tem mais isso”.
Douglas Richer: Você conta que foi abusada na infância. Isso te deixou marcas ruins difíceis de curar? O abuso foi de pessoas próximas?
“Não, graças à Deus. Sou muito bem resolvida, eu não bebo, nem fumo e nunca me droguei. Eu tenho um amor tão grande e imenso de família, de mãe, irmãs, de pai, mesmo carrancudo, muito sério, mas ele me ama infinitamente. Não me deixou sequelas, não. O que eu posso dizer hoje é que os homens são muito escrotos, não confiem os seus filhos a pessoas grandes, a vizinhos, parentes, primos mais velhos, tios, não confiem. Confiem desconfiando. Maldito do homem que confia no homem, é bíblico.
Mas não me deixou sequelas e nem marcas, não, acho que me fez foi mais forte, aquilo que não me quebrou com o passar dos anos, me deixou mais forte. Várias vezes eu me enverguei, como um galho de goiabeira, mas não quebrei, estou aqui, já cheguei a ser um pouquinho despedaçada, mais fui colada. Hoje posso dizer que sou quase de uma forma indestrutível. Nada me abala. Ninguém consegue tirar minha autoestima. Eu amo da forma como sou!”.
Douglas Richer: Como mulher trans, você enfrenta muitos preconceitos? Como os encara?
Kimberly Matos: “Sai de Sena Madureira com 18 anos com ajuda da minha mãe. Eu não tenho uma família, dez, mil, um milhão, minha família é um trilhão. Tenho um amor inexplicável de mãe, de irmãs, sobrinhos, primos, primas, eu tenho uma família dez”.
Principalmente minhas irmãs, minha mãe, meus sobrinhos. Eles têm o maior respeito por mim, o maior carinho do mundo. Sempre minha maior fã, admiradora, foi maior tudo, foi minha mãe. Eu não tive muitos obstáculos na minha vida, não. Não posso falar que esses poucos momentos ruins foram preconceitos.
Os momentos ruins que passei foram só referentes a pessoas que ajudei. E eu nem conto, são pessoas e coisas que eu descartei da minha vida. Tudo aquilo que possa vim me machucar e ferir, eu descartei da minha vida, eu apaguei das minhas memórias.”
Douglas Richer: Infelizmente ainda há pessoas que não acreditam que uma mulher trans possa exercer o papel de esposa, mãe, empresária, etc. O que você diria a essas pessoas?
Kimberly Matos: “Pessoas má informadas, pessoas infelizes, mal resolvidas consigo mesmo, né?! Um bom profissional independente do que ele seja, do sexo, raça, não importa. Principalmente da sua identidade de gênero. Não tive esse problema, os poucos empregos que procurei, eu trabalhei. Sempre me deram emprego, acho que porque sempre fui uma ótima profissional em tudo aquilo que procurei.
Douglas Richer: Qual conselho você daria para as pessoas que estão passando agora por esse momento de descoberta em relação à identidade de gênero?
Kimberly Matos: “Um conselho que eu dou para qualquer pessoa, seja ela lésbica, se tenha vontade de ser um trans, travesti, gay, não desista nunca dos seus sonhos, a vida é feita de sonhos. Você só deixa de sonhar quando morre, tudo aquilo que você sonha, almeja deseja de coração, que você mentaliza, tudo pode ser concretizado, basta você querer. Mas nada é fácil nessa vida, tudo é trabalhoso, dificultoso, mas tudo é no tempo do Senhor, nada é no meu, no seu, no nosso, é no tempo dEle.
Douglas Richer: Como era viver em um mundo com ainda menos representatividade?
Kimberly Matos: “Eu acho que viver, independente do Estado e país, você tem que se adaptar aos lugares e locais, que as pessoas te respeitam, independente de como você seja. Acho que você tem que se adaptar e saber dançar conforme as músicas. Você tem que seguir à risca cada lei, determinação, de cada país, procurar seguir a cultura de cada canto. Tudo se encaixa, o respeito tem que ser mútuo. Se você quer ter respeito, dê respeito. Se você impõe respeito, as pessoas te respeitam, sim, independente daquilo que você seja.
Douglas Richer: Como foi a experiência de deixar sua família e cidade e morar ainda bem jovem em outros países? Você fez por necessidade financeira ou era uma opção sua?
Kimberly Matos: “Foi uma opção minha, uma vontade minha de crescer, andar, de ser quem eu sou, de me tornar uma travesti. De botar minhas próteses, fazer plásticas que fiz. Decidi sair só para crescer, mesmo, conhecer inúmeros lugares, como conheço. Não foi nem pela parte financeira. Foi e está sendo bom. Mas com o passar dos anos vai cansando, tantas viagens, deixar todo mundo, perdi tantas coisas maravilhosas da minha família. Tantos momentos bons, únicos.
Douglas Richer: Você se arrepende de alguma coisa da sua trajetória?
Kimberly Matos:“Sim a única coisa que eu me arrependo na minha vida foi ter ajudado pessoas de Sena Madureira. Por ter ajudado pessoas de Sena, eu fui pra cadeia. Passei um ano e dois meses, doze dias e duas horas presa. Me arrependo muito. Não pelo financeiro, tudo que perdi, mas por ter ajudado pessoas da minha cidade, isso eu me arrependo. O resto, faria tudo de novo!”.
Douglas Richer: Você tirou experiência desse período reclusa?
Kimberly Matos: “Acho que tudo nessa vida temos que mesmo que for coisas pesadas, temos que tirar bom proveito. Acho que tudo existe um porque, então, até das coisas ruins temos que filtrar e tirar bons proveitos. ”
Douglas Richer: você foi condenada por aliciação e tráfico de homens e mulheres na época, certo? Você acha que a condenação foi justa? Eles buscaram você , para esse mundo da prostituição, certo?
Kimberly Matos: “Eu não fiz nada disso, não foi justo! Eu fui absorvida, após 15 anos, o processo foi concluído ano passado (2020). Tive muitas percas, e não fiz nada disso. Quem eu levei, levei porque sabiam o que iam fazer, o que queriam, e eram conscientes, eu não levei nenhuma criança pra nada.
Douglas Richer: aproveitando que estamos no Mês do Orgulho LGBTQI+, que mensagem você procura passar para a sociedade, em relação ao tema?
Kimberly Matos: “Parem de julgar as pessoas pela aparência, pelo que elas são. Antes de qualquer coisa, veja o profissionalismo, deem uma oportunidade antes de criticar, antes de falar mal. Não procure saber o que os outros pensam, deem oportunidades para as pessoas.
Se vocês pararem pra pensar, entre os melhores profissionais do mundo, estão os melhores gays médicos, sapateiros, estilistas, decoradores, cabeleireiros, maquiadores, arquitetos, engenheiros, servidores públicos, vendedores, reportes, tudo aquilo de melhor pertence ao LGBTQI+. Eu acredito que nós somos pessoas privilegiadas e abençoadas por Deus, não pelo satanás, tudo aquilo que eu tenho e possa conquistar é só mérito de Deus, não do satanás.
Ao contrário do que os evangélicos possam dizer, a sociedade também, que se dizem ‘puros’, que isso nem existe, que essa sociedade é podre e medíocre, vulgar, um falso moralismo sem fim, nós somos os melhores. The besto of the best, number one. Falar de nós é fácil difícil é ser como nós somos. ”
Douglas Richer: na sua caminhada tiveram recomeços. Qual conselho você deixa para quem tem dificuldade em recomeçar e muitas vezes quer desistir da vida?
Kimberly Matos: “Não desista, nunca desista. A vide é feita de quedas, de tropeços, mais aprenda a tropeçar e se levantar mais forte. A vida só deve ser desistida quando Deus decidi tirar sua respiração, quando ele tira teu folego, aí você não pode fazer mais nada. A partir daquele momento, até tua roupa do último momento alguém vai escolher.
Não desista dos seus sonhos, nada na vida é impossível, absolutamente nada. Tente até o último dia da sua vida, nós nascemos nesse mundo pra aprender e iremos morrer sem ter aprendido tudo. ”
Sobre o futuro, a empresária revela que breve retorna a Sena Madureira onde pretende empreender e montar um restaurante e buffet.
“Quero fazer meu restaurante de massas e meu buffet. Meu maior sonho. Eu nasci pra realizar sonhos, nasci pra fazer festa, amo decorar, fazer festas infantis, casamentos, batizados. Recentemente passei por oficinas em organizações de eventos e gastronomia. Passei um período na Bélgica, Luxemburgo, vim agora para Paris, pretendo ir para Londres, Suíça e Alemanha, pretendo passar mais um ano fora, antes de retornar de vez para Sena Madureira. Quero abrir meu restaurante de massas, que vai se chamar KL Massas, onde vai levar a inicial do meu nome e a letra L, é em homenagem a uma pessoa que me ajudou muito nesses meus últimos dez anos, que foi a Lucélia, filha do Euzir. Uma pessoa que amo do fundo do coração e posso dizer que é amiga verdadeira.
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